PARTE CCXXXIX - “NOVO MILÊNIO: A VELHA JUSTIÇA, AS VELHAS POLÍCIAS, NADA DE NOVO?”
Publicado em 30 de abril de 2018 por Felipe Genovez
PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA
Data: 04.01.2000 - “A Polícia operacional e o Tolerância zero às vésperas do novo milênio”
“O Vale-tudo”:
Saí do gabinete do Delegado-Geral pensando na triste condição em que sempre nos encontramos: “À mercê dos governos, sob pena de sermos exterminados, discriminados, violentados... Enquanto isso, tudo era permitido fazer com os marginais, desde execrá-los, torturá-los, persegui-los, anulá-los... enfim, era um vale-tudo, sob o olhar complacente de alguns defensores de direitos humanos que nada mais são do que parte de um todo e de um jogo.
Horário: 20:00 horas - “O primeiro encontro do grupo no novo ano”:
Braga durante o transcorrer do dia já havia me procurado, queria saber do jantar do grupo e lembrei que estávamos na primeira terça-feira do mês de janeiro do novo ano. Logo no primeiro horário da manhã, quando me encontrou na Delegacia-Geral foi me perguntando:
- Felipe tá confirmado o jantar lá no Candeias?
- Ah, sim!
No período vespertino, ao chegar na “Assistência Jurídica” reiterou sua preocupação:
- Felipe tá confirmado com o pessoal hoje à noite?
- Olha Braga para falar a verdade eu não conversei com ninguém ainda, se nós tratamos que sempre será na primeira terça-feira do mês não vou ficar por aí cobrando aquilo que já ficou acertado, certo?
- É verdade, eu estarei lá de qualquer jeito.
- Eu também.
Braga ainda lembrou que tinha um aniversário para ir, porém, não iria faltar outra vez o nosso compromisso. Fiquei pensando: “vamos deixar a coisa solta só para ver como o pessoal vai se comportar”.
À noite, antes ainda das vinte horas cheguei no Restaurante San Remo (antigo Candeias II) e me sentei sozinho próximo da televisão que estava ligada no Jornal da Bandeirantes. Pedi uma cerveja e um queijo provolone, conforme já era costume. Nada de Jorge, de Cezinha, nada dos outros...
Em seguida chegou Braga que constata que estávamos somente nós dois ali frente à frente:
- Olha Braga eu acho que somos só nós dois mesmos.
Tive certeza que Jorge estava em casa, pois passei próximo de sua residência e vi seu carro estacionado na frente (caminhonete cabine dupla vermelha). Certamente esqueceu o compromisso, mas deveria telefonar mais tarde para saber do movimento do restaurante, aliás, disso ele não esqueceria e seria informado da nossa presença.
Eu e Braga repisamos alguns assuntos, fiz um relato do que ocorreu à tarde com Moreto sobre o Delegado Darolt. Durante o curso do tempo o Delegado Braga fez alguns registros:
- “O Moretto é uma excelente pessoa, mas para administrar a Polícia Civil não dá porque não tem coragem de bater nos fortes...; (Braga)
(...)
- “O Maurício Eskudlark deverá ser o futuro Delegado-Geral, parece que já existe um acerto e é imposição de Sché...”; (Braga)
(...)
- “A Polícia não aparece na mídia e o Diretor de Polícia do Litoral é que resolve tudo...; (Braga)
(...)
- “O Rachadel é quem está mandando...”; (Braga)
(...)
- “Na época da Lúcia, o Moreto não mandava nada, não se impunha, e o Gabinete mandava resolver tudo com o Braga... eu me sentia até envergonhado com o fato de passarem por cima da autoridade do Delegado-Geral...; (Braga)
(...)
- “O período Jorge Xavier deixou saudades... , ele fez uma grande administração;
(...)
- “O complô para derrubar Jorge foi articulado, principalmente, pelo Ademar Rezende, pelo Oscar e o Valkir...” (Braga)
(...)”.
