PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 09.02.2004, horário: 21:20 horas:

Havia deixado a Chefia de Polícia com destino a minha residência. Antes, porém, resolvi passar pelo Supermercado Angeloni da  Beira-Mar norte. Depois de comprar pão retornei em direção aos caixas. Entretanto, alguma força me detinha no local antes que eu traçasse uma linha direta aos caixas, o que seria racional, mas quis dar uma passada no setor de “eletrônicos”. Assumi um traçado pela linha horizontal, por um dos corredores. Superado três ou quatro fileiras de produtos, pensei comigo: “é por aqui” e dobrei uma passagem que achei mais livre...  Não deu outra, logo que encontrei um caminho livre olhei em frente e quem vinha na minha direção com um cestinho vermelho nas mãos e com aquele andar meio bailado, jinga no jogo de cintura. Era Magno Fernando  Pamplona que trabalhou comigo nos tempos de Penitenciária de Florianópolis (era Gerente Agroindustrial). Pamplona parecia mais conservado do que das outras vezes, estava bem apresentável, trazendo os resquícios daquela criança que um dia já foi nos nossos tempos de Rua Abelardo Luz, Bairro Estreito (Florianópolis), no final dos anos sessenta e início da década de setenta. Um sorriso de satisfação de ambos os lados, deixando estampar da minha parte uma dose controlada de ansiedade por poder saber das novidades e matar minha curiosidade já que ele era o motorista e uma espécie de assessor especial do Secretário Blasi, além de seu amigo e confidente (quando estava na direção da Penitenciária algumas vezes o Deputado Blasi ligava para conversar com Pamplona que estava despachando comigo ou em reunião, eu acabava atendendo as ligações e passava o telefone...). Aprendi a gostar do Secretário Blasi por meio de Pamplona e seus relatos..., só que quando assumiu a Secretaria de Segurança Pública acredito que acabou contaminado... Blasi parecia ser um excelente colega de faculdade, amigo de peladas, viagens, conversas... (o que nunca foi...), e não dava para esquecer do Escrivão Osnelito que mantinha contatos políticos com Blasi e Andrino, atuando como uma espécie de cabo eleitoral dos mesmos no Bairro Costeira do Pirajubaé (Florianópolis), já que sua família açoriana era muito grande naquela região...

Da parte de Pamplona aquele sorriso pra lá de maroto, carregado de suspense, retrancado, ironias, fetichismo, frases carreadas de sutilidades e ao mesmo tempo solta e de esculachos e pitadas de provocações... Sim, Pamplona poderia ser um personagem de Cervantes ou até de Sheakespeare, fazendo as vezes de coadjuvante..., fora de seu tempo, mas plenamente adaptado à modernidade.

Fui direto ao assunto:

- “E daí, não vai me dizer que tu também estavas naquela festa lá do ‘bordel’?” 

Pamplona, surpreso com a provocação, respondeu sintomaticamente com risos embargados e contidos:

- “Não. Não!”

Mas o seu sorriso era deveras delator e deixava claro que a sua resposta não correspondia a verdade. Insisti:

- “Sim, mas me diz pelo menos quem é que estava na festa?

Pamplona fez seu primeiro comentário:

- “O Caminha pisou na bola. Ele fez papel de ‘bobo da corte’. O Caminha não deveria ter se apresentado. O Caminha em momento algum disse que o João Henrique estava lá...”.

O Coronel Caminha, uma excelente pessoa (segundo comentários), morava no Bairro Balneário ou imediações (Florianópolis), onde nós nos criamos. Era conhecido de Pamplona desde a infância. Muito provavelmente conhecia o Coronel Paulo Roberto Freitas que também se criou naquela região (residia na Avenida Santa Catarina).

Cortei para fazer um comentário:

- “Sei, tu queres dizer que o ‘Caminha’ errou porque quando o pessoal da multitarefa chegou ele deveria ter chamado o ‘Tenente’ do lado e dito para dar um tempo, retornar depois de um hora?”

Pamplona não concordou com meus argumentos e disse:

- “Não. O ‘Caminha’ deveria ter ficado é no quarto. Tu conheces o lugar lá?”

Apesar de não conhecer, procurei dar conotação de que já tinha passado pelo local, com base no relato do policial Adelson Westrup:

- “Sim, fica ali na rua Santos Dumont. Tem aqueles muros altos. Só entra quem está credenciado...”.

