PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 16.07.2003, horário: 10:00 horas:

Estava na sala do Delegado Tim Omar para  reunião do grupo (quarto andar do prédio da Chefia de Polícia). Os Delegados Tim, Valquir e Valdir estavam entretidos em uma conversa. Logo que cheguei, antes que Valquir repetisse aquela sua célebre frase na chegada, afirmei:

- “Não precisa dizer. Cheguei para dar o ‘quórum’!”

Todos riram e percebi que o prato era “futebol”. Com a minha chegada foi dado uma guinada e o assunto passou a ser o encontro com o Chefe de Polícia no dia anterior.

Tim Omar parecendo animado com a minha presença comentou:

- “O homem arrasou. Ele começou e deu uma chave no Dirceu...”.

Fiquei impressionado porque não foi nada disso que fiz ou pensei em fazer, usei da diplomacia aliada ao jogo de habilidade, sem perder o foco. Na verdade o que tinha feito foi fazer com que Dirceu (e alguns outros...) relaxassem, assim ele foi amolecendo, ficou descontraído... e se fiz aquilo foi em razão do distanciamento do grupo com o Chefe de Polícia, sem contar o sinais de algo “nebuloso” no ar.

Tim confessou que estava muito nervoso, impaciente e ainsioso:

- “Eu não esperava, mas ele (Felipe) me acompanhou na audiência com o Dirceu. O Mauro passou na minha frente e aí eu fiquei...”. 

Valquir lamentou o tratamento que Dirceu estava dispensando ao ‘grupo’:

-  “Imagina, onde é que ele está agora? Ele foi a missa de sétimo dia do policial que morreu. O ‘Delegado-Geral’ não tem tempo para essas coisas, que ele mandasse um representante. Ontem lá no nosso futebol eu achei o Dirceu muito desanimado. Eu conversei bastante com ele. Sei lá, achei ele meio desanimado”.

Acabamos eu e Tim fazendo um relato otimista do contato que tivemos com Dirceu Silveira (Valquir não tinha participado...). Apesar disso, Valquir se manteve cético e incrédulo a respeito de qualquer projeto. Avisamos que o “projeto de escala vertical” já se encontra na Procuradoria-Geral do Estado e que pedimos vistas. Tim relatou que Dirceu havia falado duas coisas importantes. A primeira que o projeto era “simples”. Procurei confirmar que realmente era simples e isso nos deixou bastante otimista porque ele havia compreendido a essência das propostas. Por segundo, Tim lembrou que Dirceu havia comentado que no dia da reunião,  à tarde ou no dia seguinte nós vamos entregaríamos nosso “projeto” para o Secretário Blasi.

Argumentei que isso não era o principal, mas que era importante o contato com o Secretário Blasi para tentarmos cristalizar nele a ideia de mudanças. Valquir deu ares que não estava entendendo e  Tim também e lançou uma:

- “O homem gosta de charadas. O pai dele disse isso para mim a dez anos atrás. Ele gosta de charadas”. 

Valquir interrompeu:

- “Felipe tu desses um nó no pingo d’água”.

Depois, assumindo um tom crítico, Valquir se levantou e se afastou um pouco da mesa e argumentou:

- “Mas como que ele vai dar escala vertical se existe a Lei de Responsabilidade Fiscal? A receita já está no limite e tem o pessoal da Saúde e da Educação que estão esperando alguma coisa. Sinceramente, eu não acredito. Acho tudo isso furado. Pura enganação. Mais uma vez o pessoal vai ser enganado”.

Não tive como não lembrar da “Era Lipinski”, das promessas para enganar trouxa e Valquir tinha toda razão em desconfiar. Mas naquele jogo eu não podia assumir uma atitude cética, de desconfiança, era preciso apostar no curso da história, fazer a minha parte e apostar mais uma vez na provação da cúpula. Tim argumentou que a estratégia do governo era incorporar horas extras e outras vantagens aos salários dos policiais. Valdir veio conversar comigo a respeito de duas comissões de processo disciplinar que estava presidindo. Estava pensando em cair fora dos processos, arguindo sua suspeição. A certa altura da conversa sugeri que o “grupo” devesse propor ao Chefe de Polícia que criasse uma comissão permanente para conduzir processos disciplinares complexos. Além disso, sugeri que fizéssemos estudos com vistas a resguardar os policiais que atuam na área correicional com prerrogativas, especialmente, de se fixar requisitos para designações de “Corregedores de Polícia”. Percebi que o pessoal não deu muita importância as minhas considerações, então resolvi reiterar que aquilo que eu tinha acabado de propor era muito importante e Tim se levantou e foi anotar minha proposta. 