Quanto às críticas ao Delegado-Geral Moreto, enquanto Braga acionava sua metralhadora (até como um desabafo), fiquei pensando que só não havia sido dito que ele era um sábio, e que sua visão de mundo estava muito além da realidade que o cercava. Moreto havia aprendido a amar a instituição da sua forma, como também as pessoas à sua maneira, recolhido no seu silêncio, evidente que possuía limitações, mas como não tê-las diante do caos? Era uma satisfação tê-lo não só como chefe, mas como companheiro e amigo, muito embora soubesse das suas limitações...
Depois dessas ilações pessoais, lá pelas tantas chegou Cláudio Palma Moura, isso já passado das vinte uma hora. E ficamos nós três ali conversando..., até que tive um surto de empolgação, coisa rara nos últimos tempos:
- Olha pessoal este nosso encontro aqui é de fundamental importância, eu não sei se vocês concordam, mas é fora do ambiente de trabalho que nós podemos conversar sobre tudo, especialmente, acerca de nossa instituição onde nós passamos grande parte de nossas vidas. Muitas vezes o Braga vai lá na minha sala e eu estou sempre ocupado, não tenho muito tempo de lhe dar atenção, são tantas coisas para ler e fazer, mas aqui é diferente, a gente se sente à vontade para conversar sobre tudo e assim que podemos pensar em construir algo melhor. Essas nossas reuniões são um retrado de nossa Polícia, veja Cláudio, nós aqui com o nível de discernimento que temos nos encontramos nesse estágio, imagina unir todos os outros, fica muito difícil.
Cláudio ao meu lado fez um movimento com a cabeça, querendo dizer que concordava e procurei controlar minha emoção, até para ver o eco de minhas palavras e a sua intensidade perante meus amigos.
Tentei ainda, sem êxito, telefonar para o Krieger, seu celular simplesmente chamava e ninguém atendia.
Lá pelas tantas, ouvi o garçon no telefone e deu para perceber que estava conversando com Jorge Xavier que soube que estávamos ali:
- Doutor Felipe, o doutor Jorge quer falar com o senhor. (garçon)
- O quê? Diz para ele que eu não quero conversa com ele, estamos aqui há mais de uma hora e ele não aparece.
- Não, mas doutor Felipe ele está chamando o senhor. (garçon)
- Não! Diz para ele que não tem conversa, que não tem desculpas pelo seu esquecimento. (apesar dos risos, estava falando sério)
E retornei à mesa relatando o que tinha se passado. Finalmente, sugeri que deixássemos a conta para Jorge Xavier pagar, mas, desisti, sob pena de matá-lo do coração.
Pensei, também, o Jorge foi outro, um pouco diferente de Moreto, mas que com seu carisma marcou seu tempo em nossos corações, seu nome permanecia vivo e deixou saudades. E quanto a isso, parecia que Braga não tinha dúvidas e era um dos que sentia muito a sua falta.
Aproveitamos para lamentar a ausência do restante do pessoal: Jorge, Wilmar, Garcez, Krieger, Valério... e me senti mais pobre do que nunca, não sei se pela falta dos amigos, era péssimo iniciar o novo milênio daquele jeito, com o pessoal disperso, desconectado, desinteressado... e cheios de razões, cada um com suas verdades. Sim, definitiva e dificilmente haveria uma próxima reunião, parecia o fim do grupo.
“Os grandes parceiros”:
O Coronel Backes parecia estar preocupado com a imprensa, aliás, nos últimos tempos ninguém ouvia falar mais sobre seu nome, apenas aquele “zunzunzum” acerca de revolta de oficiais:
Parceria
Aproveitamos o início de um novo ano para transmitir ao DC nosso muito obrigado por tudo que fizemos em parceria durante 1999. Durante esse período, a Polícia Militar de Santa Catarina teve a grata satisfação de conviver diariamente com este importante veículo de comunicação, que além de informar presta um serviço permanente de cidadania à população de nosso Estado. Desejo externar o reconhecimento pela atitude fidalga e profissional com que seus repórteres, produtores e demais funcionários se portaram em nossos contatos, pois juntos procuramos apresentar os fatos de forma transparente e franca. Major PM José Wolny de Souza – Oficial de Comum. Social da PM/SC.; (DC, Diário do Leitor, 7.01.2000, pág. 42).
