PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 15.07.2003, horário: 11:45 horas:

Tim levantou-se naquele seu estilo “elástico”, projetou seu corpo não em direção à porta, mas em volta da mesa de reunião dando nítida impressão de tensão, ansiedade...  Percebendo que ele estava se cobrando, sob alta tensão..., tomei a iniciativa de propor que todos os membros do grupo que estavam presentes fossem juntos até o gabinete de Dirceu, sem dar muita certeza de que entraríamos com ele. No entanto, vendo todo aquele seu nervosismo não tive coragem de abandoná-lo naquela hora que mais precisava de nossos ombros.

Fátima estava no telefone e logo que chegamos tomei a iniciativa de abrir a porta da sala de Dirceu Silveira, quando percebi que o Delegado José Antonio Peixoto ainda estava despachando. Nisso,  procurei retroceder, até para deixá-lo mais à vontade, porém, sinalizei que já estávamos aguardando ao lado.  Tim não estava se sentindo bem, continuava muito ansioso e eu tive até que jogar conversa fora para tentar acalmá-lo.  Na sequência e para nossa surpresa chegou também o Delegado Mauro Dutra com ares de que teria prioridade em despachar com o Chefe de Polícia. Sim, era  Mauro Dutra que trabalhava em silêncio enquanto faltava as reuniões do grupo, como se fosse outro “sangue azul” , procurava falar pouco e com um ótimo instinto de sobrevivência e demarcação de território, sempre demonstrando que sabia identificar quem era  quem no jogo do poder para usar o princípio básico da atração.

Depois de alguns minutos, logo que Peixoto concluiu seus despachos, veio até mim para repassar alguns documentos a fim de que pudesse examiná-los.

Tim ao invés monitorar o ambiente, de entrar logo na sala de Dirceu Silveira, cuja porta permanecia aberta, acabou dando uma “bobeada”, em cujo momento eu estava entretido conversando com Peixoto. Na sequência, quando nos demos conta, Mauro Dutra já estava lá dentro sentado despachando.  Aquilo foi providencial, pois com isso Tim sem querer havia sido colocado em mais uma prova de fogo... Tim, ficou mais indignado, passou a liderar um burburinho, parecia visivelmente impaciente, andava de um lado para outro, grunhia que havia um “fura-fila” ali dentro, a seguir, veio até mim que estava  próximo da porta e vaticinou:

- “Vamos voltar à tarde? O meu filho está indo para o Rio de Janeiro. Estou preocupado. Ele vai passar vinte dias no Rio e vai embarcar daqui à pouca”.

Percebendo que Tim estava se sentindo desprestigiado, sentindo-se humilhado com aquele tratamento, procurei amenizar a situação conversando com ele e passei a encorajá-lo a permanecer no local até sermos finalmente recebidos pelo Chefe de Polícia, “o breve”. A certa altura chegaram os Delegados Marlus e Padilha (Diretor da Deic). Padilha pediu licença e foi entrando rapidamente. Marlus sentou e começou a conversar conosco reclamando do seu estado de saúde e externando que teve várias problemas cardíacos:

- “Estou com quarenta e cinco anos e pareço que já tenho cinquenta...”.

Para provocá-lo lancei uma:

- “Então, imagina com essa aposentadoria aos sessenta e cinco anos que querem aprovar...?”

Marlus contraditou:

- “Eu não vou até lá. Não vou agüentar tudo isso”.

Fiquei até em dúvida se ele estaria falando sério, mas resolvi dar crédito a suas palavras porque ele aparentava um envelhecimento precoce. Nisso chegou o Delegado Henrique que veio me cumprimentar. Tim estava próximo e continuava impaciente, porém, acredito que consegui passar um pouco de dose de tranquilidade para ele que me via sorrindo, brincando... Retribui o cumprimento de Henrique:

- “Ô doutor Henrique, ‘o oitavo!’” 

