PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 22.01.2004, horário: 15:00 horas:

Estava na “Assistência Jurídica” conversando com o Delegado Garcez. No dia anterior havíamos discutido coisas banais e ele sempre querendo me instigar com perguntas, questionamentos filosóficos, sobre temas atuais de Direito... Eu que preferia sempre ficar mais reservado tinha feito um desabafo questionando o que Noronha andava fazendo na Adpesc. Mostrei para Garcez uma legislação que concedia cento e dez por cento de gratificação para os policiais militares que prestavam serviços no Hospital Lara Ribas (Florianópolis). Argumentei que os PMs  têm oportunidades de atuar em vários órgãos governamentais com a percepção de vantagens especiais, como no caso da Assembleia Legislativa, Palácio do Governo... e que com o novo vencimento isso iria ter um reflexo bem mais vantajoso.  Comentei que os Oficiais pediram isonomia com os Delegados, mas não colocaram na mesa as vantagens que possuíam e que constavam em legislação extravagantes. Garcez havia olhado para mim com um certa ironia e frases provocativas:

- “Mas, Felipe, eu não sei por que tu estais dizendo isso para mim”. 

Respondi que era um desabafo. Ele insistiu:

- “Por que tu não colocas isso para o Dirceu lá encima? Tu tens um bom trânsito com ele. Eu pressuponho que tu gozas de intimidade com ele, não sais do gabinete dele!.  Ah, eu tenho uma bomba para ti, o menino esteve aqui atrás de ti. Não sei se é uma bomba, um menino esteve aqui para pegar a tua assinatura numa convocação que o Dirceu está fazendo para ti ir hoje amanhã à noite na Assembleia Legislativa. Vai ter uma reunião com o governador, eu pressuponho que a tua presença é importante. Eles podem precisar de ti lá. Eu só não entendi por que o Dirceu te convocou, por que ele não conversou contigo antes. Tu sabias disso? Eu acho isso esquisito ele te convocar assim. Imagina o Felipe foi convocado, até parece uma punição, até parece que se tu fosses convidado não irias”.

Indignado pedi que Garcez me substituísse nesse compromisso, que me representasse. Garcez riu ironicamente e disse:

- “Eu não. Não fui eu que fui convocado. Eu não sei de nada. Eu não vou!”

 Fiquei pensando no que Garcez há tempos atrás tinha me dito: “Felipe eu me sinto envergonhado. Eu não estou fazendo nada aqui. Não me sinto bem. Eu quero ajudar, mas não sei nada de informática, não estou por dentro da legislação. Eu me sinto envergonhado. Eu quero te ajudar, mas não consigo...”. Preferi o silêncio e argumentei que não era verdade e foram poucas as vezes que estive no gabinete de Dirceu Silveira, isso porque fui chamado. Pois é, nesse dia Garcez estava mais calmo e insistiu:

- “Felipe, tu és peça fundamental na Polícia. Tu és imprescindível hoje para a administração. O que é que vocês vão fazer lá em cima com o Dirceu?”

Respondi que era a reunião do grupo, não era com o Chefe de Polícia.  Passados alguns minutos Tim Omar me telefonou e disse que o doutor Dirceu Silveira me aguardava. Subi imediatamente e encontrei o pessoal ainda na antessala do Gabinete do Chefe de Polícia, onde ficava a secretária.  Acabei entrando acompanhado de Tim e Valdir (Braga estava viajando, Valquir ausente, e Mauro Dutra era o eterno faltante...). Mais tarde chegou Valkir. 

O início da conversa girou sobre amenidades e eu fiquei observando o ambiente, os objetos... Dirceu iniciou a conversa dizendo que ficou impressionado com o nível dos nossos policiais na reunião de ontem para definir os critérios sobre escalas de plantão e pagamento de horas extras. Argumentou que os policiais aprovaram tudo e que ficou surpreso com a qualidade do pessoal. Dirceu ainda me perguntou:

- “Tu não estavas aí, foi uma pena, tu precisas ver, Felipe, a reunião foi muito boa”.

