PARTE CCXVIII - “COMISSÃO DE UNIFICAÇÃO: A RESPOSTA DO CONSELHO SUPERIOR DA POLÍCIA CIVIL A HEITOR SCHÉ”

Por Felipe Genovez | 25/04/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 21.09.99, horário: 09:30 horas:

Durante a reunião do Conselho Superior da Polícia Civil foi entregue proposta de Emenda Constitucional aprovada em primeiro turno de autoria do Deputado Heitor Sché. O material foi distribuído a todos os conselheiros:

Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina

GABINETE DO DEPUTADO HEITOR SCHÉ

Projeto de Emenda Constitucional n. 13/99

Dá nova redação ao par. 1o do art. 106 da Constituição do Estado.

O art. 1o  O par. 1o do artigo 106 da Constituição do Estado passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 106.............................................................

Par. 1o O chefe da Polícia Civil, nomeado pelo Governador, será escolhido dentre os delegados de polícia.

.............................................................................

Art. 2o Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Sessões, em

Lido no Expediente

Sessão de 09.08.99

As Comissões Permanentes

1o Secretário

Heitor Sché

JUSTIFICATIVA

Projeto de Emenda que estamos submetendo a apreciação deste Parlamento objetiva impor nova redação ao Par. 1o do art. 106 da Constituição do Estado, do qual restaria suprimida a expressão “de final de carreira”.

Como poderá ser constatado da simples leitura do dispositivo vigente, fica absolutamente claro que a escolha do chefe geral da Polícia Civil recairá, sempre, sobre os Delegados de Polícia de “final de carreira”.

Essa diretriz, em termos práticos, consubstancia redução do número das possíveis  e legítimas candidaturas (sic) a esse importante cargo de chefia e, assim, inibe as chances de escolha, pelo Chefe do Poder Executivo.

O modelo que se busca implementar, estendendo o leque de possíveis escolhas vigorou, sem restrições, no período anterior à promulgação da Constituição do Estado de Santa Catarina no ano de 1988.

Por outro lado, as carreiras de Delegado de Polícia, com cinco níveis, têm seu ápice, integrado pelos Delegados Especiais, um número restrito.

Essa particularidade, como dissemos, impede que Delegados de Polícia de outros níveis possam exercer a Chefia Geral da Polícia Civil, mesmo que detenham experiência administrativa e preparo intelectual para o exercício da função.

Acolhida a presente proposta de Emenda é possível antever que a renovação na Direção Geral da Polícia Civil é fato capaz de gerar expectativa de ampliação da dinâmica administrativa, posto que se permitiria à corporação assimilar renovação e, em consequência, melhor desenvolver suas funções institucionais.

Heitor Sché

Na reunião do Conselho Superior da Polícia Civil do dia 21.09.99, por volta de 10:30h, Lourival Matos, controlando seu desapontamento, pede explicações a Evaldo Moreto sobre o conteúdo desse projeto de Emenda Constitucional. Nisso, Maurício Eskudlark intervém e diz que o projeto já havia sido aprovado em primeira votação e que Sché estava aguardando o momento mais oportuno para colocar em segunda votação e aprovar  essa Emenda Constitucional. Eskudlark fez questão de frisar que era contra o projeto do Heitor... E lembrei que na época da Constituinte, quando estávamos atuando junto ao parlamento estadual para aprovar a redação original do par. 1o do 106, CE, dois Delegados de Polícia corriam os Gabinetes dos Deputados Estaduais pedindo que fosse rejeitada a ideia de somente os detentores do último patamar da carreira deveriam concorrer ao cargo de Delegado-Geral da Polícia Civil.  Esses dois Delegados de Polícia era Vilson Domingues (Tubarão) e Maurício Eskudlark (São Miguel do Oeste)... coincidentemente, dois postulantes ao cargo maior da Polícia Civil...

Pensei em intervir na reunião do Conselho e relembrar esse fato, mas preferi o silêncio. Também, o momento agora era outro e Maurício Eskudlark dizia que naquele momento era contra a ideia? Sim, mas quem seria a favor de uma proposta de unificação, cujos desígnios dos Coronéis eram imprevisíveis? Daria para confiar? Sem palavras..., só restaria uma convocação da sociedade, das pessoas mais esclarecidas, instituições sérias como Universidades, professores de Direito, sociólogos, filósofos, historiadores, cientistas sociais, enfim...

Também, no dia 22.09.99 recebi para parecer uma nova proposta de plano de cargos e salários reiterada pelo  Deputado Heitor Sché...,com o apoio da Federação Catarinense dos Policiais Civis – FECAPOC e Associação dos Delegados de Polícia – ADPESC... Ao ler o conteúdo do projeto, pude verificar uma significativa melhora com relação a proposta anterior e que havia dado parecer contrário...  Entretanto, chamou-me atenção o fato de que agora Sché deseja acabar com o sistema de “entrâncias” para os Delegados... e, novamente, tive que tomar uma posição firme com relação a esse fato... e que lembrou também uma mesma iniciativa de Ricardo Thomé...:

 

ESTADO DE SANTA CATARINA

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA

DELEGACIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL

Informação n. 90/GAB/DGPC/SSP/99

Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil

Assunto: “Plano de Cargos e Salários” (Projeto de Lei – Heitor Sché)

Trata-se de projeto de lei de iniciativa parlamentar que trata da reformulação do plano de cargos e salários no âmbito da Polícia Civil (CI 1616, de 10/GAB/SET/99).

A matéria já foi objeto de apreciação anteriormente por este parecerista, tendo sido apontado diversas anotações de fundo saneador e que, parece,  já foram superadas na origem pelo parlamentar/autor.