Henrique sentou bem na minha frente e Marlus perguntou para ele qual a idade e Henrique respondeu que estava com cinquenta anos, fazendo uma louvação a Tim:

- “O doutor Tim aí que está bem. Sangue índio. Estais com quantos anos Tim?”

Tim respondeu que estava com sessenta e três anos...”.

Nisso foram embora Marlus e Padilha. Em seguida saiu Mauro Dutra e eu aproveitei para brincar:

- “Ué Mauro passasses na nossa frente, heim?” 

Mauro com aquele seu jeito “humilde”, “mineiro”, “gato morto”, mas “sangue azul”,  foi saindo de fininho se justificando que havia sido bem rápido.

Tim que estava próximo e contemplava os acontecimentos deixou dito nas entrelinhas que não gostou nada de ter sido passado para trás na “audiência” e que teve que esperar muito tempo... Finalmente, nos acomodamos na sala de Dirceu que fez uma  encenação sem externar qualquer emoção, bem ao seu estilo, sem direito a sorrisos, afagos, palavras doces, sem deixar  deixando transparecer seu “sangue azul”, mais parecendo encarnar um “Czar” na figura de Chefe de Polícia. Enquanto nós entrávamos Dirceu continuava entretido fazendo a leitura de documentos e ao mesmo tempo assinava papéis que estavam sob sua mesa, sem externar qualquer saudação, cumprimento...

A impressão era que Dirceu Silveira não tinha muito tempo para ler e assinar documentos e quando sobrava alguns segundos, minutos, isso nos intervalos de audiência, aproveitava para se concentrar no que está sob sua mesa... O problema era que agindo assim nem todos poderia entender, no meu caso tudo bem porque atuei com vários Chefes de Polícia e conhecia a rotina... Procurei ficar bem descontraído ao contrário de Tim que parecia mais agitado e descontente com aquele tratamento e talvez Dirceu Silveira não soubesse disso...

Depois que sentamos e vendo que eu estava fazendo algumas provocações em tom de brincadeira Dirceu esboçou um sorriso e passou a nos dar atenção integral. De nossa parte, procuramos superar os acontecimentos anteriores e agimos com naturalidade e procurando deixá-lo bem à vontade. Logo de início tratamos sobre a “escala vertical” e Dirceu dessa ver falou com vigor e como um estadista, sim, era a vez dos policiais:

- “O Felipe sabe, lutou tanto por isso, o projeto já está lá e vai ser encaminhado à Assembleia Legislativa. Os Delegados não vão receber praticamente nada. É a cristalização da folha de pagamento. Vão ser incorporadas várias vantagens, mas os policiais vão ter um reajuste bem substancial. É a vez deles. Para nós o governo acaba com aquela pendenga lá em Brasília...”.

Dirceu estava se referindo à “escala vertical” (uma de minhas lutas classistas e como Procurador Policial na Constituinte de 1989. Recomendei, dando certo peso nas palavras, que Dirceu conduzisse o processo de aprovação do projeto de “escala vertical”, porque do contrário seriam as entidades de classe que iriam  faturar, lhe tirando a visibilidade, já que era um projeto da Chefia de Polícia. Dirceu com algum esforço concordou, muito embora deixasse evidente que não estava se importando com isso, pois parecia mais um detalhe. Percebendo a sua inexperiência argumentei:

- “Até é importante para os Delegados que o comando da Polícia Civil tenha conduzido esse processo de negociações para que os policiais saibam que nós nos preocupamos com ele, desde a época da isonomia com o Ministério Público e da revogação da lei complementar cinquenta e cinco de noventa e dois que nós estamos em dívida com eles, não achas?”