Interrompi para dizer que estava na sala ao lado (Assistência Jurídica) e que havia chegado às sete da manhã e que só não fui até a reunião porque ninguém me chamou. Em determinado momento Dirceu foi direto ao assunto argumentando que os órgãos da Polícia Civil se encontravam com sérios problemas por falta de uma legislação que estabelecesse a competência, organização... Lembrou que já havia remetido para o “grupo”  umas leis do Estado de Minas Gerais e de outras unidades da federação.  Comentou, ainda,  que recebeu mais uma de São Paulo e propôs que uns três ou quatro Delegados ficassem exclusivamente trabalhando num projeto nosso.  Dirceu sempre que externava seu pensamento parece que procurava em mim uma espécie de apoio para suas ideias, num sinal de confiança.  Acabei me sentindo na obrigação de fazer minhas ponderações:

- “Essa Lei de Minas Gerais é confusa, eles acabaram misturando assuntos do Estatuto com lei orgânica. Tecnicamente são coisas diferentes. O Estatuto trata de direitos, deveres e regime disciplinar. A lei orgânica trata da estrutura, organização e competência dos órgãos. A Constituição Estadual estabelece que a Polícia Civil deve ter sua lei orgânica, mas até agora nada. Já se passaram anos e nós continuamos ainda com  o decreto quarenta e um quarenta e um de setenta e sete que continua em vigor, mas está totalmente defasado. O que nós achamos é que antes de se trabalhar numa lei orgânica nós precisamos definir o perfil dos Delegados.  Nós precisamos saber quais são as nossas aspirações. É por isso que nós aprovamos uma deliberação lá no grupo com o objetivo de realizarmos uma pesquisa. Está aí contigo. Depois dessa pesquisa nós vamos definir qual o ideal do nosso pessoal. Vamos saber qual o embasamento teórico, a ideologia, qual a doutrina que vai servir de base para uma lei orgânica”.

Tim, Valdir e Valquir acompanhavam atentamente meus argumentos e Dirceu veio a carga sem muita animação:

- “Mas Felipe como é que um ‘Delegadozinho’ lá de Dionísio Cerqueira vai entender uma pesquisa dessas? Tu achas que um Delegado lá de Dionísio vai estar preparado para responder perguntas sobre se é a favor da unificação ou integração da Polícia Civil? Eu acho que três ou quatro pessoas aqui podem fazer um bom trabalho. Uma pesquisa dessas vai ajudar em que?” 

Retomei a palavra:

- “Tudo bem Dirceu, tu mesmo iniciasse a conversa hoje aqui dizendo que ficasse surpreso com o nível dos nossos policiais na reunião de ontem, não foi?” 

Dirceu meio que sem jeito concordou:

- “Sim, claro!”. 

Continuei:

- “Pois é, nós não podemos subestimar nossos Delegados”.

Dirceu continuou:

- “Ah, sim, é verdade. Isso é verdade. Concordo”. 

Continuei:

- “Então, o que nós desejamos na verdade não é só saber o que pensa o Delegado de Dionísio Cerqueira. Não, nós queremos muito mais que isso. Nós queremos chamar o pessoal a participação institucional, e a partir dessa pesquisa ofertar condições classistas, políticas... a fim de que a Chefia de Polícia possa mostrar para o Secretário de Segurança, para o Governador quais são as nossas aspirações, as nossas reais necessidades em termos de órgãos, unidades policiais, efetivo... O que nós queremos é legitimar um projeto de lei orgânica, mostrando que fizemos uma consulta preliminar e isso é inédito. Nunca ninguém fez isso antes. Imagina a importância histórica desse acontecimento. Imagina, Dirceu, você vai ter condições de chegar no Secretário, no Governador, nos Deputados e dizer que a proposta de criação do segundo grau na carreira dos Delegados é uma velha aspiração da classe, não é?”.  

Dirceu ao final, deu a  impressão que entendeu o que eu quis dizer, pena que não deixou transparecer muita emoção, apenas concordou...  Eu entendia a lógica de Dirceu Silveira, vamos pegar três, quatro Delegados, fizemos o projeto e empurramos goela abaixo, e pronto!

Valdir intercedeu para fazer um comentário em defesa da opinião do nosso grupo:

- “O Felipe já falou pelo grupo, não há mais nada a dizer”.

Tim, também:

- “Sim, mesmo porque essa é a opinião do grupo!” 

Fiquei contente e me enchi de esperanças.. Dirceu ainda propôs que fosse feito um estudo para ver se dá para viabilizar a pesquisa por meio da Internet. Vallquir argumentou que ainda não, porque não temos Intranet...