Na verdade passei várias vezes por aquele logradouro, porém, nunca soube onde era tanto as casas das  “Marlene Rica” como a “Marlene Pobre”. Sabia que esses estabelecimentos eram próximos e bastante discretos, mesmo situado dentro da cidade, em bairro residencial.

Pamplona, sempre esperto e ligeiro, já me conhecia e sabia que eu era meio arredio a frequentar esses tipos de locais, logo se contrapôs:

- “Não é bem assim. Pois é, tem ali na frente o bar, não é? O pessoal estava ali. O ‘Caminha’ estava ali quando o pessoal chegou”.

Percebendo que Pamplona estava disposto a relatar o que ocorreu, fiz uma interrupção:

- “Sim, mas o ‘Caminha’ é um homem de festa?”

Pamplona continuou:

- “Felipe o ‘Caminha’ é um cara legal. Tu precisas ver que pessoa legal. Ele é da nossa turma lá do Balneário. Tu não lembras dele? Ele morava ali na rua São José, ficava uma rua para frente da Santa Catarina. Ele ia jogar futebol conosco lá na Abelardo Luz. Tu não lembras dele?”

Meio que surpreso e sem jeito argumentei:

- “Não lembro. Mas, afinal, quantos anos têm o ‘Caminha’? Ele é da nossa idade?”

Pamplona respondeu: “O Caminha têm cinquenta e três anos. Ele é um cara muito sério, mas é festeiro. Ele gosta de uma festa também...”.

Na verdade meus parentes residiam na Rua Abelardo Luz (onde residia Pamplona e meus familiares que visitava muito no verão (tio Hipólito, tia Zenaide, meu grande primo Hipólito de Medeiros Filho...). Minha avó residia na Rua Santa Catarina (ex-Rua Santa Luzia), próxima do local. Nessa época eu residia na cidade de Concórdia, só vinha nas férias de verão e inverno. Até os sete anos residi na Rua Santa Catarina, desde o meu nascimento. Depois meu pai foi nomeado Delegado Regional de Tubarão...

Interrompi novamente para perguntar:

- “Sim, mas Pamplona eu gostaria de saber quem é que planejou a festa. Dizem que eles foram para o encontro dos Delegados lá em Joinville e que havia também a troca de comando na Polícia Rodoviária Estadual, isso é verdade, foi assim mesmo?”

Pamplona respondeu:

- “Então, o ‘Caminha’ não conhecia nada em Joinville. O João Henrique também não. Então, quem é que conhecia as coisas lá em Joinville?  Tu sabes que o (...)não era o candidato do João Henrique para a Chefia da Polícia Civil. O João Henrique não tinha nome algum para o cargo, não conhecia ninguém, além do Sala. Mas o governador chamou o João Henrique e disse: ‘João Henrique se tu não tens um nome para ser o Chefe de Polícia eu tenho um’. Ora, diante disso o que tu achas que o João Henrique iria fazer? Aceitou o nome do governador”.

Argumentei:

- “Sim, mas o Blasi tinha algum nome para a Chefia da Polícia Civil?”

Pamplona respondeu:

“Na verdade naquele momento o Blasi não tinha nenhum nome, mas eu tinha. Eu tinha um Delegado”.

Fiquei surpreso e perguntei:

- “Sim, quem era o teu nome? Se o Dirceu cair quem seria o substituto dele? Sabes? Seria o Peixoto, naturalmente, porque é o Subchefe de Polícia, não?”

Pamplona imediatamente rebateu:

- “Não. O Peixoto não! Eu tenho o nome do ‘Sala’. O ‘Sala’ é bom. Ele sabe ouvir a gente. Quando o João Henrique perguntou quem ele colocaria no Detran eu disse: ‘Coloca o Sala’, e o João Henrique colocou o ‘Sala’. Rapaz, o ‘Sala’ não queria nada. Ele não queria sair de Araranguá, foi um trabalho para ele aceitar o Detran”.

Não fiquei impressionado porque sabia das relações de Pamplona com o Delegado ‘Sala’ desde os tempos de “sistema prisional”, muitas histórias juntos..., e argumentei:

- “Entre o Dirceu e a turma da Lúcia eu fico com o Dirceu. Se bem que o ‘Sala’ é inteligente, preparado, sabe trabalhar, mas para mim ele pisou na bola no sistema penitenciário”.

Pamplona interrompeu:

- “Sei, sei. Ele não te deu força na hora que tu precisavas?”

