PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 04.01.2000 - “A Polícia operacional e o Tolerância zero às vésperas do novo milênio”

“O Vale-tudo”:

Saí do gabinete do Delegado-Geral pensando na triste condição em que sempre nos encontramos:  “À mercê dos governos, sob pena de sermos exterminados, discriminados, violentados... Enquanto isso, tudo era permitido fazer com os marginais, desde execrá-los, torturá-los, persegui-los, anulá-los... enfim, era um vale-tudo, sob o olhar complacente de alguns defensores de direitos humanos que nada mais são do que parte de um todo e de um jogo.

Horário: 20:00 horas - “O primeiro encontro do grupo no novo ano”:

Braga durante o transcorrer do dia já havia me procurado, queria saber do jantar do grupo e lembrei que estávamos na primeira terça-feira do mês de janeiro do novo ano. Logo no primeiro horário da manhã, quando me encontrou na Delegacia-Geral foi me perguntando:

  • Felipe tá confirmado o jantar lá no Candeias?
  • Ah, sim!

No período vespertino, ao chegar na “Assistência Jurídica” reiterou sua preocupação:

  • Felipe tá confirmado com o pessoal hoje à noite?
  • Olha Braga para falar a verdade eu não conversei com ninguém ainda, se nós tratamos que sempre será na primeira terça-feira do mês não vou ficar por aí cobrando aquilo que já ficou acertado, certo?
  • É verdade, eu estarei lá de qualquer jeito.
  • Eu também.

Braga ainda lembrou que tinha um aniversário para ir, porém, não iria faltar outra vez o nosso compromisso. Fiquei pensando: “vamos deixar a coisa solta só para ver como o pessoal vai se comportar”.

À noite, antes ainda das vinte horas cheguei no Restaurante San Remo (antigo Candeias II) e me sentei sozinho próximo da televisão que estava ligada no Jornal da Bandeirantes. Pedi uma cerveja e um queijo provolone, conforme já era costume. Nada de Jorge, de Cezinha,  nada dos outros...

Em seguida chegou Braga que constata que estávamos somente nós dois ali frente à frente:

  • Olha Braga eu acho que somos só nós dois mesmos.

Tive certeza que Jorge estava em casa, pois passei próximo de sua residência e vi seu carro estacionado na frente (caminhonete cabine dupla vermelha). Certamente esqueceu o compromisso, mas deveria telefonar mais tarde para saber do movimento do restaurante, aliás, disso ele não esqueceria e seria informado da nossa presença.

Eu e Braga repisamos alguns assuntos, fiz um relato do que ocorreu à tarde com Moreto sobre o Delegado Darolt. Durante o curso do tempo o Delegado Braga fez alguns registros:

- “O Moretto é uma excelente pessoa, mas para administrar a Polícia Civil não dá porque não tem coragem de bater nos fortes...; (Braga)

(...)

 - “O Maurício Eskudlark deverá ser o futuro Delegado-Geral, parece que já existe um acerto e é imposição de Sché...”; (Braga)

(...)

 - “A Polícia não aparece na mídia e o Diretor de Polícia do Litoral é que resolve tudo...; (Braga)

(...)

- “O Rachadel é quem está mandando...”; (Braga)

(...)

- “Na época da Lúcia, o Moreto não mandava nada, não se impunha, e o Gabinete mandava resolver tudo com o Braga... eu me sentia até envergonhado com o fato de passarem por cima da autoridade do Delegado-Geral...; (Braga)

(...)

- “O período Jorge Xavier deixou saudades... , ele fez uma grande administração;

(...)

 - “O complô para derrubar Jorge foi articulado, principalmente, pelo Ademar Rezende, pelo Oscar e o Valkir...” (Braga)

(...)”.

Quanto às críticas ao Delegado-Geral Moreto, enquanto Braga acionava sua metralhadora (até como um desabafo), fiquei pensando que só não havia sido dito que ele era um sábio, e que sua visão de mundo estava muito além da realidade que o cercava. Moreto havia aprendido a amar a instituição da sua forma, como também as pessoas à sua maneira, recolhido no seu silêncio, evidente que possuía limitações, mas como não tê-las diante do caos? Era uma satisfação  tê-lo não só como chefe, mas como companheiro e amigo, muito embora soubesse das suas limitações...

Depois dessas ilações pessoais, lá pelas tantas chegou Cláudio Palma Moura, isso já passado das vinte uma hora. E ficamos nós três ali conversando..., até que tive um surto de empolgação, coisa rara nos últimos tempos:

  • Olha pessoal este nosso encontro aqui é de fundamental importância, eu não sei se vocês concordam, mas é fora do ambiente de trabalho que nós podemos conversar sobre tudo, especialmente, acerca de nossa instituição onde nós passamos grande parte de nossas vidas. Muitas vezes o Braga vai lá na minha sala e eu estou sempre ocupado, não tenho muito tempo de lhe dar atenção, são tantas coisas para ler e fazer, mas aqui é diferente, a gente se sente à vontade para conversar sobre tudo e assim que podemos pensar em construir algo melhor.  Essas nossas reuniões são um retrado de nossa Polícia, veja Cláudio, nós aqui com o nível de discernimento que temos nos encontramos nesse estágio, imagina unir todos os outros, fica muito difícil.

