PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 22.10.2003, horário: 09:00 horas:

Estava na “Assistência Jurídica” e remeti uma nova versão da proposta de resolução regulamentando a fiscalização dos locais de funcionamento de máquinas de caça-níqueis. Na noite passada fui reler a proposta que havia sido encaminhada com a alteração que a Escrevente Suzana Halfe havia inserido a pedido do Delegado Braga e tive que fazer algumas alterações.

Horário: 11:00 horas:

A Secretária do Chefe de Polícia Dirceu Silveira me telefonou pedindo que subisse. Inicialmente pensei:

- “Bom, hoje é um dia especial, então, como meu nome está no mural da Portaria da Chefia da Polícia Civil. Bom, não acreditava que Dirceu Silveira tivesse sensibilidade e tempo para lembrar...”.

Depois veio um misto de dúvida e frustração:

- “Ué, mas se fosse para me dar os parabéns ele teria vindo até à ‘Assistência Jurídica’ e não me chamado até o seu gabinete”, pensei. Não estava me sentindo muito bem porque não havia feito a barba... Ao chegar no Gabinete de Dirceu estavam sentados Mauro Dutra e Peixoto de terno e Dirceu sem paletó com a camisa com a manga arregaçada como, talvez, sinal que ali se trabalhava. Sentei entre Mauro Dutra e Peixoto e fiquei ouvindo em silêncio o que conversavam. Dirceu Silveira não apresentava aquele seu sorriso misto de “jactônico” e de certa forma com um quê de “irônico”. Estava sério e evitava me olhar muito animado. Logo pensei: “Bom, o ambiente não está nada propício a ‘parabéns’...”. Dirceu fazia um contraponto dizendo:

- “Vocês sabiam que agora temos Delegados com síndrome de pânico? Sim, é isso mesmo, síndrome de pânico! Tem outros aí...”.

Mauro Dutra argumentou:

- “É por isso que o exame psicotécnico é importante, tá vendo...!”

Dirceu continuou:

- “Esse pessoal que não foi aprovado no exame psicotécnico e que está com liminar aí... Eu não vou fazer força alguma para eles ficarem. Por mim...”.

Peixoto do outro lado argumentou: 

- “Mas a Justiça tem indeferido todas essas ações. Esse pessoal com liminar acaba perdendo a ação...”.

Dirceu insistiu com uma cara meio azeda de que não iria fazer força alguma para esse pessoal do psicotécnico...  Continuei na condição de ouvidor e e percebi que a minha proposta de resolução estava aberta em cima da mesa do Chefe de Polícia e imaginei que tinha sido chamado para tratar daquele assunto. Dirceu Silveira parece que percebeu o meu silêncio e argumentou:

- “Doutor Felipe não sei se conversastes com o Peixoto. Eu quero é proibir as máquinas de caça-níqueis em lojas de conveniências, postos de gasolina, bares, boates...”.

Interrompi:

- “Não, eu não conversei com o Peixoto. Conversei com o Braga”.

Dirceu procurou disfarçar um certo ar de descontentamento, mas antes que ele se manifestasse, em cima do lance, completei:

- “Mas o Braga conversou com o Peixoto. Pois é, eu tive que mandar uma nova proposta de resolução porque a Suzana lá embaixo alterou sem o meu conhecimento. Ela colocou ‘vídeoloterias’ a pedido do Braga. Depois eu fui ver a redação e percebi que não estava certo, mas ela fez por bem”.

Peixoto do meu lado ouvia atentamente meus argumentos e Dirceu perguntou:

- “Eu nem sei o que é ‘vídeoloterias’. Vocês sabem o que é isso?”

Peixoto veio em socorro e argumentou:

- “Vídeoloterias são máquinas de bingos.”.

Dirceu insistiu:

- “Não Felipe, eu não sei se tu sabes, mas a Constituição de oitenta e oito não acabou com esse Decreto de setenta e dois? Imagina, esse nosso Decreto é de mil novecentos e setenta e dois. Eu estava num congresso dos Chefes de Polícia em Manaus e lá o pessoal estava conversando sobre a necessidade de fiscalizar jogos e diversões pela Polícia Civil e alguém disse que a Constituição de oitenta e oito acabou com isso. Tu não sabes nada sobre isso? A ADIn dos Delegados ainda não foi julgada. Toda vez que ela entra em pauta é transferido o julgamento. Foi transferido novamente a pedido do Presidente do Tribunal de Justiça e o que a gente está vendo é que não vão julgar...”

