PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 03.12.99, horário: 09:40 horas – “Quem é quem?”

Estava na “Assistência Jurídica” da Delegacia-Geral e resolvi dar uma descida até o primeiro andar para conversar com o Delegado Braga (minutos antes já  havia encontrado o Delegado Wilmar Domingues):  

  • Oi amigão! (Felipe)

Braga estava lendo o jornal (Diário Catarinense):

  • Até pensei que fosse o Wilmar pela voz.
  • Mas o Wilmar falou...
  • Mas quem é que disse “será que o Braga está aí?”, foi o que eu ouvi!
  • Ah, sim!

E Braga sacou um documento relativo aos bingos que foi dirigido ao presidente da Adpesc:

“Dr. Mário Martins

Presidente da ADPESC

Senhor Presidente

Fomos surpreendidos no dia 29/11/99, por reportagem publicada na coluna de Paulo Alceu, no Diário Catarinense (xerox em anexo), onde em seu último parágrafo citava ‘Esta semana deverá desembarcar na Assembleia uma proposta de projeto de lei, coordenada pela CODESC, passando para o Estado o controle de toda espécie de Jogo, inclusive bingos e Vídeo Loterias’.

No meu entendimento, Vídeo Loterias (caça níqueis) são ilegais, tanto que estão sendo apreendidas em todos Estados da Federação, com exceção de Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.

O que nos preocupa, no entanto, é a perda de mais uma atividade constitucional, considerando que já perdemos: vigilância patrimonial, acidentes de trânsito sem vítima, termos circunstanciados, Diretoria de Polícia Técnica Científica, futuramente o DETRAN (se já não perdemos) Secretaria de Segurança, etc.

De imediato entrei em contato com o Senhor DGPC, Dr. Evaldo Moreto, expus o problema e ele assumiu o compromisso de verificar o que está acontecendo.

Atualmente as máquinas de ‘Vídeo Loterias’, só em Florianópolis existem 550 (quinhentos e cinquenta), a 115 UFIR por mês, são arrecadados em torno de R$ 60.000 mensais, no ano R$ 720.000.

Arrecadação esta que fica inteiramente na CODESC, devido ao convênio assinado pelo ex-governador, ex-secretária  e ex-presidente da CODESC (cópia em anexo).

Vale lembrar que as Vídeos Loterias estão com casas em todo Estado de Santa Catarina, imaginem a arrecadação total.

Como temos dois Deputados Delegados, Senhor Presidente, acredito que devemos sensibilizá-los no sentido de não perdermos de novo.

Minha intenção com esta carta é que o Presidente da ADPESC e seus diretores também assumam esta luta, e que junto com o Senhor Delegado-Geral lutem para preservar nossas atribuições Direitos Constitucionais.

Em anexo parecer jurídico a respeito.

Outrossim, comunico que estou enviando cópia desta missiva ao Senhor DGPC.

Lauro Cézar Radtke Braga

Delegado de Polícia Especial

Responsável pela GFJD

Depois que li na íntegra esse documento:

  • Braga você se importa se eu tirar uma cópia para mim?

Um pouco parecendo balançar, respondeu:

  • Eu não vou mandar mais esse documento para frente, eu ia, mas já desisti.
  • Mesmo assim, me interessa.
  • Então tá!

E antes que ele mudasse de opinião, fui até a sala do xerox e com a ajuda de Wilmar Domingues tratei de assegurar uma cópia fiel.

Em seguida retornei a salinha de Braga:

  • Tá aqui!.

E, devolvi o original. Braga continuou a falar sobre aquele assunto:

  • Felipe só com a arrecadação com essas máquinas, se fosse cobrado a taxa de fiscalização a Polícia Civil seria estruturada, é uma fábula o dinheiro, como é que pode a Lúcia ter vendido isso para a Codesc? Fez isso por  trinta mil reais, eu não me conformo, ela entregou tudo para eles naquele convênio, tu imaginas o que eles fizeram?
  • Mas isso vem de outros governos, não?

