Desde criança ouvia histórias de políticos corruptos que nunca eram punidos. Adhemar de Barros, que foi prefeito da capital e governador do Estado, ficou conhecido como “rouba, mas faz”. Seu antagonista, Jânio Quadros, usava como narrativa a honestidade, simbolizada pela vassourinha, que varreria a corrupção e a bandalheira dos órgãos públicos.  Assim, a corrupção era (e ainda é) tão disseminada que a população a considerava normal, desde que o político tivesse feito alguma coisa de útil para a sociedade. Quando alguém criticava um político corrupto com argumentos sólidos, a outra parte justificava: roubou, sim, mas fez. Talvez o argumento fazia sentido para as pessoas, que consideram que é melhor um corrupto que faz alguma coisa do que aquele que rouba e não faz nada de útil.

Com o tempo soube-se, também, que alguns defensores da moralidade como o da vassourinha cometiam seus pecados e suas narrativas eram apenas para conquistar os votos dos mais crédulos. Com o governo político-militar instalado em 1964, o discurso da moralidade foi aplicado em profusão. Pregava-se que a “revolução” acabaria com a corrupção e os corruptos, instaurando uma nova ordem. O mais paradoxal é que um dos políticos considerado símbolo da corrupção na história política do país, era um dos líderes da chamada “revolução”.

E foi nesse contexto que emergiu um dos políticos mais notórios do país: Paulo Salim Maluf, um descendente de árabes católicos, que se enriqueceram com a indústria de madeira.  Engenheiro formado na Escola Politécnica tinha o figurino ideal para representar a nova geração de políticos “pós-revolução”. Foi assim que Maluf foi galgando posições importantes até chegar a prefeito de São Paulo, graças ao bom relacionamento com o então presidente da República, General Arthur da Costa e Silva, que ficou famoso pelas suas gafes. Contava-se que nunca mais leu um único livro depois da formatura e era motivo de piadas sobre a sua ignorância e desinformação. Maluf, como um hábil estrategista, não media esforços para conquistar a confiança dos militares e o poder.  Paulo Smith em seu livro “Guia politicamente incorreto dos nossos presidentes” menciona que ele financiava as dívidas de jogos do general presidente, viciado em pôquer e corridas de cavalos. Além disso, presenteava a deslumbrada primeira-dama, Dona Iolanda, com joias caríssimas, além de socorrê-la em seus desastrados negócios.

Várias acusações de corrupção foram denunciadas durante as gestões biônicas de Maluf como prefeito e governador de São Paulo, sem contar a sua gestão anterior como presidente da Caixa Econômica Federal. Essas acusações vazavam pela imprensa, mesmo com a censura imposta pelo regime militar, mas nunca foram verdadeiramente apuradas e pelo tempo que passou já estão prescritas.

Comentava-se que no meio militar mais rigoroso havia preocupações com relação ao Maluf por causa das denuncias sobre corrupção. Entretanto, conta a crônica da época que os militares consideravam que ele, mesmo cometendo alguns deslizes contra a moralidade pública, tinha o “traseiro limpo” e era fiel ao regime.  Essa expressão significava que ele não deixava rastros que pudessem incriminá-lo.  É bom que se diga que o governador Adhemar de Barros só foi cassado pelos militares porque conspirou, juntamente com Lacerda e JK contra o regime e não por suas travessuras com recursos públicos. Isso revelava que muitos militares, cantados em prosa e verso como os guardiões da moralidade, toleravam a corrupção desde que fosse cometida por políticos de suas hostes.

Enfim, depois de mais de vinte anos e muitos recursos, o engenheiro Paulo Salim Maluf, também chamado de Doutor Paulo, sem nunca defender uma tese, foi engaiolado, mostrando que a nossa justiça é muito, muito lenta. Isso ocorre, principalmente,  quando o réu tem dinheiro e advogados competentes que sabem usar os detalhes mais sutis do código penal e assim postergar uma condenação.  

Resta saber agora quanto tempo ele ficará preso, pois como se sabe existe a possibilidade de uma prisão domiciliar, pois ele está com 86 primaveras e problemas de saúde que qualquer idoso na sua faixa etária tem. Não será, portanto, difícil uma decisão por do STF, despachando-o para sua mansão onde poderá desfrutar da sua magnifica adega com garrafas de Romanee-Conti Grand Cru que podem chegar ao absurdo de US$ 100 mil. E é bom ele se apressar, pois mesmo degustando uma garrafa por dia não vai conseguir esvaziar a maravilhosa adega antes da última viagem.