Paulo e o Evangelho[1]

1 - Introdução

A palavra grega euangelion, significa “boas notícias” ou “boa nova” e, na prática paulina, refere-se à mensagem salvífica da obra de Deus em Jesus Cristo. Das 76 vezes que a palavra é empregada no NT, 60 encontram-se no corpus paulino. Para Paulo, evangelho é a expressão clássica da graça de Deus, que tem como resposta a fé. Ocasionalmente, Paulo fala em “meu evangelho”, porém mais de 20 vezes ele usa evangelho sem qualificador, sugerindo que seus leitores já estavam familiarizados com o termo.[2]

Evangelho, nas cartas paulinas, significa a proclamação ritual e sagrada de um acontecimento libertador, iniciado por Cristo, que já ressuscitou, e que dá um sentido ascensional e positivo a toda realidade humana, por mais angustiante que esta seja. Proclamar o evangelho, implicará sempre numa postura desagradável e crítica diante de todas as pretensões dos que oferecem qualquer tipo de libertação.[3] 

2 – O Evangelho e Paulo

O evangelho é um ponto essencial do vocabulário paulino. Strecker e outros argumentam que foi a prática helenística que influenciou Paulo, em especial o culto ao governante helenístico ou ao imperador romano, em que o substantivo euangelion era usado para o anúncio da salvação, associada ao governo do imperador. Foram ainda, montados argumentos para demonstrar que Paulo recebeu o termo da Igreja primitiva.

Parece que Isaías 40 -66, teve certa influência formadora no uso paulino de euangelion. Isaías 52,7 teve influência especial, pois é citado por Paulo em Romanos 10,15. A influência de Isaías a respeito de Jesus e da tradição evangélica também é evidente e pode ter tido uma influência formadora em Paulo, uma vez que fazia parte da tradição que ele herdou.

A fraseologia “meu evangelho” pode ser interpretada como se falasse de conteúdo que foi decididamente formado por Paulo. Mas essa não é, de modo algum, a única interpretação possível, principalmente devido ao padrão que surge do resto do emprego paulino de euangelion. Paulo também fala do “evangelho de Deus”, “evangelho de seu Filho”, ou simplesmente do “evangelho”, ainda em Tessalonicenses fala em “nosso evangelho”.[4]

A oposição que Paulo sofreu na Galácia levou-o a afirmar que a natureza inconfundível do seu evangelho originava-se da revelação divina. Qualquer autoridade ou credencial que um “judaizante” reivindicasse, mesmo que fosse a de um anjo do céu, esse “evangelho”, deveria ser rejeitado se fosse diferente do evangelho que Paulo pregou aos Gálatas.

Paulo fala de sua revelação divina. Deus o pôs à parte desde o seio de sua mãe (Gl 1,15), chamou-o, revelou-lhe seu Filho (Gl 1,16) em uma visão celeste (1 Cor 9,1; 15,8) e enviou-o em missão para proclamar o evangelho aos gentios (Gl 1,16). Paulo faz alusão de si mesmo como um arauto da “boa nova” da paz (Rm 10, 13-15).

A pesquisa da obra de Paulo sugere que a lógica de seu evangelho foi consequência de sua experiência em Damasco. Paulo apressou-se a indicar o meio incomum pelo qual o evangelho chegara até lá e a enfatizar os seus aspectos inconfundíveis. Mas Paulo também fala, que recebeu certas tradições dos que o precederam na fé e há indícios de que adotou e incorporou profissões de fé cristãs primitivas em suas cartas.

Para caracterizar o seu serviço ao evangelho, Paulo recorre às imagens da atividade esportiva. Compara-se ao atleta que corre em direção à meta para conseguir a vitória (1Cor 9,24). A corrida do anunciador do evangelho corresponde a dos ouvintes, que não devem deixar-se desviar da meta. Após a experiência de Damasco, a vida de Paulo torna-se uma “corrida” pelo Evangelho. [5]

O tema anunciado no prólogo da carta aos Romanos é retomado e condensado em uma frase programática, logo após a oração de agradecimento do exórdio. Paulo declara que está pronto para pregar o evangelho também aos de Roma, porque ele se reconhece devedor de todos, gregos e bárbaros, sábios e ignorantes. Em duas frases Paulo condensa o dinamismo do Evangelho, que comunica a salvação de Deus a todos aqueles que se abrem a ele pela fé (Rm 1, 16-17).[6]

Para falar de sua tarefa de anunciar o Evangelho, Paulo privilegia o léxico diakônia ou serviço. Faz derivar de Deus a investidura ou habilitação para o serviço da nova aliança e da reconciliação. Com o nome de diakónos, designa o papel dos anunciadores do Evangelho, estendendo a salvação a todos os homens.[7]

O’Brien observa o uso paulino de evangelho em diversas de suas orações de ação de graças iniciais. Nelas, Paulo observa que a atividade da fé, do amor, e da esperança nos fieis, é prova de que o evangelho realizou sua obra poderosa no meio da Igreja de Tessalônica.[8] 

3 – O Evangelho de Deus e de Cristo

As cartas paulinas contêm 7 referências ao “evangelho de Deus” e 10 ao “evangelho de Cristo”. Em três contextos, o “evangelho de Deus” é seguido de perto pelo “evangelho de Cristo”. Na carta aos Coríntios aparecem 5 vezes a referência ao “evangelho de Cristo” e somente uma ao “evangelho de Deus”. Já a primeira carta aos Tessalonicenses inclui o “evangelho de Deus” 3 vezes e o de Cristo apenas uma. Assim, não existe nenhum padrão claro do emprego paulino dessas frases.

