PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 05.12.99: “A Polícia dos Governos”:

Chumbo no Planalto

Eliane Cantanhêde

Brasília – Um tiro acertou o olho esquerdo de um rapaz. Um segundo tiro acertou o olho também esquerdo de um outro. Um terceiro tiro acertou a perna de mais um. Um quarto tiro matou José Ferreira da Silva. Alguns eram de borracha; outros, de chumbo.

O tiro mais certeiro, no entanto, foi o que abateu de vez o governo Joaquim Roriz e sua tentativa de convencer o país  de que o luto que caiu sobre o centro de Brasília  depois das eleições era pura manha.

Como se vê, não era. O excesso de velocidade voltou e, com ele, a sucessão de mortes estúpidas nas amplas e perigosas avenidas. A bolsa-escola está indo lentamente para o lixo da mediocridade que se instalou. A PM entendeu o ‘espírito da coisa’ e aderiu de pronto. De arma em punho.

Impossível esquecer que Roriz foi eleito – entre outros fatores, inclusive a incompetência do PT – porque teve apoio do Palácio do Planalto e porque prometeu algo que sabia de antemão que não poderia cumprir: um aumento de 28% para o funcionalismo.

(...)

A morte de um José da Silva é um marco no governo Roriz. Ambos foram liquidados pela mesma polícia. Polícia que deveria reprimir os bandidos e proteger os cidadãos”.

(Folha de São Paulo, 5.12.99, pág. 1-2, Opinião)

Zé Vítima da Silva

Josias de Souza

São Paulo – Os manifestantes que entraram em confronto com a polícia de Brasília foram longe demais. Cometeram vários exageros.

De saída, incorreram no delito da literalidade. Essa gente tem apego hediondo pelo sentido literal  das palavras. Tomam tudo ao pé da letra.

É verdade que, em campanha, Roriz prometera reajustar o salário do funcionalismo brasiliense em 28%. Mas, eleito, esqueceu. Tudo em perfeita harmonia com a tradição política brasileira.

E vêm esses agitadores querendo transformar boa intenção em fato. Se fosse um mero desejo, vá lá.  Seria uma inconveniência tolerável. Mas eles decidiram, suprema petulância, se organizar.

Chegaram mesmo a convocar uma manifestação. Resultado: o governador viu-se forçado a acionar a polícia.

Não satisfeito, um dos manifestantes resolveu  ir ainda mais longe. Em clara afronta às autoridades, ele cometeu o que talvez seja o mais grave dos crimes: transformou-se em vítima.

Embora  respirasse havia mais de três décadas, o agitador não passara de uma abstração. Era um nariz sem rosto, um acidente genético, um nada.

Pois renasceu de forma espetacular. Veio à luz em meio às trevas. Perfurado por balas da PM, morreu. E com a morte, ganhou vida, obteve visibilidade.

Passou a ter cara. Começou a ser chamado pelo nome: Zé da Silva. Ganhou perigosa notoriedade. Súbito estava na TV, nos jornais, nas revistas...

Gradativamente, o descaso pela emergência social no Brasil vai tomando forma, vai ganhando cara. Ontem, tinha a cara dos mortos no Carandiru, dos assassinatos  em Eldorado do Carajás. Hoje, tem as feições de Zé da Silva.

Não demora e a omissão terá a fisionomia do constrangimento. E não haverá mais polícia que resolva” (Folha de São Paulo, 6.12.99, pág. 1-2, Opinião)

 

Polícia de guerra

A desajustada polícia brasileira precisa  se profissionalizar; adequar-se ao que se exige numa democracia – o controle do crime e da desordem com respeito  aos direitos humanos.

Quarta-feira, um grupo de agentes de saúde demitidos invadiu o gabinete do ministro da Saúde, prática que já se tornou moda em Brasília, graças à leniência das autoridades. Chancelam-se invasões de prédios públicos e propriedade privada.

Quando se coloca a polícia em ação nessas situações, com despreparo profissional e a cultura da truculência, atiçada muitas vezes por governantes toscos, o risco é de morte. Quinta-feira, a PM do Distrito Federal foi encarregada justamente de desbaratar manifestantes  que bloqueavam a entrada de uma empresa pública. A PM agrediu, feriu, atirou, cegou. Morreu o jardineiro José Ferreira da Silva.

Parte dos policias que participaram  da ação desasrosa e homicida estava sem a tarja de identificação, o que é proibido. Esse detalhe faz lembrar, não por acaso, o ocorrido na chacina de Eldorado do Carajás, onde morreram 19 pessoas em ação de desocupação promovida pela PM paraense.

E o que dizer das balas utilizadas pela polícia do Distrito Federal? Penetrantes, nem todas de borracha, lembram as usadas em 97 na Fazenda da Juta, periferia de São Paulo, pela PM paulista – ação de desocupção em que morreram três pessoas e na qual ficou evidente o despreparo técnico do comando e da tropa encarregada da missão. Seria ocioso relembrar do massacre do Carandiru.

Para que se protejam  o cidadão e o bem público, são necessários profissionais , pessoas treinadas para produzir segurança, com boas condições de trabalho e equipamento. Segurança, como demonstram  polícias de sociedades avançadas, não é sinônimo de ferocidade e mortes, de tropas treinadas como milícias  truculentas e desordenadas. A população não é inimiga; para promotores de baderna, o tratamento adequado é controle, repressão e, se for o caso, prisão;  e que a Justiça trate do resto. A democracia exige apenas isto da polícia: ordem e profissionalismo. (Folha de São Paulo, Editorial, 6.12.99, pág. 1-2, opinião).

