PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 09.11.99 - “Transformar a Polícia?’”:

Droga, Polícia e Militares

Não é absolutamente inédita no Brasil, após a redemocratização, a ideia de chamar os militares para intervir em um assunto interno do país. A medida chegou mesmo a ser implementada em 94 e 95, quando o Exército ocupou morros do Rio de Janeiro em uma frustrada tentativa de coibir as operações de traficantes.

Agora é o presidente da CPI do Narcotráfico, instalada no Congresso, quem propõe que as Forças Armadas participem do combate ao tráfico de drogas. É sintomático que a intervenção militar seja requisitada sempre que as opções ordinárias, as polícias, são julgadas insuficientes.

Designar as Forças Armadas para o combate ao narcotráfico está fora de propósito. Não existe inimigo externo a ameaçar a soberania ou a segurança nacional. Trata-se de um problema de natureza criminal. Além disso, as Forças Armadas não estão preparadas para a atuação cotidiana contra o tráfico de entorpecentes. Equipá-las e prepará-las seria mais dispendioso e levaria mais tempo do que fazer o mesmo com a Polícia Federal, com o risco adicional de expor a corporação militar à infiltração do crime organizado. Por fim, se a gama desarticulada de polícias brasileiras é um considerável entrave à sua eficácia, criar mais um corpo paralelo somente agravaria o problema.

Decerto questões como a função, o tamanho e o equipamento das forças militares brasileiras devem ser democraticamente discutidas. Mas não é o Exército que deve intervir no combate interno ao narcotráfico. Essa é uma tarefa da polícia. Se o aparelho policial não está devidamente preparado para a missão, seria ótimo motivo para proceder a uma modificação profunda dessa instituição. Trata-se  de formar um corpo policial com um único comando, devidamente subdividido de acordo com as tarefas a cumprir, bem equipado e motivado, que articule de maneira eficaz prevenção, inteligência e repressão.

Uma pretensa intervenção das Forças Armadas não pode servir de pretexto para que, vez por outra, quando emergem com mais força a feição anacrônica e a ineficácia do sistema policial brasileiro, se deixa de atacar o problema fundamental. É preciso vencer pressões corporativas e políticas encalacradas que mantêm semivivo um sistema irracional. É preciso transformar a polícia” (Folha de São Paulo, editorial, 10.11.99, 1-2, Opinião).

“Verde-oliva”:

A tentação verde-oliva

Clóvis Rossi

São Paulo – Parece sedutora a ideia de empregar as Forças Armadas no combate ao crime organizado. Afinal, os militares brasileiros  vivem uma espécie de crise existencial porque suas funções clássicas perderam validade no mundo moderno.

Não há hipótese de um conflito regional desde pelo menos a criação do Mercosul. O uso das Forças Armadas contra o que elas chamavam, abusivamente, de ‘inimigo interno’ também perdeu sentido, uma vez que não há mais subversão, com ou sem aspas.

Restaria a defesa do território contra alguma potência, para o que as Forças Armadas notoriamente  estão despreparadas em armas e tecnologia.

Logo, é tentador resolver a crise existencial dando tarefas policias aos militares, certo? Errado, por todos os motivos expostos  em editorial desta Folha ontem publicado. Não há espaço para repeti-los.

O que, sim, parece mais lógico é uma relocalização dos efetivos militares, sempre em face das novas condições geopolíticas regionais e globais. Não parece fazer o menor sentido manter um grande quartel, com a lotação correspondente, no parque Ibirapuera, em São Paulo, por exemplo, quando é conhecida a porosidade das fronteiras brasileiras.

Caberia igualmente  empenhar as Forças Armadas, mais do que supostamente  já o fazem, em tarefas de inteligência, mesmo as relacionadas ao crime organizado. Até porque é razoável supor que os serviços de inteligência norte-americanos, os mais bem dotados do planeta, sentir-se-iam mais à vontade em compartilhar informações com os militares brasileiros do que com os policiais.