E Wilmar Domingues que estava sentado do meu lado adicionou:

  • Que outros governos? Isso vem do governo passado!
  • Sim, o Cesar Souza agora está insistindo para legalizar duzentas máquinas. (Braga)
  • O que? Até o Cesar Souza está nessa, ah, não brinca? (Felipe)
  • Sim, ele está insistindo, eu não vou dar licença alguma, não adianta, é ilegal, eu até dei no início alguns alvarás, mas depois do parecer, agora que sei que é ilegal não adiante, até o Hélio Costa esteve aqui querendo agilizar, cobrar a expedição, não adianta, eu fico com pena do Moreto. (Braga)
  • Ah, sim, imagina a pressão sobre ele, não é de graça que ele não quer mais nem ouvir falar nesse assunto. (Felipe)

(...)

Em seguida Braga apanhou dois outros documentos, um deles com a relação dos estabelecimentos denunciados por estarem ilegais, cuja relação havia encaminhado para o Delegado-Geral Moreto  me mostrou um outro confidencial. Depois de ler:

  • Puxa, só tem peixe graúdo, só tubarão? (Felipe)
  • Só tubarão!. Tu precisas ver isso, eu já sei tudo, como é que é operar a lavagem de dinheiro, tem esse espanhol Escorza aí que se diz Consul da Espanha. (Braga)
  • Sim, eu vi o nome dele. Braga eu posso tirar uma cópia desse documento também? (Felipe)

Dessa vez Braga parecia mais receptivo., mesmo assim não disse nem que sim ou que não:

  • Eu acho que não, não quero criar problemas para ti, mas é que eu tenho interesse nisso. (Felipe)
  • É confidencial, olha aqui o que está escrito (aponta Vilmar Domingues para o carimbo na parte de baixo documento)
  • É verdade,  é confidencial, deixa para lá Braga! (Felipe)
  • Não, se tu vais lançar esse teu livro daqui uns vinte anos não tem problema, agora é em “off”, tá bom! (Braga)
  • Tudo bem então! (Felipe)

E, rapidamente o próprio Braga pediu que uma servidora fosse tirar a cópia, o que me surpreendeu pela rapidez:

ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA

DELEGACIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

GERÊNCIA DE FISCALIZAÇÃOD E JOGOS E DIVERSÕES PÚBLICAS – GFJD

AV. OSMAR CUNHA, 263 – CENTRO/FPOLIS/SC – CEP: 88015-100

Fone: (0XX48) 224-5200 RAMAL: 287

CI N. 102/GDFD/99      

CONFIDENCIAL

Florianópolis, 25 de novembro de 1999

DA: GERÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO DE JOGOS E DIVERSÕES

PARA: EVALDO MORETTO - DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA CIVIL

Senhor Delegado-Geral,

Em anexo encaminho a Vossa Senhoria cópia xerox de matéria publicada na data de hoje (25.11.99), no jornal A Notícia, sobre máquinas de caça-níqueis apreendidas pela Receita Federal no Porto de Itajaí.

O que me chamou atenção, senhor Delegado-Geral, foi na divulgação dos importadores de máquinas SUL MATIC ADMINISTRADORAS DE BENS.

Segundo investigações  realizadas, o proprietário é senhor ANTONIO ESCORZA ANTONANZAS, que se diz Cônsul da Espanha para Santa Catarina.

Atualmente este senhor é proprietário do CHIC BINGO situado no calçadão da Felipe Schmidt c/ rua Trajano.

Entre outras, enumeramos algumas informações que temos a respeito deste espanhol:

  • importa máquinas de caça-níqueis desde o ano 1995;
  • possui ligações estreitas com alguns funcionários da CODESC, segundo consta, recentemente um deles viajou com ANTONIO ESCORZA para a Espanha (trata-se de informe);
  • além do CHIC BINGO, possui casa de Vídeos em Joinville e outros municípios do Estado. Devido a nossa afinidade com a CODESC, por diversas vezes solicitamos relação das vídeos  loterias do Estado, porém nunca nos foi enviado;

As informações acima são sigilosas e confidenciais. Na próxima semana estaremos viajando para Joinville e Blumenau para levantarmos mais dados à respeito.

