PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 23.01.2004, horário: 15:00 horas:

Estava deixando a Chefia da Polícia Civil e encontrei Braga na sua sala. Resolvi ir cumprimentá-lo e dizer que tivemos o encontro com o Chefe de Polícia Dirceu Silveira. Braga ficou curioso e dei algumas informações sobre o que foi tratado nesse encontro. Braga fez o seguinte comentário:

- “Cuidado com o Dirceu porque ele muda muito rápido de opinião. Podes ter certeza disso. Ele é muito influenciado. Não pelo Valério, mais pelo Peixoto. Lembra sempre que o Peixoto é o homem dos bastidores. Ele age por trás, sempre foi assim, ele tem duas caras”. 

Fiquei impressionado com a advertência de Braga e acabei lembrando do Delegado Natal que me fez uma advertência parecida com relação ao Delegado Lipinski. Lamentei o fato e lembrei que era muito importante saber que era a realidade que permeava nosso universo institucional e que a máxima era sobreviver.

Data: 26.01.2004, horário: 16:00 horas:

Fui até a sala do Delegado Tim Omar ver como é que estava a reunião do grupo. Wilmar Domingues estava conversando com Tim e não pude saber do que tratavam. Logo que me viu Wilmar veio me cumprimentar, parecendo satisfeito com a minha presença. Aliás pude confirmar que nos últimos tempos Wilmar estava muito mais receptivo, dando a impressão que havia superado todos aqueles embates sobre o “pedágio de três anos”  em Delegacias para ter direito à promoção. Na verdade esse projeto (como outros) não prosperaram ou seja, ficaram na mesa do Chefe de Polícia. Mas acredito que pesou muito o fato dele ver minha atuação no grupo, minhas iniciativas. Também, não se poderia desconsiderar o fator “Delegado Rubem Garcez” que estava novamente trabalhando comigo na “Assistência Jurídica”, certamente que se relacionando com colegas, formando opinião, com aquela sua mania de difundir que eu era  quase que insubstituível na instituição.  Wilmar fez uma observação:

- “Doutor, o senhor não acha que nós temos que criar um sindicato? Não acha que nós temos que fazer alguma coisa?” 

Procurei não me acomodar numa cadeira, para não dar a impressão que tinha tempo para gastar com conversas, apenas me encostei na mesa do café e fui argumentando que achava interessante, mas que seria mais sensato criarmos um jornal interno independente. Acabei fazendo uma narrativa a respeito daquela reunião na “Churrascaria Meneghini” (próximo ao Trevo de Barreiros – BR – 101 – São José), quando Garcez e Sena ficaram responsáveis em gerenciar um jornal do nosso “grupo” que seria mensal. Expliquei que a minha ideia era que o jornal fosse eclético, falando de tudo, desde futebol, sociedade, lazer, informações, mas acima de tudo institucional. Argumentei que o nosso pessoal estava muito despreparado, desunido, desintegrado... então seria preciso começar um jornal “light”, até porque o pessoal gostava também de entretenimentos, assuntos sociais, novidades, curiosidades... e com isso todos passariam a se interessar mais e o jornal devagarzinho iria se estabelecendo. Tim que havia memorizado os fatos já narrados numa outra oportunidade reforçou:

- “O Garcez e o Sena fizeram o fogo todo, polemizaram..., depois tiraram o corpo fora. O Felipe tinha se disposto a tocar o jornal..., mas ficou com eles”.

Wilmar insistiu que devêssemos também retomar a ideia do “jornalzinho”.  Lembrei ainda que naquele mês de janeiro os Delegados estavam recebendo seus salários quase que sem reajuste algum, à exceção de alguns poucos que possuem algum tipo especial de agregação. Argumentei que na PM os Oficiais foram muito beneficiados, a começar com a equiparação com os Delegados e depois com a incidência de gratificações especiais que eles agregavam. Perguntei por Maurício Noronha, Presidente da Adpesc, e cobrei a “carta na manga” que ele disse que teria:

- “Imagina, tudo que os Delegados reivindicarem a partir de agora vão beneficiar a todos os policiais civis, militares, sistema prisional, é complicado. Só que os Oficiais continuavam com suas vantagens incidindo sobre seus vencimentos. Olha só que triste a nossa situação. Teremos que reivindicar para todos e ainda por cima os Oficiais ficarão sempre na nossa frente porque não temos as oportunidades que eles têm, as vantagens que eles têm... E o Noronha veio afirmar que tem essa ‘carta na manga’, só espero que não seja a aposentadoria porque isso beneficia a todos policiais. Olha pessoal eu não tenho nada contra se equiparar os salários de todos os policiais, agentes prisionais, vincular com os Delegados. O primeiro problema é que isso não poderia constar da lei. Deveriam ter equiparado sem constar da lei, porque agora está todo mundo amarrado, deveria constar apenas nos anexos em termos de valores...”.