A discussão correta, pois, parece ser não o uso das Forças Armadas como um terceiro braço policial, mas sobre as próprias funções delas, nas presentes condições de temperatura e pressão, radicalmente diferentes daquelas em que nasceram e se desenvolveram.” (Folha de São Paulo, 11.12.99, pág. 1-2, opinião)

“Amin e a temporada de verão 2000”:

Segurança

O governador Esperidião Amin reuniu-se ontem à tarde com representantes  das secretarias  do Desenvolvimento Econômico, Segurança Pública, polícias Civil, Militar e Federal e Santur. Na pauta, uma recomendação rigorosa para que todas as providências para garantir o sucesso da temporada de verão, que promete ser recordista em número de visitantes e faturamento, sejam concluídas o quanto antes.

Amin enfatizou principalmente o problema da segurança pública, que considera (e com razão) fundamental para o crescimento do turismo em Santa Catarina” (DC, 17.10.99, pág. 3).

“Salários: Verdades ou mentiras”:

O comentarista político Paulo Alceu chamou a atenção para a possível crise na Polícia Militar e fez um comparativo entre os salários de Oficiais e Delegados (lamentavelmente, não fez entre Oficiais e Promotores de Justiça...):

Crise à vista

Embora o comando da Polícia Militar (PM) garanta que está tudo em ordem, respaldado por uma tradição histórica, a bem da verdade a situação interna é delicada e aumentam os focos de insatisfação, atingindo não só os oficiais, mas também os praças, que reclamam dos salários atrasados e da falta de respeito dos superiores. As reivindicações estão expostas numa carta aberta da Associação de Subtenentes e Sargentos, destacando o silêncio do governo e a existência de discriminação com os praças. Os oficiais querem que os responsáveis pelo documento sejam punidos. Exigem o mesmo tratamento de um coronel que, por se manifestar publicamente, foi indiciado e está respondendo um inquérito. Isso confirma a fragilidade em que se encontra a Polícia Militar que, como diz o boletim, “vai continuar prestando um serviço de qualidade, mas observa: Até quando?”. Tem outro estopim em atividade, que é a diferença salarial dos oficiais com os delegados da Polícia Civil, que vai de R$ 2,9 mil até R$ 4 mil. O coronel Walmor Backes afirma que o governo reconhece a necessidade de um reajuste global, mas no momento faltam recursos e a prioridade é o atrasado. Oficiais e praças terão que aguardar evitando, isso sim, um clima de tensão e desconforto. A sociedade também aposta na tradição, mas reconhece a importância de um encontro com o governador.

Os salários das polícias

 

Militar

 

 

Civil

 

Oficiais

 

 

Delegados

Coronel

R$ 3.679,89

Especial

R$ 7.822,96

Tenente Coronel

R$ 3.178,77

4a Entrância

R$ 6.988,25

Major

R$ 2.893,24

3a Entrância

R$ 6.453,54

Capitão

R$ 2.604,59

2a Entrância

R$ 6.197,04

1o Tenente

R$ 2.360,22

1a Entrância

R$ 5.688,65

2o Tenente

R$ 2.015,43

Substituto

R$ 4.926,13

 

A tabela publicada por Paulo Alceu merecia alguns reparos:

  1. Os vencimentos dos Delegados são percebidos por força de uma decisão da Justiça e que não era definitiva (isonomia);
  2. Os valores apresentados são cheios, não tendo sido deduzido o valor estornado em razão do teto salarial estipulado pelo governo;
  3. Nos vencimentos dos Oficiais/PM não constavam as vantagem pessoais relativas principalmente aos cargos comissionados vinculados ao posto de Coronel, Cursos realizados e designação para comandos ao longo da vida profissional, vantagens auferidas em razão do local de trabalho, como Assembleia Legislativa, Tribunais e etc.;
  4. No caso dos Delegados de Polícia, a exemplo dos Oficiais/PM, não constavam o adicional por tempo de serviço, agregações e gratificação “vintenária”.
  5. O fato é que a Polícia Miitar possui um efetivo muitas vezes superior ao da Polícia Civil, bem mais compacta. A nivelação salarial encontrava um grande óbice representado pela quesão da repercussão financeira nas discussões salariais. Moral da história: acabavam todos sendo nivelados por baixo. 

