PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 16.02.2007, horário: 14:10 horas:

Tinha acabado de chegar na Delegacia Regional de Polícia de Joinville e fui direto para o gabinete do Dirceu Silveira (Delegado Regional). Logo que o Delegado Regional percebeu a minha presença por meio da porta entreaberta fez sinal para que eu avançasse. Fiquei à vontade esperando que terminasse a conversa com dois policiais que estavam despachando. Quando ficamos a sós lancei uma “tremendona”:

- “Olha, vim aqui te dizer que está tudo pronto. A nossa chapa já está montada. O Flares sai na presidência”.

Dirceu me fitou dando a impressão de certo ceticismo e desconforto com a situação, dava a nítida impressão que não aprovava muito aquele nome, mas eu não dei muita importância a esse fato e avancei para dar uma ingestão de ânimo e botar lenha no fogo:

- “Bom, conversei com o Flares e ele está empolgado. Ele me disse que só não aceitaria concorrer à Adpesc se realmente vier a assumir a Secretaria Regional lá de Videira. Quando falei com ele anteontem ele disse que estava entusiasmado. Citou o teu nome...”.

Dirceu nitidamente queria dizer alguma coisa, mas preferia medir suas palavras, seus pensamentos, comentou:

- “A Sonéa me ligou, ela é candidata também, sabias?”

Já tinha entendido tudo, ou seja, Dirceu não iria querer bater de frente com o poder constituído, ou seja, a Delegada Sonéa era  esposa do Delegado Neves, Diretor-Geral (Secretário Adjunto da Segurança Pública) e tinha ascendência sobre o Secretário Ronaldo Benedet na área policial. Entendi que era melhor tranquilizar Dirceu:

- “Mas eu acho que o Flares não vai querer concorrer também porque a Sonéa já fez contato com ele. O Flares achou que com a Sonéa a coisa vai ficar muito escancarada, ou seja, o objetivo parece que são quatro anos de administração bem tranquila, sem qualquer tipo de resistência e oposição ao governo. O que tu achas disso Dirceu?”

Dirceu parecia ainda mais comedido nas palavras, demonstrando o seu lado estrategista, sem querer se complicar ou se comprometer e acabou concordando, porém, de maneira bem sutil, sem exclamar qualquer desabafo ou fazer quaisquer restrições. Aproveitei para argumentar:

- “Bom, só espero que não tenhamos mais quatro anos perdidos. Segundo me disseram o pessoal resolveu fazer uma chapa única, ou seja, sai a Sonéa de cabeça, o Régis (Artur) de vice. Eles fizeram um acordo...”.

Dirceu deu a impressão que não sabia desse acordo e perguntou com certa ênfase:

- “Sim, mas então fizeram um acordo mesmo?”

Confirmei e resolvi argumentar:

- “Olha, Dirceu, eu só vejo um caminho para nós: a nossa saída da Segurança Pública. Já te disse outras vezes, nós só temos um caminho se quisermos sair da ‘vala-comum’, é deixamos a Segurança Pública e partirmos para um projeto como aquele da ‘Procuradoria-Geral de Polícia’ ou que apresentem algo melhor”.

Dirceu externou seu pensamento demonstrando consistência:

- “Outro dia o Eliézio (Coronel) esteve aqui me visitando e eu lancei uma ideia para ele. Eu disse: ‘Eliézio por que vocês não lançam a proposta de se desvincular da Segurança Pública? Por que vocês não fazem uma mobilização para ficarem subordinados diretamente ao Gabinete do Governador?’ Olha, eu senti que na hora que coloquei isso que os olhos dele brilharam, tu precisavas ver. Então, eu acho que esse é o caminho, deixa a Polícia Militar começar uma molização que isso cria um fato novo e nós vamos de carona, aí sim...”.

Claro que tinha entendido muito bem o que ele me disse, mas pedi que ele me desse detalhes da conversa com o Comandante-Geral da Polícia Militar e que explicasse  me explicasse melhor a sua ideia que achei muito convincente e bastante estratégica, muito embora duvidasse que a Policia Militar viesse a iniciar um algum tipo de movimento dessa magnitude. Antes, porém, indaguei:

- “É, mas aí também tem o Corpo de Bombeiros, como é que fica?”

Dirceu respondeu dando a impressão que tudo era muito simples:

- “Também fica vinculado diretamente ao Gabinete do Governador...”. 

Resolvi fazer outro questionamento:

- “Bom, tu sabes que mobilizar os Delegados Regionais é muito difícil. Eu andei viajando o Estado e conversei com vários colegas e todos acham tudo muito bonito, maravilhoso, mas na hora de se mobilizarem... Por exemplo, o Darolt de Blumenau acha tudo muito bom, tu conversas com ele, tudo está muito bem definido, mas está lá procurando se segurar no cargo, preocupado com a situação dele, não que assumir nenhum risco...”.

Dirceu não só concordou como trouxe  outros ingredientes:

- “Sim, se você olhar para o Leonísio lá em São Bento, ele está por um fio. Olha Chapecó, outro exemplo, o Delegado Regional atual está tendo dificuldades para permanecer no cargo, e assim vai. Dessa leva que aí está, só uns três ou quatro é que estão garantidos, eu e mais uns três, o resto está fazendo um esforço muito grande para não dançar, sempre tem um colega ou algum político querendo derrubar, isso sempre foi assim...?”