Há um debate se a construção “evangelho de Deus” ou “evangelho de Cristo” deve ser considerada genitivo objetivo ou subjetivo. Se for objetivo, Deus e Cristo são o conteúdo da mensagem evangélica. Se foi subjetiva, a ênfase está na variação da autoria ou fonte.

Está de acordo com a teologia paulina dizer que Deus em Cristo é a fonte e também o conteúdo do evangelho. Porém, parece que a prioridade é dada a “Cristo”, como resumo do conteúdo do evangelho que Paulo anunciava. De fato, parece que para Paulo a “mensagem da cruz” (1Cor 1,17-18) ou a “mensagem da reconciliação” (2Cor 5,19) são permutáveis com o evangelho.[9]

Se o Evangelho é um poder de Deus para a salvação de todos os que creem, sem distinção entre judeus e gregos, permanece o fato de que a maioria esmagadora dos filhos de Israel não o acolheu. Deus, por outro lado, prometeu a salvação a Israel, a quem escolheu para ser o seu povo e ao qual se ligou por meio de um pacto. Paulo responde a essas implícitas objeções reafirmando o princípio de que Deus permanece fiel à sua palavra. Reconhece-se a ação de Deus que ressuscitou Jesus Cristo dos mortos e o constituiu Senhor.[10] 

4 – Os tempos passado, presente e futuro do evangelho

A mensagem evangélica é o meio divinamente poderoso pelo qual a salvação e a justiça de Deus se revelam agora. Paulo usa euangelion de uma forma que sugere a sua atividade, quer quando se manifesta (1Ts 1,5), quer quando se confirma (1Cor 1,6), ou frutifica e cresce (Cl 1,6).

Paulo porém, atribui importância crítica aos aspectos passado e futuro da mensagem evangélica. Os acontecimentos históricos proclamados no evangelho lançaram seu fundamento, proporcionando raízes fidedignas, mas o evangelho não pode ser separado das contingências do futuro.

O evangelho de Paulo é a base para sua afirmação a respeito do julgamento futuro, ou que seu evangelho será o critério para o julgamento. O passado do evangelho também remonta além da “boa nova” da morte e ressurreição redentora de Cristo (1Cor 15,1-4), remonta mesmo a sua epifania como salvador (2Tm 1,10), talvez referência a sua encarnação. O apóstolo afirma que a Escritura anunciou de antemão o evangelho.

A explicação mais provável dessas referências paulinas ao “evangelho” antes de Cristo está ligada ao plano de Deus para a futura difusão do evangelho por todas as nações antes da consumação dos tempos. A doxologia final de Romanos resume habilmente o enfoque central do evangelho de Paulo: o plano divino para a salvação da humanidade em Cristo (Rm 16, 25-27).[11] 

5 – O evangelho, a graça e a fé

O apóstolo deixa bem claro que fazer alguma alteração na mensagem evangélica é abandonar o Deus “que vos chamou pela graça de Cristo”. No mínimo dez passagens da literatura paulina encontram “evangelho” e “graça” empregados no mesmo contexto imediato.

A resposta apropriada para o evangelho é a fé em Jesus Cristo sem nenhuma mistura enfraquecedora das obras da lei. A “boa nova” do favor divino imerecido está, segundo Paulo, disponível para todo aquele que crê, seja judeu ou gentio. Deus os escolheu para a salvação por meio da santificação pelo Espírito Santo e pela fé na verdade, assim, os que são chamados por intermédio do evangelho ganham a glória do Senhor Jesus Cristo.[12] 

Referências Bibliográficas

FABRIS, Rinaldo. Tudo pelo evangelho: a personalidade, o pensamento, a metodologia de Paulo de Tarso. São Paulo: Loyola, 2010. 

O’BRIEN. P. T. Igreja. In: HAWTORNE, Gerald F. et al. (Orgs.). Dicionário de Paulo e suas cartas. Trad. Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2008. 

RUIZ, J. M. González. O evangelho de Paulo. Trad. Nancy B. Faria. Petrópolis: Vozes, 1999. 

[1] O autor, Samuel Colombo Pirola, é Bacharel em Filosofia, graduando em Teologia e especialista em Liderança e Administração Eclesiástica.

[2] O’BRIEN. P. T. Igreja. In: HAWTORNE, Gerald F. et al. (Orgs.). Dicionário de Paulo e suas cartas. Trad. Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2008. p. 518.

[3] RUIZ, J. M. González. O evangelho de Paulo. Trad. Nancy B. Faria. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 219.

[4] HAWTORNE, 2008, p. 518.

[5] FABRIS, Rinaldo. Tudo pelo evangelho: a personalidade, o pensamento, a metodologia de Paulo de Tarso. São Paulo: Loyola, 2010. p. 54.

[6] FABRIS, 2010, p. 32.

[7] FABRIS, 2010, p. 50.

[8] HAWTORNE, 2008, p. 519.

[9] HAWTORNE, 2008, p. 520.

[10] FABRIS, 2010, p. 35.

[11] HAWTORNE, 2008, p. 521.

[12] HAWTORNE, 2008, p. 521.