A Adpesc, em nota oficial, rebateu as informações de Paulo Alceu, porém, com um ingrediente novo, inusitado e paradoxal e que contrastava com aquele editorial de seu último jornalzinho (“Baque na Segurança Pública”), dirigido ao mundo operacional:

“Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Satna Catarina (ADPESC)

A Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina – ADPESC, através deste Presidente, face as informações veiculadas sobre paridade de vencimentos e tabela atual de proventos dos Delegados de Polícia deste Estado, bem informar o seguinte:

Não conhecemos os valores vencimentos e as vantagens pecuniárias dos Oficiais da briosa Polícia Militar de Santa Catarina, mas reiteramos a necessidade  urgente da revisão, por parte do Governo do Estado, dos atuais salários de toda a corporação civil e militar, que diferentemente dos demais Estados da Federação ainda insiste em proporcionar à população catarinense uma segurança proba e eficaz.

Qualificamos não de arrojada mas de nobre o posicionamento de Clube  dos Oficiais da Polícia Militar de Santa Catarina, que publicamente e preventivamente mostra com transparência ao público que o norte da prosperidade econômica, social e intelectual do povo catarinense resulta da tranquilidade, da ordem e da segurança oferecida por uma corporação que consequentemente também haverá que estar harmoniosamente  tranquila em seu seio.

(...) – Mário Cesar Martins” (grifei)

(DC, 19.11.99, pág. 15).

“O poder e a sombra”:

Fábio Konder Comparato em mais um excelente artigo publicado na “Folha” de São Paulo, expressava sua visão sobre o poder e a sombra e que valia a pena anotar, especialmente, porque servia não só para uma reflexão profunda, mas  também, para expressar os limites entre a polícia operacional e institucional:

O poder e a sombra

“(...). Quando o capitalismo aliou-se à democracia representativa, no século passado, todo o empenho de seus líderes consistiu em pôr na sombra os detentores efetivos do poder supremo (a soberania), mantendo os focos de luz permanentemente fixados nos chamados representantes do povo. A estratégia das classes soberanas, em regime capitalista, é sempre a mesma: nunca aparecer no palco, tudo decidir nos bastidores.

Acontece que a dominação social de qualquer espécie racial, sexual, política, econômica ou religiosa, para manter-se sólida e duradoura, depende sempre de um trabalho de legitimação, desenvolvido junto do público. Para essa delicada tarefa, são convocados aqueles que Antonio Gramsci qualificou genericamente de “intelectuais”.

No sistema capitalista, a classe empresarial compreendeu  desde logo a importância de arregimentar para si o maior número desses “legitimadores”: engenheiros, cientistas, advogados, economistas, politicólogos, jornalistas, líderes religiosos. Todos eles, cada qual em seu campo próprio de atuação, passaram a defender a justiça ou a explicar a necessidade natural da ordem estabelecida, em nome da ciência, do direito, da moral, da prosperidade econômica ou até da revelação divina.

O capitalismo poderia se contentar com isso, mas foi ainda mais longe. Confirmando o seu extraordinário talento criativo, Karl Marx não cessou de elogiar, a burguesia empresarial decidiu assumir, ela própria, o encargo de legitimação do regime político e do sistema econômico, com a montagem e a exploração de grandes empresas de comunicação de massa, interligadas agora universalmente sob a forma “conglomeral” (multimídia). Elas podem dar-se ao luxo de criticar os governos e denunciar a corrupção de certos políticos. Mas evitam contestar o sistema, ou trazer os verdadeiros donos do poder à luz do dia (...).

O controle de nossa vida econômica e política passa, com isso, às mãos de entidades impessoais, irresponsáveis e sem pátria: são grupos societários, consórcios, fundos de investimento ou de participação.

É preciso reconhecer que o grande empresariado nacional não foi uma vítima inocente desse processo perverso. Ele imaginou, bisonhamente, que iria reforçar o seu poder de mando na sociedade à custa do enfraquecimento do Estado. Nessa revolta temerária contra aquele que sempre o susteve, não perdeu apenas a sua posição dominante para o capital estrangeiro. Deitou fora também o patrimônio público e a independência nacional.

Agora só nos resta a esperança de que ainda haja neste país líderes capazes de levantar o povo, não apenas contra os fantoches que ocupam o governo, mas sobretudo contra aqueles que os dirigem e manobram de fora, com o claro objetivo de reconduzir o Brasil à condição colonial. Fábio Konder Comparato, 63, advogado, doutor pela Universidade de Paris (frança), é professor titular da Faculdade de Direito da USP, fundador e diretor da Escola de Governo e autor, entre outros livros, de “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos” (Folha de São Paulo, 16.11.99, Opinião – 1-3).