Interrompi:

- “Pois é isso que mata a nossa instituição, é justamente isso que temos que combater, é essa ingerência política.  Nós tivemos uma reunião com o Maurícìo Eskulark anteontem lá na Corregedoria e ele fez referência a um ditado que leu na Delegacia Regional de Joaçaba sobre hierarquia, deixa eu ver se consigo reproduzir. Bom, o ditado diz mais ou menos assim: ‘hierarquia não significa obediência hierárquica de cargos, mas sim de responsabilidades’. Mas, imagina, Dirceu, o Delegado Regional lá é um Delegado novinho, não tem nem dez anos de Polícìa e já ocupa cargo de chefe comandando vários Delegados antigos, mas graduados. É claro que o ‘Gross’ vai fixar na parede da Delegacia Regional esse tipo de cartaz com essas ideias, mas convenhamos, isso só ocorre entre nós Delegados, vai ver no Judiciário se juiz manda em um Desembargador. Vai ver no Ministério Público isso ocorre, vai ver na Polícia Militar... Então a minha vontade foi dizer para o Gross levar essa ideia para essas instituições, para as Forças Armadas, dá licença!”

Dirceu concordou com os meus argumentos e com a infelicidade do Maurício Eskudlark. Acabei lembrando que a Delegada Magali outro dia havia me confidenciado que Maurício era como um ‘jun.’, ou seja, ele muda rapidamente de ideia e faz isso conforme o vento.  Sim, então a Magali tem razão, só que não é só o Maurício que age assim, são muitos outros colegas que mudam rapidamente de lado, mudam seus pensamentos, passam por cima de princípios, tudo depende do tamanho da ‘barriga’, dos interesses, do poder, do dinheiro. 

Em seguida Dirceu Silveira deu uma guinada e acabamos falando de “festas”, como por exemplo o caso do “Bordel” da casa da  “Marlene Rica” e ele pegou um jornal local e foi me mostrando a notícia:

- “Olha só essa aqui, leia”.

O artigo tratava do Coronel Chaves (acho que esse é o seu nome), Comandante do Batalhão da PM de Joinville que – segundo a notícia – teria ido até uma boate da cidade e feito um programa, cuja conta resultou em duzentos reais. O Coronel ficou indignado com o alto valor da conta e se retirou do estabelecimento sem saldar o débito. Depois de ler a notícia perguntei:

- “Sim, esse é o Tenente-Coronel Chaves que comanda do Batalhão aqui de Joinville?”

Dirceu confirmou e foi dizendo:

- “Tá vendo, eles às vezes ficam fazendo média, mas também aprontam as deles”.

Argumentei:

- “Mas isso aqui é uma palhaçada. O que tem demais o cara sair na noite e ir numa boate como fez o Coronel Caminha? Está certo que ele errou em não pagar a conta, mas isso tem que ser apurado e  imprensa parece que quer fazer média com isso, dá licença, só porque é o Comandante, eles querem sensacionalismos...”.

Perguntei:

- “Eu estive lá no Batalhão outro dia e tomei conhecimento que o João Rosa e esse Coronel Chaves não estão se dando muito bem, estais sabendo de alguma coisa?”

Dirceu fez uma cara de azedo e disse: 

- “Bom,  o João Rosa foi condenado e vai cumprir pena em regime semi-aberto, então já deve ter saído de lá...”.

Questionei:

- “Sim, esse Coronel Chaves é boa gente?”

Dirceu confirmou:

- “Sim, é boa gente. Eu tenho um ótimo relacionamento com ele...”.

Acabamos retomando a conversa sobre a situação da Polícia Civil e aproveitei para reiterar minha preocupação a respeito do futuro da instituição, os problemas com a política salarial dos policiais civis, a começar pelos Delegados. Acabamos falando do Secretário Ronaldo Benedet e Dirceu pegou pesado nas críticas ao Titular da Pasta, dizendo que não temos muito o que esperar desse Secretário. Fiquei um pouco desapontado e argumentei:

- “Sim, tu queres dizer que ele é um ‘p.l.’, é isso?” Dirceu observando atentamente minhas palavras e sem querer perder qualquer lance contradisse:

- “Não usaria essas expressões a que te referisses, mas eu diria que não temos futuro com ele...”.

Fiquei quieto e procurei ouvir em silêncio, pensando: “não é fácil, esse Dirceu já está bem escolado, não se expõe de graça, por nada desse mundo, usa a métrica nas palavras...”.  No final da conversa Dirceu me acompanhou até a porta e antes que eu saísse, argumentei:

- “É, será que vamos ter mais quatro anos perdidos?”

Dirceu – como bom estrategista – apenas deixou escapar algo meio que difícil de interpretar, mas que queria dizer que tudo se encaminharia naturalmente... 

Depois que deixei a Delegacia Regional fiquei pensando que nenhum Delegado ou Oficial, especialmente, ocupando cargos de destaques nas instituições ou governos deveria frequentar estabelecimentos tipo a casa da "Marlene Rica". Depois lembrei do Coronel Caminha e do seu lamentável fim, uma pessoa humilde, simples... e que estava no hora e no lugar errados, servindo de bode expiatório para que se desse uma solução política para um caso coberto de fatos que precisavam permanecer encobertos ou uma forma de calar a imprensa? O Coronel Chaves seria uma outra vítima? Obviamente que não, porque o caso parecia ser bem diferente e não teria repercussão política, portanto, não interessava a ninguém, nem a imprensa teria interesse em repercutir a matéria, portanto, melhor sorte para o Coronel Chaves.