Wilmar e Tim pareceram decepcionados com minhas ponderações e  concordaram que a nossa situação não era nada boa. Tim ainda lembrou:

- “Pois é, e o homem ainda vai para os jornais agradecer. Agradecer o quê?” 

Tim reforçou que era preciso fazer frente com um jornal, com a criação de um sindicato. Eu argumentei:

- “Olha Tim, não dá para contar contigo. Enquanto tu estiveres num cargo comissionado tu és carta fora do baralho. Não dá Tim. Como é que tu vais servir a Deus e o Diabo ao mesmo tempo? Nós temos até que preservar. Somos teus amigos”. 

Tim meio que surpreso com minha observação ainda tentou argumentar:

- “Não por isso. Não! Eu logo também já estou indo embora. Não vou durar muito tempo aqui”.

Guardei aquelas palavras em meus pensamentos , mesmo porque Tim já dizia aquilo desde o ano passado, que não aguentava mais, estava descrente, desmotivado, que ficaria mais um mês, dois..., o tempo passava e ele não fazia nada e, também, não largava o osso, porém eu entendia o seu tempo, a sua energia, estava motivado com o grupo, projetos... e no embalo de um governo.  Na verdade Tim Omar estava mais fazendo um desabafo, além de procurar se justificar perante os membros do grupo pelo insucesso de nossos projetos.

Deixei o pessoal do “grupo” nada motivado, a impressão era que o tempo havia tratado de me transformar mais num “observador” do que propriamente “agente das mudanças, rupturas e do processo histórico. Ao descer lembrei que outro dia Tim havia me confidenciado que não dava para confiar muito no Delegado Valquir, pois quando ele chegava na frente do Chefe de Polícia acabava fraquejando, roia a corda, acabava sempre ficando contra o grupo e concordando os pretextos de Dirceu Silveira. Tim lembrou que até outro dia Lipinski havia telefonado para Valquir e a conversa pareceu bastante animada entre eles. Tim comentou:

- “Tu precisavas ver como o Valquir conversava com o Lipinski. Era só brincadeira. O Lipinski tinha telefonado para saber como é que ficavam as horas extras com a nova lei...”. 

Quando descia a escada para retornar à “Assistência Jurídica” fiquei pensando na falta de memória, no apagamento da história, em como as coisas eram  esquecidas..., uma pessoa como Lipinski, que fez o que fez..., serviu aos políticos..., ao Gabinete do Secretário, aos Promotores..., contra nossos interesses, sem resistir. Também, foi omisso quanto à realização de concursos da Polícia Civil, com as promoções, com o Conselho Superior, com projetos... Nada fez com relação ao projeto de Lei Orgânica do Ministério Público que tramitou silenciosamente na Assembleia Legislativa, deixou pacificamente a Polícia Federal tomar conta das funções relativas à fiscalização de empresas de vigilância privada, permitiu que policiais fossem perseguidos como no caso do Delegado Carlos Heinemberg, prometeu que o governo iria reajustar os salários para os policiais, foi omisso quando o Amin acabou com a isonomia salarial dos Delegados com os Procuradores de Estado, aceitou pacificamente aqueles atos ilegais de nomeações para a Polícia Científica e para a Academia de polícia, nada fez com relação a atos de insubordinação e indisciplina de Peritos, sem contar o ato a “covardia”  que foi praticada contra meu irmão como forma de me atingir... Enfim, como Chefe de Polícia, foram somente esses os erros de Lipinski?    

Guardadas as devidas proporções, acabei imaginando Hitller alegre e festivo telefonando para Valquir: “Oi, e daí amigão. Aqui é o Hitler, como vão as coisas por aí? Por aqui só alegria. Mandei uns quinhentos judeus para a fornalha. Aqueles vagabundos não mereciam viver, um bando de ratos...”. Do outro lado da linha Valquir permanecia eufórico e respondia: “Que legal grande ‘fuhrer’, ferra essa ‘porcalhada’...”.  Nos meus pensamentos o ego de Hitler delirava com aquele ouvido acolhedor, receptivo... Acabei acordando daqueles pensamentos  dolorosos e voltei para a realidade, até porque assim como Hitler deveria ter ainda seus amigos, puxa-sacos, admiradores, serviçais..., Lipinski também deveria ter aqueles mais chegados...  Voltei para realidade e ao mesmo tempo me autocensurei porque Valquir no fundo era uma pessoa boa e Lipinski não era tudo aquilo... Enfim, tinha que baixar minha adrenalina porque todos nós éramos vítimas de um governo caótico, políticos comprometidos... e uma instituição que não representava o ideal de Justiça,  como órgão de defesa da sociedade, baseada em princípios éticos, valores, competência, eficácia, respeito aos recursos públicos...