Data: 06.12.99, horário: 15:00 horas – “Para e por Jô Guedes”:

O Delegado-Geral Moreto e seu Chefe de Gabinete Moacir Bernardino vieram até a “Assistência Jurídica” e eu não estava entendendo, não sabia para quê, e tratei de me levantar para recepcioná-los.

Jô Guedes estava no telefone e Moacir deixa escapar esta:

  • Isto aqui me lembra aquele slogan: “Aqui se trabalha”!

Não estava entendendo o teor da frase, se tinha algo haver com a vinda deles,  algum trabalho a ser feito, ou se era nós mesmos sempre ocupados... Moacir procurou explicar diante da minha visível ignorância:

  • Doutor, como é que é mesmo aquele ditado, o ex-governador do Paraná, não sei se lembra o nome dele, acho que era o Paulo Pimentel, nas placas oficiais estava sempre aquela frase prá todo mundo ver: “Aqui se trabalha” e esta é a sensação que se tem quando se vem aqui.

Agora, definitivamente tinha entendido e perguntei se poderia ajudar em alguma coisa, quando Moreto completou:

  • Viemos aqui parabenizar a Jociane pela formatura  e pelo primeiro lugar no curso de Direito.

Fiquei meio seu jeito, olhei para Jô Guedes que fez um sinal, porém, ainda teimava atender o telefonema, já sabia do seu feito pela boca do Delegado  Braga. 

E, logo em seguida vieram os cumprimentos, com aquele sabor emprestado pelos dois quase visitantes do quarto andar, externando uma humildade bastante singular e certo ar de encantamento.

Depois que saíram fiquei imaginando: “honesta, competente, comprometida, explosiva, reinenta, emotiva, sensível, “impliquenta”, desafiante, superativa, proativa, picante, replicante, beligerante, inteligente, perceptiva, sonhadora, leal, tribal, “chocadeira”, investigativa, fuçadeira, lúdica, combativa, fiel...supermãe, superesposa, supergente, superamiga... incrível!,    

Horário: 21:00 horas:

Telefonei para Jorge Xavier que já havia deixado recado para que fizesse um contato. O assunto era o jantar no Restaurante Candeias. Além do fator confraternização havia também o interesse em divulgar o estabelecimento sob nova direção (leia-se: Jorge e Cesinha, mais Leninha e Gilsa) e que nos últimos tempos não registrava movimento à noite.

Horário: 21:30 horas:

Conforme tínhamos acertado, fiz contato com o Delegado Garcez na sua residência e ele havia jurado de pés juntos que daquela vez não iria faltar ao encontro do nosso grupo no dia seguinte (duvidei, mas...).  Além disso, Garcez havia externado sua decepção com a instituição policial. Parecia que seu objetivo era então se aposentar, essa parecia a sua única meta naquele momento de frustrações, decepções... e, talvez, também pretendesse fazer um curso de pós-graduação (duvidei, mas...). Garcez também insistiu querendo saber quem iria ao nosso encontro e declinei os nomes: Cláudio, Jorge, Krieger, Valério, Vilmar, Braga...

Data: 07.12.99, horário: 08:30 horas - “O último jantar do ano, do século, do milênio...!”

Telefonei para o Valério Brito, pedi para a telefonista Emília que passasse a ligação:

  • Alô!
  • Valério Brito?
  • Sim!
  • Valério é o Felipe!
  • Fala Genovez.
  • E daí? Como vai o amigo?

(...)

Valério parceria cansado  e lembrei que ontem à noite havia ligado para sua residência, mas ele ainda não tinha chegado.

  • Tenho chegado tarde em casa tarde, é muito trabalho aqui, e estou com muito sono quando chego.
  • Pois é, ontem telefonei à noite para tua residência.
  • Telefonasses?
  • Sim. Mas tu não tinhas chegado ainda.
  • Ah, tem muito serviço aqui na Gerência, tenho saído todo dia tarde, se bem que o expediente aqui é só à tarde, mas eu tenho feito “cerão”.
  • É!
  • E tu como estais amigo?
  • Tudo bem, tudo bem, a gente tem que ir levando né Valério, na medida em que a gente vai avançando vai ficando mais sábio.
  • É verdade, é verdade, ainda bem que a gente vai ficando mais sábio, se não tu já visses?
  • Mas não é todo mundo que fica, não é?
  • É!
  • Mas Valério eu estou te ligando porque hoje à noite é o nosso jantar, o pessoal pediu para que eu te lembrasse, lembra?
  • Sim, lembro.
  • Então? Estamos te esperando, tu vais?
  • Sim. Que horas vai ser?
  • É às vinte horas.
  • Ah, sim, e o pessoal chega no horário?
  • Sim. O pessoal é pontual.
  • Tudo bem. Eu vou lá marcar uma presença, é bom rever os amigos.
  • Fica tranquilo que o pessoal é pontual, inclusive, eu costumo chegar bem antes.

(...)”.

Valério era uma pessoa diferenciada, nesse ponto lembrava um pouco Krieger, Garcez... só que no seu caso era uma pessoa dotada de sensibilidade, era confiável, ético, decente, trabalhador, honesto, respeitador... amigo para sempre e para todas as horas, que se poderia contar sem hesitar, que não mediria esforços para fazer o que estivesse ao seu alcance e que fosse plenamente possível, jamais falaria mal de alguém e praticaria algo que fosse para prejudicar que não fosse no cumprimento de seus deveres, mas sempre procurando fazer o melhor...uma pessoa do bem. Sem dúvida, qualquer proejto de unificação teria que contar com sua presença, inteligência, experiência, visão e força de trabalho.