“Papagaio”:
Turistas
Papagaio, o foragido gaúcho mais procurado do país, foi preso ontem em Ibiraquera, por um delegado gaúcho. Os dois – bandido e polícia – estavam de férias em Santa Catarina. (DC, Cacau Menezes, 07.01.2000, pág. 43)
Os jornais estampavam a foto do “bandido” mais temido do sul do país: “papagaio”. Fica a polícia (operacional) nivelado com esse tipo de “bandido”... Um grande trunfo para os grandes... (grandes empresários..., banqueiros, políticos... ) que têm sempre o povo de joelhos... e assegurado o eterno triunfo.
“Um pouco de 9(s) e de H(s)":
O Ouvidor que nunca foi policial e só pensava em controlar a Polícia, só não apresentava fórmulas de como estimular a coragem, os valores, as ações... dos policiais, ou seja, se preocupava muito com a “mordaça”, com o excesso de controles e muito pouco com a “raça”, ciência no combate ao crime num pais como o Brasil, a questão de valorizar e estimular o policial a arriscar sua vida, a abandonar sua família, a viver sob um estresse permanente com prejuízos irremediáves a sua saúde... O lado bom era que havia uma preocupação em falar sobre a necessidade de se criar um novo modelo de Polícia, mas que fosse uma "polícia da democracia” (aliás, mas esse não seria o regime absolutista de governo preferido..., por quê?”), no meu caso preferia falar de uma "polícia humanista", cujo foco estaria a desesa da sociedade, juntamente com a Justiça (e principalmente Ministério Público) para limitar os efeitos ilimitados e nefastos do "Poder Econômico" sobre a sociedade, assegurar que o Estado fizesse investimentos maciços em Educação, Saúde e no planejamento familiar, tudo isso em conjunto com o fim da corrupção, um sistema tributário justo e o apoio aos empresários sérios, honestos e comprometidos com: a) geração de empregos, b) modernidade, c) investimentos, e d) crescimento econômico do país. Acreditava piamente que em poucos anos, décadas... nosso país seria bem diferente. Mas a quem interessaria ter uma Justiça, um Ministério Público e Polícias de governo a serviço do Poder Econômico absolutista? Sim, a democracia do jeito que se aprentava talvez trouxesse consigo a fórmula desse absolutismo, pois se de um lado fazia as pessoas acreditarem no peso do seu "voto", por outro, quem definia partidos políticos e a maioria dos candidatos com chances de se elegerem era o poder do "dinheiro". Diante de qualquer ameaça o "Poder Econômico" se reinventa ainda mais forte para continuar mantendo sua supremacia sobre a sociedade por meio de suas "côrtes". Mas vamos lá:
Autonomia e independência
Benedito Domingos Mariano
(...)