Sugiro, também, investigações a respeito pela Central de Inteligência da Polícia Civil, principalmente na área de outros Estados, outros países, Secretaria da Fazenda, Junta Comercial, etc.

Atenciosamente,

LAURO CÉZAR RADTKE BRAGA

DELEGADO DE POLÍCIA ESPECIAL

RESPONSÁVEL PELA GFJD

O DESTINATÁRIO É RESPONSÁVEL pela manutenção do SIGILO deste DOCUMENTO (art. 12 do Regulamento para salvaguarda de documentos sigilosos aprovado pelo Decreto n. 70.099, de 06.01.77

E, continuamos nossa conversação:

  • Eu estava falando com o Botini e ele me disse que eu só podia estar fazendo isso por que sou um Delegado Especial. (Braga)
  • Como é que é? (Felipe)
  • Sim, ele disse, só porque sou um Delegado Especial, em razão disso eles me respeitam, temem, não podem mexer comigo facilmente. (Braga)
  • Ah, sim, mas por que isso? É porque o Delegado Especial tem garantias,  como a lotação na Delegacia-Geral, agora imagina se você fosse um comissionado, jamais você iria contrariar as ordens dos superiores. (Felipe)
  • Eu encontrei o André, outro dia,  gosto muito dele. (Braga)
  • André? Quem é o André? (Felipe)
  • O Procurador de Justiça aposentado, gosto muito dele, sempre falo com ele. (Braga)
  • Sei, o M.? (Felipe)
  • Sim, mas tu precisas ver o que ele falou dessa corrupção. Ele disse que já no governo Kleinubing, na época do Pacheco, logo depois que ele saiu, foi convidado para ser o Secretário de Segurança Pública e não aceitou. Ele  me disse que fez isso porque não concordava que os Delegados fossem comandados por um Promotor, onde já se viu? (Braga)
  • Ele disse isso para ti Braga, fala sério? (Felipe)
  • Sim, por quê? Tu concordas que o Secretário seja um Promotor? (Braga)
  • Não é isso, claro que não, tanto que no nosso projeto que propõe a criação da Procuradoria-Geral de Polícia a ideia era bem outra. (Felipe)
  • Sim, mas tu precisas ver o que ele  falou desse Secretário aí, meu Deus,  ele falou horrores. (Braga)
  • Do Chinato! (Wilmar)
  • O quê? Olha já que nós estamos aqui lavando roupa suja e estamos entre colegas queres saber o que eu penso realmente? (Felipe)
  • Sim! (Braga)
  • Esse André é um f., c. e e., sempre foi assim, tem duas c., quando encontra um Delegado sentava o pau nos outros, e quando está com os outros senta o pau...., sinceramente, é muito bonzinho, mas não é c. (Felipe)
  • O quê?  Não acredito, tu tens certeza Felipe?  Eu sempre tive ele em boa conta. (Braga)
  • Sinceramente, olha eu estou dizendo isso porque é o que eu penso, queria estar errado, nunca vi ele fazer nada pela polícia, é um f. (Felipe)
  • É mesmo? (Braga)
  • E esse negócio dele sentar o pau no Chinato, olha todo mundo sabe que lá dentro é assim mesmo, são várias facções buscando o poder, o Wilmar sabe disso, né, ele tem um irmão que é Procurador lá dentro, não é Wilmar? (Felipe)
  • Sim, é verdade! Lá tem as facções deles, cada uma  puxando para um lado, e eles brigam, brigam... (Wilmar)
  • Pois é, então pela frente ele até pode até fazer uma média com a gente,  mas por trás... (Felipe)
  • Mas eu acho que ele não é da maçonaria, ele até falou que o Moreto só conseguiu chegar no cargo de Delegado-Geral por causa da maçonaria,  se não não teria dito isso. (Braga)
  • Eu não sei se ele integra a maçonaria, mas no Ministério Público tem esse negócio da velha guarda e a nova geração... (Felipe)
  • Tem a turma do Felipe, do Felipão...! (Wilmar)
  • É, do 'Aberton', do 'Kurtz'...! (Felipe)

(...)”.