Imediatamente ponderei:

- “Olha, Dirceu nós que trabalhamos na Constituição de oitenta e nove colocamos isso lá, eu fui um dos responsáveis. Eu cheguei a ir a São Paulo. Lá a Polícia não se envolve com jogos e diversões públicas. Tudo é da competência da Prefeitura. Eles têm uma diretoria que só cuida disso. Lá,  quando ocorre um crime em um estabelecimento comercial, primeiramente é a Prefeitura que entra em ação. Depois, se ficar constatado a prática de delito, encaminham para a Delegacia da área...”.

Dirceu fez uma cara de receptividade, mas não dei muita abertura e continuei:

- “Mas existe um princípio que se sobrepõe que é  o da ‘autonomia dos Estados’. A constituição estabelece que  aquilo que for de interesse local compete ao município. Mas eu pergunto a vocês: ‘o que é interesse local?’ Tudo que interessa ao município também interessa ao Estado e a União. Então nós entramos numa outra questão, a própria Constituição dispõe sobre a superveniência e hierarquia das leis. Em primeiro lugar pode a União legislar, a seguir os Estados e por último os municípios. Imagina, os jogos de azar se constituem contravenção penal que é regida por legislação federal. Então por que a União e os Estados não podem legislar sobre a matéria? Ainda mais nos dias de hoje que a violência está aí?”.

Dirceu intercedeu para argumentar:

- “Mas a competência da Polícia Civil é para fiscalizar, somente fiscalizar!”

Contraditei:

- “Sim, mas quem fiscaliza exerce controle. Ninguém pode fiscalizar sem exercer alguma forma de controle. O controle pressupõe normatização. Isso me reporta à vigilância patrimonial privada. Colocamos isso também na Constituição do Estado, ou seja, tá lá que é competência da Polícia Civil exercer esse controle só que a Polícia Federal passou a se arvorar e não encontrou resistência na Polícia Civil, o Lipinski simplesmente abandonou tudo, não fez nada...”.

Relatei a discussão que tive com um Delegado da Polícia Federal justamente em razão de um parecer que dei sobre esse assunto da fiscalização de empresas de vigilância privada... Dirceu pediu que eu encaminhasse o parecer para retomar a questão.  Diante disso pensei: “Ele não falou com entusiasmo, não senti firmeza, foi apenas uma atitude emocional reativa... Seu foco está centrado na resolução que propus. Acho que disse isso só para dar uma satisfação sobre o assunto e diante das minhas explicações demoradas..”.   Mauro Dutra e Peixoto saíram e ficamos nós dois não menos à vontade. Dirceu foi direto ao assunto:

- “Eu preciso proibir as máquinas de caça-níqueis. Não se trata de fiscalização. O que eu quero é acabar com essas máquinas fora de casas de jogos. O que a gente vê hoje é uma proliferação dessas máquinas em tudo quanto é lugar. Eu estava vendo nesses teus considerandos, é preciso dar ênfase ao estatuto da criança que proíbe a colocação de máquinas de jogos de azar em locais de fácil acesso a menores. Isso é importante...”.

Interrompi:

- “Mas isso vai entrar em choque com a Codesc, não vai? Veja bem Dirceu, isso vai bater lá no teu padrinho de casamento Luiz Henrique da Silveira que comanda a Codesc!”

Dirceu argumentou:

- “É isso mesmo! Eu já conversei com o governador e ele está de acordo. O secretário também. É isso que nós queremos!”

Depois das explicações entendi a intenção do Chefe de Polícia e sugeri que fosse aproveitada a redação da resolução anterior, onde constava que deveria haver uma “vistoria policial” e a concessão de alvará e a proibição da colocação das máquinas em locais diversos das “casas de jogos”. Perguntei ainda se ele havia conversado com o Içuriti Pereira da Codesc. Dirceu evitou nomes e insistiu que seu objetivo era se contrapor à Codesc. Achei esquisito porque Içuriti além de presidente da Codesc era o homem de confiança do governador, então, concluí aquela conversa com uma “pulga atrás da orelha”.