Cláudio ao meu lado fez um movimento com a cabeça, querendo dizer que concordava e procurei controlar minha emoção, até para ver o eco de minhas palavras e a sua intensidade perante meus amigos.

Tentei ainda, sem êxito, telefonar para o Krieger, seu celular simplesmente chamava e ninguém atendia.

Lá pelas tantas, ouvi o garçon no telefone e deu para perceber que estava conversando com Jorge Xavier que soube que estávamos ali:

  • Doutor Felipe, o doutor Jorge quer falar com o senhor. (garçon)
  • O quê? Diz para ele que eu não quero conversa com ele, estamos aqui há mais de uma hora e ele não aparece.
  • Não, mas doutor Felipe ele está chamando o senhor. (garçon)
  • Não! Diz para ele que não tem conversa, que não tem desculpas pelo seu esquecimento. (apesar dos risos, estava falando sério)

E retornei à mesa relatando o que tinha se passado. Finalmente, sugeri que deixássemos a conta para Jorge Xavier pagar, mas, desisti, sob pena de matá-lo do coração.

Pensei, também, o Jorge foi outro, um pouco diferente de Moreto, mas que com seu carisma marcou seu tempo em nossos corações, seu nome permanecia vivo e deixou saudades. E quanto a isso, parecia que Braga não tinha dúvidas e era um dos que sentia muito a sua falta.

Aproveitamos para lamentar a ausência do restante do pessoal: Jorge, Wilmar, Garcez, Krieger, Valério... e me senti mais pobre do que nunca, não sei se pela falta dos amigos, era péssimo iniciar o  novo milênio daquele jeito, com o pessoal disperso, desconectado, desinteressado... e cheios de razões, cada um com suas verdades. Sim, definitiva e dificilmente haveria uma próxima reunião, parecia o fim do grupo.

“Os grandes parceiros”:

O Coronel Backes parecia estar preocupado com a imprensa, aliás, nos últimos tempos ninguém ouvia falar mais sobre seu nome, apenas aquele “zunzunzum” acerca de revolta de oficiais:

Parceria

Aproveitamos o início de um novo ano para transmitir ao DC nosso muito obrigado por tudo que fizemos em parceria durante 1999. Durante esse período, a Polícia Militar de Santa Catarina teve a grata satisfação de conviver diariamente com este importante veículo de comunicação, que além de informar presta um serviço permanente de cidadania à população de nosso Estado. Desejo externar o reconhecimento pela atitude fidalga e profissional com que seus repórteres, produtores e demais funcionários se portaram em nossos contatos, pois juntos procuramos apresentar os fatos de forma transparente e franca. Major PM José Wolny de Souza – Oficial de Comum. Social da PM/SC.; (DC, Diário do Leitor, 7.01.2000, pág. 42).

“Papagaio”:

Turistas

Papagaio, o foragido gaúcho mais procurado do país, foi preso ontem em Ibiraquera, por um delegado gaúcho. Os dois – bandido e polícia – estavam de férias em Santa Catarina. (DC, Cacau Menezes, 07.01.2000, pág. 43)

Os jornais estampavam a foto do “bandido” mais temido do sul do país: “papagaio”.  Fica a polícia (operacional) nivelado com esse tipo de “bandido”...  Um grande trunfo para os grandes... (grandes empresários..., banqueiros, políticos... ) que têm sempre o povo de joelhos... e assegurado o eterno triunfo.

 “Um pouco de 9(s)  e de H(s)":

O Ouvidor que nunca foi policial e só pensava em controlar a Polícia, só não apresentava fórmulas de como estimular a coragem, os valores, as ações... dos policiais, ou seja, se preocupava muito com a “mordaça”, com o excesso de controles e muito pouco com a “raça”, ciência no combate ao crime num pais como o Brasil, a questão de valorizar e estimular o policial a arriscar sua vida, a abandonar sua família, a viver sob um estresse permanente com prejuízos irremediáves a sua saúde... O lado bom era que havia uma preocupação em falar sobre a necessidade de se criar um novo modelo de Polícia, mas que fosse uma "polícia da democracia” (aliás, mas esse não seria o regime absolutista de governo preferido..., por quê?”), no meu caso preferia falar de uma "polícia humanista", cujo foco estaria a desesa da sociedade, juntamente com a Justiça (e principalmente Ministério Público) para limitar os efeitos ilimitados e nefastos do "Poder Econômico" sobre a sociedade, assegurar que o Estado fizesse investimentos maciços em Educação, Saúde e no planejamento familiar, tudo isso em conjunto com o fim da corrupção, um sistema tributário justo e o apoio aos empresários sérios, honestos e comprometidos com: a) geração de empregos, b) modernidade, c) investimentos,  e d) crescimento econômico do país. Acreditava piamente que em poucos anos, décadas... nosso país seria bem diferente. Mas a quem interessaria ter uma Justiça, um Ministério Público e  Polícias de governo a serviço do Poder Econômico absolutista?  Sim, a democracia do jeito que se aprentava talvez trouxesse consigo a fórmula desse absolutismo, pois se de um lado fazia as pessoas acreditarem no peso do seu "voto", por outro, quem definia partidos políticos e a maioria dos candidatos com chances de se elegerem era o poder do "dinheiro". Diante de qualquer ameaça o "Poder Econômico" se reinventa ainda mais forte para continuar mantendo sua supremacia sobre a sociedade por meio de suas "côrtes". Mas vamos lá:

Autonomia e independência

Benedito Domingos Mariano

(...)