E depois Braga concluiu fazendo um comentário de que a Delegada Ester não havia conseguido a direção da Academia da Polícia Civil porque o Delegado Mário Martins, Presidente da Adpesc, não teria recomendado o seu nome para o ex-Secretário Luiz Carlos Carvalho.

De saída, Braga pediu para que lembrasse Krieger do nosso jantar na próxima semana. No retorna à “Assistência Jurídica” novamente lembrei da conversa com o ex-Deputado Federal Dércio Knop, especialmente, sobre a máfia dentro do governo responsável pelos jogos de azar, também, do papel da Delegada Lúcia Stefanovich que na sua gestão à frente da Secretária de Segurança Pública abriu mão das prerrogativas da Polícia Civil, deixando que a Codesc assumisse nossas competências, e a troco do quê? Nesse cenário, não tinha não pensar na ação da banda podre e seus interesses escusos no cenário governamental e político, agindo nas licitações, super faturamento de projetos (e seus aditivos), sonegações, caixa dois de campanhas, pagamento de propinas, negociações para aprovação de projetos na Alesc, favorecimentos..., do papel da imprensa (e do seu silêncio...), a lavagem de dinheiro por meio principalmente do sistema financeiro (que não investiga nada...) e do papel do Ministério Público nesses processos..., certamente que se apoiasse nosso projeto de unificação e trabalhando em conjunto com os Procuradores de Polícia, Delegados e Oficiais da PM (uma Polícia de Estado) certamente que se poderia mudar toda uma realidade e se prevenir principalmente a corrupção? Enquanto isso não acontece... pão e circo!

Horário: 22:00 horas:

O Delegado-Geral Moreto havia ligado para minha residência e recebi seu recado. Logo em retornei a ligação apesar de ter sido avisado de que não era nada urgente, aliás, era sobre a palestra no dia seguinte à noite sobre os Inspetores de Polícia:

“(...)

  • A carreira de Inspetor de Polícia estrategicamente é fundamental, pois ela é o elo que liga o Subgrupo Autoridade Policial ao Subgrupo Técnico Profissional, e é por isso que ela está encimando as carreiras do Subgrupo Técnico Científico, aliás, sofri críticas em razão disso, por ter proposto na redação da Lei Complementar 055 que os Inspetores ficassem nesse patamar junto com os Peritos e Psicólogos. (Felipe)
  • Sim, eu sei, os Peritos criticam muito a Lei Complementar 55. (Moreto)
  • Mas é evidente, os serviços técnicos científicos pertencem a Polícia Civil e não aos Peritos. (Felipe)
  • Eu outro dia estava indo para Joinville e no carro estava o Secretário e o Celito. Eu tive uma refrega com o Celito por causa disso ao ponto do Chinato interferir e dizer: “o que é isso? Vamos parar com essa discussão,  nós somos todos parte do mesmo time!” (Moreto)
  • E na verdade Moreto nós da Polícia Civil não podemos abrir mão daquilo que é patrimônio nosso, podemos negociar com eles outras coisas, como salários, menos isso. (Felipe)
  • Mas eu disse que essa divisão não é interessante para ambas as partes,  enfraquece a ambas as partes, eles ficariam isolados, sem expressão. (Moreto)
  • Olha Moreto o fato é que nós somos os maiores prejudicados, especialmente os Delegados. (Felipe)

(...)”.

E pensei nas propostas da Adpesc para alteração do Estatuto da Polícia Civil, Leis Complementares 55/92 e 98/93, seria hora de se mexer nisso? Lamentei não ter dito isso para o Moreto (entendia que era também o pensamento do experiente e visionário Ademar Rezende), pois essas legislações eram muito boas, precisavam ser aperfeiçoadas, e quando viesse a lei orgânica aí sim poderia se pensar em uma reforma.

Como era suspeito de falar sobre isso (já que fui  o autor da redação dessas duas legislações), fiquei feliz de não ter externado minhas opiniões, poderia dar a impressão de estar me sentido afrontado, preterido...