Argumentei:

- “Não. Não é bem isso. Houve outros fatos, muita coisa, desde que eu bati de frente com o Secretário Péricles Prade, quando tentei criar as associações regionais para prepara a criação dos sindicatos, do plano de carreiras..., ele não me deu força sendo Delegado, e outras coisas que tu sabes muito bem. Mas o problema dele é o mesmo do Dirceu. Não são Delegados finais de carreira e continua aquela esculhambação, politicagem, ingerências...”. 

Mas como meu foco estava para festa procurei não deixar escapar a oportunidade para obter mais respostas para minhas dúvidas:

- “Mas Pamplona quem eram as pessoas que estavam lá na festa? Tu sabes?” 

Pamplona evitava respostas diretas, tentava apenas confirmar o nome de  Dirceu Silveira:

- “Um comando caiu. O erro do João Henrique e eu disse isso para ele, foi no dia doze, quando ele tomou conhecimento dos fatos, ele deveria ter pedido a cabeça de quatro pessoas. Duas da Polícia Militar e duas da Polícia Civil. Não, ele matou no peito e achou que iria dar conta sozinho, agora tá aí. Esse foi o erro do João Henrique. Se ele tivesse levado o nome dos quatro para o Governador teria evitado tudo isso. Se bem que naquela noite ele não estava na festa. Hoje no Diário Catarinense consta que no jantar lá em Joinville foi servido aipim. Não foi. Isso é mentira. Imagina, a festa foi lá na associação dos policiais militares que fica do outro lado da cidade. É como aqui em Florianópolis, tu vais um jantar nos Ingleses e depois tens que ir lá na Armação. O João Henrique tinha quarto no Hotel Burbon  pago pela Associação dos Delegados. Eu não quis ficar lá. Que diária cara, duzentos e oitenta reais. Fui para o Alvém. Imagina, eu peguei um quarto do valor da diária no ‘Alvém’. Meia noite e quinze o João Henrique foi para o Hotel e pediu para que eu fosse a Florianópolis pegar a mulher dele, a Sheila para ficar com ele no Hotel. O pessoal da multitarefa chegou por volta da uma hora da madrugada. Ninguém estava mais lá. E é mentira que o ‘Caminha’ teria dito que o ‘Secretário estava na boate’. O Caminha em momento algum disse isso. É mentira do Comissário. Nós já levantamos a vida desse Comissário e ele é uma pessoa que tem um problema político com um pessoal lá de Joinville. O Promotor, esse Grubba, não gosta do Luiz Henrique...”.

Interrompi:

- “O quê? O Grubba não gosta do Luiz Henrique? O que tem isso?”

Pamplona continuou:

- “Sim, nós já levantamos tudo. Já temos dossiês de todos, já estamos levantando tudo...”.

Insisti em perguntar:

- “Sim, Pamplona, tu dissestes que havia dois Delegados na festa. Então, além do Dirceu quem era o outro Delegado?”

Pamplona respondeu de forma indireta:

- “É uma pessoa bem relacionada. Ninguém imaginaria que ele também estivesse lá. Tu conheces. Não vou te dizer...”.

Fiquei meio que em dúvida, pois alguns nomes eram possíveis e fiquei intrigado com o excesso de proteção de Pamplona, e me perguntei por que esse nome estaria sendo tão preservado? Resolvi externar uma opinião:

- “Eu não sei, mas acho que o Blasi deveria aproveitar o momento para cair fora. Ele não vai ser candidato a Prefeito? Não vai ter que se desincompatibilizar? Então que ele antecipe isso, Cai fora antes”.

Pamplona pareceu que não gostou da ideia e argumentou:

- “Não. É como eu já te disse, o problema foi que o João Henrique achou que iria resolver tudo sozinho. Agora a candidatura dele à Prefeitura já não está tão mais certa...”.

Interrompi novamente:

- “Eu não sei, mas a coisa vai complicar mais ainda, já tomou proporções incontroláveis. Tu visses na Assembleia o ‘Vierão’ já se manifestou pela instauração de uma CPI. O ‘P.’ também está batendo de frente...”.

Pamplona quando ouviu o nome do Deputado Ponticelli disse:

- “O ‘P.’ que se cuide, nós já levantamos um ‘dossiê’ dele. Temos até foto dele na ‘zona’ lá no sul, sabias? O ‘P.’ na ‘zona’ na maior festa abraçado com a mulherada? Deixa, já fizemos o levantamento da vida dele...”.

Fiquei ouvindo atentamente o relato de Pamplona  e argumentei:

- “Pois é, o problema nosso é essa politicagem na escolha de nomes na Polícia Civil...”.