O legado que o período escravocrata e os quase 40 anos de períodos de exceção – da ditadura Vargas ao período militar – nos deixaram foi uma força policial ineficiente, corrupta e autoritária. A lógica do aparato repressivo do Estado autoritário era a lógica da defesa do “status quo” das elites conservadoras. O obscurantismo por que passou o Estado forjou um modelo de polícia alicerçado em dois pilares, o arbítrio e a violência, e o descontrole da força policial se justificava porque ela era capaz de segregar amplos setores “indesejáveis” da sociedade. A polícia tinha como função o controle social (...). Não basta ter autonomia e independência como condições do controle externo se essas mesmas condições não forem garantidas aos órgãos de controle interno. As ouvidorias de polícia e o Ministério Público devem exigir que os órgãos corregedores internos tenham as mesmas prerrogativas dos órgãos de controle externo. Como um órgão de controle interno, sem autonomia e independência vai poder atuar no combate ao crime organizado se em determinados casos a investigação sobre esse tipo de crime está revelando indícios de envolvimento de setores das polícias? A força policial que é incapaz de coibir e inibir o crime organizado envolvendo seus pares vai ser incompetente e ineficiente para coibir e inibir o roubo de carga, o narcotráfico e qualquer outro delito grave cometido por qualquer pessoa. O atual modelo de polícia inspirado no controle social se esgotou. Nós vivemos uma crise no setor de segurança pública que é uma crise de estrutura, não de conjuntura. É preciso criar um novo modelo de polícia no Brasil, sem a dualidade que caracteriza a função policial de hoje, com regulamento disciplinar único e civil, com um único órgão de informação e inteligência, com estabelecimento de um piso e um teto salarial nacional, com corregedorias únicas, autônomas e independentes das direções das polícias e carreira própria, com rigoroso controle do uso da força letal. Uma polícia que, além de combater com eficiência a criminalidade, também tenha como função garantir a legalidade democrática. Uma polícia da democracia” (Folha de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, 9.01.2000, pág. 3).
Benedito teria razão em suas considerações... pelo sim e pelo não, com seu discurso estava ocupando espaços preciosos na mídia, e a expectativa era para ver onde iria chegar?
E no Rio de Janeiro o projeto da “Delegacia Legal” do Governador “Garotinho”:
Tendências/Debates
Exemplo para o país
Anthony Garotinho
A segurança pública sempre foi, ao mesmo tempo, tema infalível nas campanhas eleitorais e assunto tabu após as eleições. A mesma análise que apontava o crime e a violência como dramas prioritários para a população no momento eleitoral servia mais tarde para colocar a questão de lado, já que o problema era insolúvel e suas causas, estruturais e históricas (...).
Em um ano, o novo governo do Rio mostrou que a prioridade da campanha é a mesma da administração e que é possível implementar uma verdadeira política de segurança, baseada na integração e na inteligência, com ênfase, ao mesmo tempo, na prevenção e na repressão (...).
Começamos também uma reforma estrutural do trabalho policial. Foram criadas as áreas integradas de segurança pública (Aisp), em que delegados e comandantes de batalhões traçam em conjunto suas estratégias de combate à criminalidade (...).
Em cada uma dessas áreas, foram instalados também Conselhos Comunitários de Segurança, para aproximar as autoridades policiais do cidadão (...). Além da integração das polícias, é necessária a integração com as comunidades, as prefeituras e suas guardas e outras agências governamentais para termos ações efetivas e específicas contra o crime em cada área (...).
Com o projeto Delegacia Legal, vamos informatizar e reformular o atendimento, reformar e acabar com as carceragens de todas as delegacias do Estado. Já em 2000, o Rio será a única grande cidade do país sem nem um preso sequer em suas delegacias (...).
Estamos montando ainda o Centro Unificado de Polícia Técnica, que contará com os mais modernos equipamentos para a identificação criminal e laboratórios para exames especiais. As delegacias especializadas – abandonadas no governo anterior – também passaram a merecer atenção especial com a compra de novos equipamentos e o crescimento de seus efetivos (...).
Os resultados dessa política de segurança ainda estão longe do ideal (...).
Ao enfrentar os primeiros desagios nesse setor, políticos mais experientes vieram me aconselhar a deixar as questões da segurança para auxiliares,pois elas só me trariam desgaste político. Acredito, entretanto, que nada pode ser pior do que o desgaste de virar as costas ou cruzar os braços. Após um ano de governo, a população do Rio sabe que tem um governador que enfrenta o problema e segue uma política de segurança firme para resolvê-lo (...)” (Folha de São Paulo, 9.01.2000, págs. ¾).