Depois, o ‘grupo’ deu uma guinada radical, especificamente, quando Tim mostrou o seu livro cheio de assuntos para a análise do “grupo”. Aproveitei para lembrar que a proposta de “compactação” das Delegacias da Capital (continente) era furada e que nós não poderíamos aprovar. Procurei relembrar que Valquir outro dia havia sugerido que nossas deliberações deveriam ser simples e orais.

Sobre a compactação Valquir fez uma declaração de voto que deixou Tim agitado:

- “Eu tinha pensado inicialmente em votar favorável à compactação. Mas depois com a explicação do Felipe de que nós não podemos perder espaços eu me convenci que ele está certo. Nós não vamos ganhar nada com isso. O ‘X’ polícia que tem lá em Coqueiros começou com uma “sala” e agora você vai ver que tamanho está aquilo lá. Construíram mais um anexo, banheiro, estacionamento para carros... E nós estamos propondo tirar a Delegacia de lá, dá licença!”

Tim se levantou, empalidecido, começou a caminhar pela sala, parecia conter sua ferocidade cênica, sem poupar sua emoção aflorando por meio de seu olhar, entoação da voz  e gestos, e vaticinou:

- “Eu já defendi esse projeto há treze anos atrás e fui vencido. Agora vou ser derrotado outra vez por vocês. Não! Isso eu não vou poder aceitar!”

Fiquei impressionado com a carga emocional, com a transformação de Tim e procurei argumentar que devêssemos fazer o encaminhamento de um documento simples ao Chefe de Polícia colocando a posição do grupo. Tim comentou:

- “Então redige um documento de uma, duas laudas sustentando essa posição. Faz isso!”. 

Sem ter certeza se aquilo era um desafio, uma provocação, um ultimato ou sei lá o que, pedi licença para usar o computador de Tim e fui direto digitar o documento. Depois de uns trinta minutos, enquanto as discussões estavam acirradas, redige o documento e tirei a impressão. Tim, dando a impressão de que estava contendo sua surpresa, ficou mais abalado ainda. Com as impressões nas mãos repassei ao pessoal. A partir daí a situação pareceu  cômica. Tim, pálido e com a voz alterada, falando mais alto do que o normal e “tossindo” no repique ao mesmo tempo, passou a não defender mais seu ponto de vista e começou a agir de maneira “estranha” que poderia ser um misto de ironia e sarcasmo...:

- “Vocês tem razão. É mesmo. De que adianta ‘elucubrações’...  Sim, é claro, vocês tem razão. Vai ser muito bom...”.

Olhei para Valquir sem poder conter os risos com a transformação instantênea de Tim depois que leu o documento que tinha acabado de digitar e argumentei contingenciando:

- “O Tim teve uma sábia decisão. Deixou a emoção de lado e passou a usar a razão. Isso é Max Weber”.

Valquir do outro lado fez o contraponto:

- “O doutor Tim está é sendo sarcástico”. 

Comecei a perceber que o ambiente estava ficando carregado, e as consequências poderiam ser imprevisíveis. Valdir já tinha saído pedindo desculpas para Tim e que ele não interpretasse mal a sua posição. Ao final, já perto de meio-dia, Tim fez uma importante revelação:

- “Olha eu vou dizer uma coisa para vocês. A compactação vai ser feita de qualquer jeito. Isso é certo. Vocês podem ser contra...”.

Valquir, com presença de espírito, desenvolveu um raciocínio rápido e pragmático para a situação:

- “Espera aí, o Secretário está falando em criar a ‘Delegacia Verde’, a ‘Delegacia do Idoso’, então essa compactação vai ser feita para sobrar policiais para serem colocados nessas novas Delegacias. Tá aí Tim, essa é a jogada política...”.

Olhei surpreso para Valquir e comentei:

- “Olha Valquir, acho que tu mataste a charada. É tudo uma jogada política...”.

Tim olhou meio desconfiado e mantendo firme sua posição de não aceitar aqueles argumentos voltou a falar que fez o projeto há treze anos atrás... Ao final, parecíamos três em estado alcoolemia, num final de festa... Eu e Valquir fazendo papel de dois os : “azucrinadores” e Tim como o “enfastiado”.

Ao descermos pela escada Tim me confidenciou:

- “Eu tive que me segurar ali. A minha vontade era abandonar tudo e ir embora. Pensei nisso ali naquela hora. Juro! Mas está errado fazer isso, sabia? Dar uma de Wilmar Domingues. Está errado abandonar o grupo. Mas me deu  vontade.  Nesta última semana as reuniões do grupo quase não renderam nada, mesmo porque estive por pouco tempo nos encontros e o pessoal estava disperso”.

 

(...)”.