Pamplona fez uma observação bastante apropriada:

- “Olha, Felipe, tu me desculpe, mas essa turma de Delegado é a grande culpada. Eu estou vendo lá o caso da ‘Deic’. O Padilha saiu e tem quatro Delegados se digladiando para pegar o Deic, sabias?”

Interrompi:

- “O quê? Pelo que eu sei ninguém está interessado em assumir a Deic?”

Pamplona continuou:

- “Interessado? Eu não estou te falando que foi só o Padilha sair que o pessoal já está brigando pelo cargo. São quatro interessados que vão lá no Gabinete conversar com o João Henrique. Dois levaram ‘dossiês’ um do outro. Imagina, um foi lá e falou mal do outro. Aí o outro foi lá e levou documentos contra o próprio colega. Não dá, tu me desculpes, mas esses Delegados são desunidos...”.

Não pude me contrapor porque era a pura verdade. Pamplona lembrou:

- “A única época que houve hierarquia foi com o Heitor Sché...”.

Quando ouvi esse comentário apenas argumentei:

- “Tudo bem Pamplona, mas lembra que foi o próprio Heitor o autor daquela emenda constitucional acabando com a hierarquia no comando da Polícia Civil, tu lembras? Foi no governo passado, ele queria que o Maurício Eskudlark assumisse a Delegacia-Geral. Tinha que ser final de carreira e o Maurício ainda não era. Acabou dando tudo errado, e o Lipinski foi nomeado, deram uma rasteira no Maurício. Pois é, coisa do Heitor”.

Pamplona mudou de assunto e acabamos nos despedindo sem certeza de quando nós iríamos nos encontrar novamente.  No caminho para casa acabei me perguntando: “Quem seria o misterioso Delegado que estaria fazendo companhia a Dirceu na boate da Marlene (talvez fosse mesmo o Delegado Peixoto, segundo comentários, fiel e inseparável companheiro de passeios à Ilha dos Guarás, em Florianópolis, nas viagens..., segundo comentários de bastidores na Chefia de Polícia...). Também, fiquei pensando na história que Pamplona contou de que meia noite e quinze daquela madrugada Blasi teria pedido para ele ir a Florianópolis pegar sua esposa e trouxesse a mesma para se hospedar no hotel para ficar com ele. Eu que fazia esse trajeto com bastante regularidade sabia que por mais que se acelerasse na estrada são duas horas de viagem. Na melhor das hipóteses chegariam depois da quatro, cinco ou seis horas da manhã, e como conhecia Pamplona no volante sabia com ele tudo isso era possível...

Fiquei pensando no nosso “projeto”, pois enquanto nosso Chefe de Polícia parecia se preocupar com o planejamento de festa... nossos “projetos” permaneciam na gaveta.... Lembrei também do Delegado Tim Omar e da reunião com Dirceu Silveira no final do ano passado, quando o ‘grupo’ teria sido chamado a sua presença para levar um “puxão de orelhas” porque não estaria correspondendo às expectativas... “Êta Silverinha!”

Lembrei que Pamplona havia dito que sugeriu para o Secretário Blasi que cortasse as cabeças de dois Delegados e de dois Oficiais Superiores da PM. Bom, se do lado da Chefia de Polícia em tese seria o Chefe de Polícia e seu Chefe de Gabinete, do lado da Polícia Militar seria o Comandante-Geral e o outro nome seria quem? Seria por acaso o “Subcomandante-Geral?”

No final me perguntei: "por que o Secretário Blasi teria ficado de fora da festa...? Como Pamplona conhecia tão bem a "Casa da Marlene Rica"? Como soube dos acontecimentos? Por que o Secretário Blasi determinoiu que seu motorista fosse urgentemente à Capital...?" Conhecendo Pamplona como eu conhecia, sabia que ele não perderia uma festa dessas por nada deste mundo? Quanto ao Secretário Blasi fiquei em dúvida, mas não poderia desconsiderar o princípio da atração....?" Pamplona comentoou que o seu amigo Coronel Caminha cometeu um "erro crasso" quando foi "espiar" para se inteirar do tumuldo que estava ocorrendo, em cujo momento deu de cara com o "Tenente" que estava na frente da "Casa da Marlene Rica" comandando a guarnição dos miliatares e dando cobertura às diligências da Justiça. Mas, também, teve a turma dos espertos (e do "birinight"...) que ficou enrustida no interior do estabelecimento, que só saiu depois que tudo se acalmou...  Lembrei das fotos do Coroonel Caminha que foram divulgladas pela imprensa quando os fatos vieram a público, e lamentei muito..!."Êta Pamplona!"