PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 03.03.2004, horário 16:00 horas: 

Resolvi dar uma chegadinha a na sala do Delegado Tim Omar em busca de novidades e, também, para saber se o pessoal do nosso grupo havia assinado o anteprojeto da “Corregedoria-Geral”.  Anteriormente já tinha estado naquele mesmo local, porém tive que retornar porque o Delegado Peixoto conversava com Tim e senti que não teria privacidade para tratar do assunto e de manter uma conversação focada.

Ao abrir a porta percebi pela divisória de vidro que o Delegado Arthur Régis (Delegado aposentado e membro da direção da Adpesc) encontrava-se no interior da sala onde também estavam  Braga, Wilmar, Valquir, além do Delegado Tim Omar. Chequei até a porta e Arthur Régis veio me recepcionar com um sorriso estampado no rosto que denotava certa espontaneidade, muito embora eu não pudesse botar fé alguma naquele gesto volátil.  Senti que Régis estava ali porque tinha algum interesse... ou, então, deveria estar fazendo lobbies, formando opinião ou medindo a temperatura. No outro canto da sala o Delegado Maurício Noronha estava em pé e falava ao celular, sendo observado pelo Delegado Tim que não lhe tirava os olhos. Enquanto conversava com o pessoal  constatei que Noronha parecia incomodado com a minha presença, inclusive, dava a impressão que me ignorava propositalmente.

Logo em seguida voltei meus pensamentos para Braga e refleti em frações de segundos: “É, nessas questões o Braga é terrível, intrigante. Todos os meus desabafos, minhas críticas..., tudo ele deve ter levado para o Noronha como pretexto de manter uma boa conversa, preencher espaços, motivar ânimos, provocar reações...”  

Essa era uma das estratégias de Braga, ou seja, utilizar as pessoas próximas para criticar, ofender, abalar... e,  principalmente, abrir um canal de conversação sem queimar seu filme. Assim, não era ele que estava criticando, eram os outros e ficava bem na foto. Voltei ao presente e prestei atenção que todos estavam sentados, pareciam bem comportados e que poderia se tratar de uma reunião informal em bom nível. Noronha impaciente veio em direção da porta anunciando que estava de saída, porém, teve que passar ao meu lado, continuando a ignorar a minha presença, sequer me cumprimentou. Procurei respirar, me fortalecer espiritualmente contra aquele descaso e enquanto dava passagem quis fazer um lembrete e retribuir o seu descaso com a minha presença:

- “Ó, eu quero ver é a ‘tal carta na manga’. Não esqueci. Estou esperando para ver qual vai ser aquela ‘carta na manga’”.

Noronha se deteve e me olhou quase sem me encarar, com o semblante carregado, a face vermelha e vaticinou:

- “Ó, nós já fizemos muito. Vocês não sabem como foi duro conseguir hora extra para os Delegados!” 

Imediatamente rebati:

- “Sim, mas Noronha me diz uma coisa Juiz e Promotor ganham horas extras? Não ganham!”

Noronha, mantendo a aparência carregada e me fitando de través desabafou:

- “Você está me esnobando. Eu senti pela tua voz. Você fica me esnobando na frente dos outros aqui”.

Não quis acreditar no que estava ouvindo e argumentei:

- “Esnobando, o quê? Eu esnobando?”

Poderia imaginar tudo, menos naquele seu petardo derradeiro. Achei melhor me recolher no silêncio enquanto o Presidente da Adpesc foi dando às costas, “batendo em retirada”, sendo seguido por Régis. Logo que fiquei a sós com o pessoal do “grupo” argumentei:

- “Vocês viram a reação do Noronha? O que foi aquilo?”

Tim ficou me observando pausadamente com os olhos fixos, esboçando no rosto aquele semblante de certa ironia que eu já tinha visto em outras ocasiões, isto é, de quem estava em estado de meio-euforia pelos acontecimentos apimentados e disse:

- “Puxa, mandasse o homem embora!” 

Argumentei:

- “Olha, sinceramente, ele não quis ouvir a verdade. Imagina se um Juiz de Direito ou um Promotor de Justiça querem saber de horas extras? Não recebem e não querem!”

Valquir do lado me interrompeu:

- “Puta-merda. Me arranjaram foi uma ‘naba’. Vou ter que ficar quinze dias trabalhando só nos cálculos de horas extras de Delegados...”.

Continuei:

- “Eu acho que o Noronha não está nada bem. O comportamento dele aqui foi digno de pena. A reação foi injustificável. Imagina, eu na minha condição de sócio, fui exercer meu direito de obter explicações sobre os projetos da nossa entidade... Tu lembras né, Tim, naquele dia lá em cima que ele havia dito para nós que tinha uma ‘carta na manga’, lembras? Pois é, será que ele não lembra mais? Será que ele quer que a gente esqueça?”