O legado que o período escravocrata e os quase 40 anos de períodos de exceção – da ditadura Vargas ao período militar – nos deixaram foi uma força policial ineficiente, corrupta e autoritária. A lógica do aparato repressivo do Estado autoritário era a lógica da defesa  do “status quo” das elites conservadoras. O obscurantismo por que passou o Estado forjou um modelo de polícia alicerçado em dois pilares, o arbítrio e a violência, e o descontrole da força policial se justificava porque ela era capaz de segregar  amplos setores “indesejáveis” da sociedade. A polícia tinha como função o controle social (...). Não basta ter autonomia e independência como condições do controle externo se essas mesmas condições não forem garantidas aos órgãos de controle  interno. As ouvidorias de polícia e o Ministério Público devem exigir que os órgãos corregedores internos tenham as mesmas prerrogativas dos órgãos de controle externo. Como um órgão de controle interno, sem autonomia  e independência vai poder atuar no combate ao crime organizado se em determinados casos a investigação  sobre esse tipo de crime está revelando indícios de envolvimento de setores das polícias? A força policial que é  incapaz de coibir e inibir  o crime organizado envolvendo seus pares vai ser incompetente e ineficiente  para coibir e inibir o roubo de carga, o narcotráfico e qualquer outro delito grave cometido por qualquer pessoa. O atual modelo de polícia inspirado no controle social se esgotou. Nós vivemos uma crise no setor de segurança pública que é uma crise de estrutura, não de conjuntura. É preciso criar um novo modelo de polícia no Brasil, sem a dualidade  que caracteriza a função policial de hoje, com regulamento disciplinar único e civil, com um único órgão de informação e inteligência, com estabelecimento de um piso e um teto salarial nacional, com corregedorias únicas, autônomas e independentes das direções das polícias e carreira própria, com rigoroso controle do uso da força letal. Uma polícia que, além de combater  com eficiência a criminalidade, também tenha como função garantir a legalidade democrática. Uma polícia da democracia” (Folha de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, 9.01.2000, pág. 3).

Benedito teria razão em suas considerações... pelo sim e pelo não, com seu discurso estava ocupando espaços preciosos na mídia, e a expectativa era para ver onde iria chegar?

E no Rio de Janeiro o projeto da “Delegacia Legal” do Governador “Garotinho”:

Tendências/Debates

Exemplo para o país

Anthony Garotinho

A segurança pública sempre foi, ao mesmo tempo, tema infalível nas campanhas eleitorais e assunto tabu após as eleições. A mesma análise  que apontava o crime e a violência como dramas prioritários para a população no momento eleitoral servia mais tarde para colocar a questão de lado, já que o problema era insolúvel  e suas causas, estruturais e históricas (...).

Em um ano, o novo governo do Rio mostrou que a prioridade da campanha é a mesma da administração e que é possível implementar uma verdadeira política  de segurança, baseada na integração e na inteligência, com ênfase, ao mesmo tempo, na prevenção e na repressão (...).

Começamos também uma reforma estrutural do trabalho policial. Foram criadas as áreas integradas de segurança pública (Aisp), em que delegados e comandantes de batalhões traçam em conjunto suas estratégias de combate à criminalidade (...).

Em cada uma dessas áreas, foram instalados também Conselhos Comunitários de Segurança, para aproximar as autoridades policiais do cidadão (...). Além da integração das polícias, é necessária a integração com as comunidades, as prefeituras e suas guardas e outras agências governamentais para termos ações efetivas e específicas contra o crime em cada área (...).

Com o projeto Delegacia Legal, vamos informatizar  e reformular o atendimento, reformar e acabar com as carceragens de todas as delegacias do Estado. Já em 2000, o Rio será a única grande cidade do país sem nem um preso sequer em suas delegacias (...).

Estamos montando ainda o Centro Unificado de Polícia Técnica, que contará com os mais modernos equipamentos para a identificação criminal e laboratórios para exames especiais. As delegacias especializadas – abandonadas no governo anterior – também passaram a merecer atenção especial com a compra de novos equipamentos e o crescimento de seus efetivos (...).

Os resultados dessa política de segurança ainda estão longe do ideal (...).

Ao enfrentar os primeiros desagios nesse setor, políticos mais experientes vieram me aconselhar a deixar as questões da segurança para auxiliares,pois elas só me trariam desgaste político. Acredito, entretanto, que nada pode ser pior do que o desgaste de virar as costas ou cruzar os braços. Após um ano de governo, a população do Rio sabe que tem um governador que enfrenta o problema e segue uma política de segurança firme para resolvê-lo (...)” (Folha de São Paulo, 9.01.2000, págs. ¾).