Dirceu concordou, parecendo que caiu a ficha, um pouco mais sensível. Mas não era tudo, porque ele ainda dava impressão de estar muito distante, talvez tivesse sido mordido pela “mosca azul”, no cargo de “Chefe de Polícia”, considerando que todo o poder... Pedi que ele conseguisse uma cópia do “projeto” de escalonamento  vertical até para que nós pudéssemos conhecer do que estávamos tratando, inclusive, porque a Procuradoria-Geral do Estado poderia propor alguma mudança. Dirceu concordou dizendo que iria conseguir uma cópia. Achei de bom tamanho. Tim perguntou para Dirceu se ele leu o nosso “projeto” e ele respondeu enfático:

- “Sim. Claro que li. O projeto é simples. Você lê o projeto e acaba vendo que ele é simples. É institucional. O que ele possui são coisas que todo mundo já sabia só que nunca colocaram no papel. Existem coisas ali que o pessoal já sabia, mas nunca foram reivindicadas. O projeto é simples”. 

Dirceu Silveira deu um banho, fiquei de alma lavada porque ele parecia ter captado o espírito do nosso projeto. Fiquei contente de ouvir aquelas considerações do Chefe de Polícia e argumentei:

“Mas, Dirceu, que bom ouvir isso. Muito bom porque o ‘projeto’ realmente é simples. Ele não gera despesas para o Estado. É um projeto institucional. A nossa preocupação foi passar para ti uma proposta histórica para que você se incorporasse a ela e fosse responsável por dar início a esse processo de mudanças. É o começo. Aliás, tu também és parte dele porque foi alterado com as tuas sugestões. Agora o desafio é o Secretário também aderir a esse projeto”.

Dirceu deixou externar um sorriso de satisfação argumentou:

- “Eu acho até bom quando eu entregar o projeto que vocês estejam junto comigo.  É importante que o Secretário tenha informações diretamente de vocês a respeito das propostas”. 

Tim pareceu mudar de figura, passou a externar um sorriso de paz, tranquilidade  e firmeza com a postura de Dirceu, concordando que fosse feita a condução dessa maneira”.

Eu acabei concordando com esse encaminhamento, muito embora sabendo que muita água deveria ainda passar por baixo da ponte. Em seguida fiz uma observação:

- “Eu acho que nesses projetos a gente até poderia pensar em ouvir a Adpesc. O pessoal tem que saber que compete à Adpesc liderar as lutas classistas. O Noronha é um Delegado Operacional, mas  nós precisamos de Delegados institucionais, não que os Operacionais não sejam importantes, claro que são...”.

Dirceu intercedeu:

- “Eu acho que o Noronha precisava ter alguém lá com ele que tivesse uma visão institucional, como o Felipe falou. Uma pessoa que tem essas características é o Lauro André que tem um bom trânsito com o pessoal do PMDB”.

Argumentei:

- “É difícil se escolher um nome para dirigir à Adpesc com uma visão institucional. O Thomé tem visão institucional...”.

Dirceu novamente interrompeu:

- “Sabe que o Thomé daria um bom presidente da Adpesc?”

Concordei e argumentei, muito embora meu objetivo maior era mensurar a posição de Dirceu, fazendo uma brincadeira para descontrair mais o ambiente:

- “O problema do Thomé é que ele é gaúcho. Os gaúchos estão em todos os lugares, eles querem dominar tudo, nós manezinhos acabamos em desvantagem, não é?”

Dirceu acrescentou:

- “A parte de mídia eles já estão dominando. Eles são donos e tudo. Agora já estão se expandindo para o Paraná, estão em Londrina. O problema do Thomé é aquele ‘ego’ dele. Perto dele não cresce nada. Ele não deixa crescer,  nada!”. 

Sim, com isso fiquei pensando se Dirceu não estaria falando dele também? Porém, me restringi apenas a argumentar:

- “Eu acho que o conjunto da Polícia tem que ser fortalecido. Não se faz polícia só com um segmento. É preciso fortalecer o conjunto, todos os nossos valores...”.

Percebendo o adiantado da hora e a necessidade de abreviar a nossa saída, disse:

“Doutor Tim, acho que nós temos que sair porque o doutor Henrique está ali ainda aguardando”.

Imediatamente saímos da sala, mas antes de deixar o recinto lembrei Dirceu de não esquecer de conseguir o “projeto” do escalonamento vertical...