Tim imediatamente confirmou e eu continuei:

- “Então, eu acho que não existe nenhuma carta na manga, afinal,  ou ele está se iludindo ou está querendo nos enganar com falsas promessas? Isso não é verdade! O Noronha está cometendo erros infantis. Começou com esse negócio de ficar puxando o saco do Blasi, do Governador. E, o que nós conseguimos? Os Oficiais conseguiram isonomia, os praças e os policiais civis escala vertical e os Delegados conseguiram o quê? Hoje, se tivermos que reivindicar alguma coisa para nós temos que levar todo mundo nas costas. Foi isso que ele conseguiu? Quem é aqui que ganha horas extras? Tu ganhas Valquir? Isso é só para alguns. Nós temos é que ganhar bem, como o pessoal do Judiciário, Ministério Público...”.

Braga, meio que ressabiado porque percebeu que as atitudes de Noronha tiveram o seu “dedo”, mas procurando ostentar certo equilíbrio e tranquilidade,  interrompeu:

- “Ah, mas foi importante a concretização da nossa isonomia, porque se não continuaríamos com aquela pendenga lá em Brasília”. 

Imediatamente rebati:

- “O que Braga que tu está dizendo?  Como é que o governo iria implementar isonomia dos Oficiais, escala vertical para os policiais sem acertar os salários dos Delegados? Que palhaçada é essa, Braga? É óbvio que ele teria que fixar primeiro os salários dos Delegados. É isso que eu não concordo. Os Delegados pagaram um alto preço a troco do quê? O governo matou dois coelhos com uma paulada só. Calou a boca dos Delegados querendo dar a impressão de que fez um favor para nós...”.

Tim imediatamente concordou com o meu raciocínio e Wilmar interrompeu para dizer em tom sério e bastante equilibrado:

- “Essas tuas ideias têm lógica. Tu deverias participar das assembleias gerais e colocar isso para todo mundo ouvir”. 

Prestei atenção no que  Wilmar estava dizendo, porém, não quis externar minha opinião, ademais, tudo estava dominado, ou melhor, as cúpulas da Adpesc, da Polícia Civil, também, os Delegados Regionais..., todos eles formavam opinião pró governo, pró seus cargos, e a gente é que acaba ainda passando por ruim. 

Depois Braga fez um questionamento a Valquir:

- “É verdade que tu fosses convidado para assumir uma assessoria lá em cima na Subchefia da Polícia Civil?”

Valquir respondeu:

- “Sim, fui convidado, mas não aceitei. Não quero cargo comissionado”. 

Braga, meio que desajeitado e ainda sentido o peso das minhas palavras, se dirigiu a mim e afirmou:

- “O doutor Felipe é que vai assumir um cargo de direção. Ele tem que experimentar uma Diretoria. É importante para adquirir experiência. É Felipe, tens que sentir o que é uma diretoria...”.

Fiquei só ouvindo e dando algumas risadas, se bem que  controladas, num claro sinal de que do jeito que as coisas estavam o que eu queria mesmo era me preparar para ir embora. Quanto ao comportamento do Delegado Noronha fiquei me lamentando porque não aproveitei para dizer: “Noronha, defenda-nos! Noronha, lute por nós! Noronha, não se apequene! Noronha, seja verdadeiro! Noronha, pense grande...!”

Como já era tarde retornei para à “Assistência Jurídica” e relatei para o Garcez os fatos e ele fez o seguinte comentário:

- “Olha Felipe tu és muito franco. Sinceramente, eu acho que tu deverias te cuidar mais. Não dá para ficar por aí falando as coisas como tu fazes. Tens que ter mais cuidado. Eu tenho as minhas opiniões, mas cuido com quem eu falo...”.

Fiquei meio decepcionado e argumentei:

- “Não adianta Garcez eu sou assim. Esse negócio de cavalheirismo, cordialidade, habilidades não é comigo. Mas o Noronha estava azedo comigo porque o Braga é que andou fazendo fofoca. Eu já conheço o Braga. Muitas vezes eu desabafei com ele, criticando o Noronha e ele acaba levando quentinho. O Braga faz isso como estratégia e, também, porque é da personalidade dele. Ao invés dele formar opinião e criticar ele vai lá na Adpesc e diz que o ‘doutor Felipe anda dizendo...’. Mas tudo bem, se eu tenho que servir de pedra, tudo bem! O Noronha precisa saber que ele não é unanimidade, que não é absoluto, que existem resistência... e que existem críticas, descontentes...”.

A impressão foi que nisso Garcez concordou. Depois ele comentou que estava mais feliz e disposto a trabalhar porque recebeu a notícia que o tumor na mulher dele estava regredindo e que o tratamento estava fazendo efeito, o que também me deixou mais aliviado. Depois fiquei pensando que deveria ter perguntado para Tim se ele ainda pensava em diminuir o tamanho da Polícia Civil com aquele projeto de compactação das Delegacias de Polícia da Capital... O triste era que quando uma pessoa fixava uma ideia, dogmatizava uma ideologia... poderia descer os anjos que não haveria mudança de pensamento. No caso do Tim que diferença poderá fazer...