Participação dos magistrados na administração da justiça e na gestão judiciária: o ativismo judicial moderado e prudente na perspectiva da ética de responsabilidade e solidariedade social
Por Gabriela de Campos Sena | 25/09/2016 | DireitoParticipação dos magistrados na administração da justiça e na gestão judiciária: o ativismo judicial moderado e prudente na perspectiva da ética de responsabilidade e solidariedade social
Gabriela de Campos Sena
Resumo
O Estado Democrático de Direito não admite uma postura passiva e omissa do magistrado. A partir da (re)organização epistemológica ocasionada pela ciência novo- paradigmática emergente, o juiz tornou-se agente de transformação da realidade social e efetivo partícipe da construção do projeto de sociedade inscrito na Constituição de 1988. A consagração de uma jurisprudência que congregue valores constitucionais fundamentais, como por exemplo, a igualdade, a solidariedade e a luta pela efetividade dos direitos sociais depende, indubitavelmente, da atuação dos magistrados como agentes de promoção desses mesmos direitos sociais fundamentais, dentro e fora da esfera processual. A administração da justiça brasileira coerente com a missão estratégica de realizar a justiça (Resolução de número 198 de 2014 do Conselho Nacional de Justiça) também propugna pelo comprometimento com os problemas sociais e com a transformação da realidade. Assim, o Conselho Nacional de Justiça, ao almejar o cumprimento do princípio da efetividade na prestação da tutela jurisdicional, mesmo que implicitamente, evoca a atuação proativa dos magistrados para fortalecer o Estado Democrático de Direito e fomentar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme descrição da missão do Poder Judiciário explicitada no anexo da Resolução 198 do CNJ. A partir do neoconstitucionalismo, os agentes públicos de carreira permanente possuem o dever constitucional de direcionar o exercício do poder que lhes foi atribuído para efetivar os princípios, os objetivos e os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigos 1º e 3º da Constituição).
Apresentação
Ativista é o juiz que tem visão progressista, transformadora e que busca interpretar sua época e busca conferir a suas decisões “um sentido construtivo e modernizante”, orientando-se para a consagração dos valores essenciais em vigor.[1]
O ativismo judicial, compreende, além de uma atuação dinâmica e criativa (construtivismo jurídico) norteada por princípios de justiça estabelecidos na Constituição Federal – jurisdição “estrito senso”, a democratização da administração da justiça mediante abertura do Poder Judicial ao diálogo social e à concertação social (democratização sob a forma de participação da Justiça na sociedade), bem como à participação da sociedade na administração da justiça, tendo por objetivos o alcance da efetividade dos direitos fundamentais (sociais), a prevenção e à resolução dos conflitos sociais, nos planos individual e coletivos – jurisdição “lato senso”, em consequência dos princípios da cidadania e da dignidade humana tomados como fundamento da República. Nestes termos a atuação do magistrado como agente de promoção dos direitos sociais compreende-se no sentido abrangente de jurisdição. [2]
Hodiernamente, o ativismo judicial se insere como elemento da teoria da democratização da administração da justiça. A mencionada teoria considera que o futuro da administração da justiça no Brasil é plural e dialógico, ou seja, deve haver abertura para a participação de diversos atores sociais.
Introdução
O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. [3]
O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (I) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (II) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (III) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. [4]
A jurisdição assume um sentido substantivo e consistente e não puramente formal. Implica, portanto, o estabelecimento de políticas (diretrizes de ação) jurisdicionais concretamente situadas conforme os contextos de realidade no âmbito territorial de cada órgão de jurisdição (incluídos, especialmente, os órgãos de primeira instância) em termos de uma ética consequencialista. [5]
A primeira consequência da assimilação do princípio ativista é a extrapolação do conceito de jurisdição para além das lides judiciária, bem como o reconhecimento como legítima de toda ação judicial contributiva para a efetividade da ordem jurídica. Designa-se pelos adjetivos “prudente” e “moderado” o ativismo exercido com fundamento na ordem jurídica, afastando-se dos extremos da criação judicial do direito e da substituição do administrador e do legislador pela figura do magistrado. O ativismo judicial prudente e moderado limita-se ao uso criativo e fundamentado dos espaços vazios do direito para ir aonde o administrador e o legislador não logram ir e, com isso, acrescer à prática jurídica e ao movimento do conjunto das instituições de todos os poderes na realização da ordem jurídico o seu indispensável contributo. [6]
Diante do exposto, depreende-se que as premissas epistemológicas a serem utilizadas na fundamentação e no desenvolvimento do artigo serão a razão dialógica e o princípio da complexidade do real.
Objetivo
Por ora, trata-se apenas de resumo expandido, porém, na elaboração do artigo objetivar-se-á demonstrar a aptidão do ativismo judicial para promover a justiça substantiva através da efetivação de direitos sociais e demais garantias fundamentais estatuídas na Constituição da República de 1988.
Metodologia
Trata-se de pesquisa inter, multi e transdisciplinar fundamentada em uma investigação de natureza teórica e empírica vinculada à vertente filosófico-sociológica.
Fundamentação teórica
Toda a fundamentação teórica é embasada no (neo)constitucionalismo como fator determinante para se refundar o Direito Constitucional a partir de novas premissas que objetivem a difusão e o desenvolvimento dos direitos fundamentais e da força normativa da constituição, principalmente, no que tange à transformação da realidade social e à efetividade de direitos sociais para se cumprir o projeto de sociedade inscrito na Constituição da República de 1988.
Como fundamentação para a atuação proativa dos juízes no paradigma de Estado Democrático de Direito, adota-se os pressupostos teóricos elencados abaixo:
- Subsidiariedade ativa: os cidadãos, individual ou coletivamente organizados, encarregam-se de realizar por si próprios, conforme o máximo de suas potencialidades e aptidão, os respectivos objetivos e projetos de vida sem a mão tutelar do Estado, elevando ao máximo a concreção dos princípios da dignidade humana e da [7]
- Ação Pública Comunicativa: conceito derivado da ideia de “governança”. Decorre do pressuposto de que todo conhecimento e toda ação pública se legitimam no diálogo social e na concertação social, uma vez que o conhecimento e a ação, segundo os paradigmas da razão dialógica e da complexidade, são coordenados na linguagem, que é constitutiva do sentido de am[8]
- Ação Pública comunicativa cognitiva: destina-se à produção do conhecimento que conduz à ação do Poder Público. Dado que a ação pública comporta a conjugação de uma dimensão cognitiva e de uma dimensão volitiva, a primeira somente é legítima e democrática se sustentada no diálogo social, uma vez que todo conhecimento se funda na intersubjetividade e sempre se refere a um contexto.[9]
- Ação Pública comunicativa suasória: Visa ao convencimento dos destinatários da ação pública a aderir espontaneamente a programas de ação das instituições do Poder Público destinados a dar efetividade à legislação. O vínculo comunicativo estabelecido nos passos anteriores da ação pública comunicativa conduz à instauração de um ambiente de persuasão propício ao exercício suasório do Poder coercitivo.[10]
- Jurisdição comunicativa: é a abertura da Justiça ao diálogo social, atendendo às premissas da razão dialógica e da com Permite, além da troca de perspectivas entre a Justiça e os jurisdicionados, que o magistrado acople ao conjunto de suas preconcepções e premissas de julgamento elementos advindos dos contextos de realidade sobre os quais irão recair as consequências do ato jurisdicional e a perspectiva dos jurisdicionados, vista na sua dimensão comunitária e coletiva.[11]
- Teoria da ética da responsabilidade solidária de Karl-Otto Apel visando aplicar, sistematicamente, a visão ético-filosófica no campo dos direitos humanos e sociais.
- A ética consequencialista de Adela Cortina. Conforme se aduz a filósofa, a razão humana é prática, tem capacidade para assumir as consequências das ações com vistas a felicidade humana: Responsabilidade argumentativa. Há uma preocupação com as consequências sociais da prática do direito.
Resultados
A viabilidade e os efeitos positivos da participação dos magistrados na administração da justiça e na gestão judiciária pode ser vislumbrada na experiência do SINGESPA- Sistema Integrado de Participação da Primeira Instância na Administração da Justiça e na Gestão Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região - TRT3.
O ativismo judicial com abertura para o diálogo e com o objetivo de atender a complexidade das demandas judicializadas e dos respectivos anseios sociais, também pode ser visualizado na prática, através dos Conselhos de Administração da Justiça[12] do respectivo órgão local, com a consequente abertura para o diálogo social, que propicia a manifestação de sugestões e colabora na construção de programas de ações conjuntas para o enfrentamento de problemas.
Considerações finais
As severas críticas ao ativismo judicial existentes na contemporaneidade, indubitavelmente, não consideram a figura do magistrado na perspectiva de atuação como agente de transformação da realidade social e da realização da justiça substantiva. Os críticos da pro atividade dos juízes desconsideram ou ignoram a necessidade de se realizar o projeto de sociedade inscrito na Constituição de 1988.
A magistratura brasileira vive um momento angustiante, contida e reprimida pela ação inconsequente orquestrada por setores interessados no enfraquecimento político e institucional do Poder judiciário. [13]
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