A nova proposta, “fruto de exaustiva discussão pelas entidades associativas da categoria, referendada pela Federação  Catarinense dos Policiais Civis – FECAPOC, pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Santa Catarina – ADPESC e pelo parlamentar que a subscreve” impõe substancial modificação na estrutura das carreiras policiais civis, especialmente, no que pertine ao Subgrupo: Autoridade Policial.

Nesse sentido, entendo como preliminar a qualquer manifestação desta Administração uma consulta prévia a todos os Delegados de Polícia em atividade, a fim de se colher um referendum compulsório acerca dos seguintes temas mais significativos e que estão sendo objeto de discussão na Assembleia Legislativa:

  1. Quanto a estrutura jurídica da carreira de Delegado de Polícia é favorável:
  1. que se retorne ao sistema tradicional de “classe” (rege todos os servidores públicos do Poder Executivo e de outros órgãos públicos) (Projeto de Lei Heitor Sché)
  1. a manutenção do sistema de entrâncias - LCs 55/92 e 98/93 (rege Juízes de Direito, Promotores de Justiça e Delegados de Polícia)

2. Vantagens: (acerca da adoção do sistema tradicional de “classe”)

  1. atende interesses de outros órgãos públicos do governo estadual quanto à otimização de uma política uniforme de maior controle e monitoramento prevista para o grande universo de servidores públicos (provimento de cargos, licenças, aposentadoria, direitos e etc.);
  2. possibilita maior ingerência da Pasta da Administração no controle dos servidores policiais, evitando a concentração de policiais em atividades-meio,  o que poderá contribuir para a desativação de setores de pessoal e de recursos humanos (economia), além da distribuição dos respectivos servidores em atividades-fins;
  3. poderá, ainda,  facilitar uma maior movimentação de Delegados de Polícia nos diversos órgãos e unidades da Polícia Civil, sem restrições relativas à graduação da comarca e à possível evocação de garantias já asseguradas pela Justiça Estadual, como por exemplo da inamovibilidade relativa (lotação em comarca compatível com a entrância), o que favorece interesses políticos e pessoais, bem como arrefece as pressões na cúpula da Pasta da Segurança Pública para remover Delegados de Polícia.

Desvantagens:

  1. O sistema de entrâncias assegura aos Delegados de Polícia mesmo tratamento isonômico previsto às  carreiras jurídicas consagrados no âmbito do Estado (Magistratura e Ministério Público). Com isso, facilita-se a criação de mecanismos capazes de obstar ingerências de políticos que não só desejam intervir nos serviços policiais, mas, também, pretendem muitas vezes obter o controle dos próprios Delegados de Polícia;

  2. quebra visceralmente o princípio da hierarquia, considerando que no sistema de “classes” há submissão dos Delegados ao comando da Pasta da Segurança Pública e/ou da cúpula Polícia Civil que - via de regra - é integrada por autoridades policiais de diversos níveis hierárquicos, tornando-as altamente vulneráveis e submissas à classe política que está ocupando o poder; 
  3. Submete os Delegados de Polícia à “vala comum”,  onde quaisquer reivindicações deverão – via de regra - ser contextualizadas, tendo como parâmetro não os integrantes das carreiras jurídicas do Estado, mas os servidores públicos em geral.

4, Quanto ao comando da Polícia Civil é favorável:

  1. que qualquer Delegado de Polícia ativo ou inativo possa ser nomeado para o cargo de Delegado-Geral da Polícia Civil (Projeto de Emenda Constitucional – Heitor Sché) [Essa sistemática é adotada para escolha do Presidente da Assembléia Legislativa (qualquer deputado estadual);  Secretários de Estado (qualquer cidadão); Procurador-Geral do Estado (qualquer advogado); Presidentes de empresas públicas e etc.;
  2. que o titular do cargo de Delegado-Geral da Polícia Civil seja escolhido exclusivamente dentre os integrantes da graduação Especial (atualmente previsto no art. 106, par. 1o , CE) (Essa sistemática é adotada para a escolha do Presidentes do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas; Procurador-Geral de Justiça, Comandante-Geral da Polícia Militar).

Vantagens: (projeto Heitor Sché)

  1. possibilita que o Governador tenha maior liberdade na escolha do ocupante do cargo de Delegado-Geral, eis que poderá escolher dentre todas autoridades policiais  o futuro dirigente da Polícia Civil (ativos e inativos);
  2. permite que todas as autoridades policiais possam se articular politicamente com vistas a se credenciarem para ocupar o cargo maior da Polícia Civil;

Desvantagens:”(manutenção do texto constitucional – último patamar)

  1. minimiza ingerências políticas na Polícia Civil;
  2. vem ao encontro do princípio da hierarquia;
  3. proporciona maior estabilidade institucional, na medida em que restringe as opções de escolha do futuro Chefe de Polícia e evita o efeito “rasteira” e/ou a corrida por cargos comissionados, com violação de princípios hierárquicos, éticos e morais.

Sem laivo de dúvida, além da profícua e responsável consulta promovida pela direção da Polícia Civil, opino pelo encaminhamento de cópia da proposta a todas os órgãos e unidades policiais civis, a fim de que haja manifestação de todos os policiais civis acerca do conteúdo do projeto.

Feito isso dentro de um prazo razoável que poderá ser de 90 (noventa) dias, proponho uma profunda análise técnica e sistematizadora, especialmente, por parte do Conselho Superior da Polícia Civil.

Florianópolis, 22 de setembro de 1999

Felipe Genovez

Delegado de Polícia E.E.

 

Ao final da reunião do Conselho Superior da Polícia Civil realizada no dia 28.09.99, Evaldo Moreto fez um relato da visita dos conselheiros a Heitor Sché no seu gabinete na Assembléia Legislativa. Além de Moreto,  participaram do encontro os Delegados Optemar, Lourival e Maurício Eskudlark.  Com relação à mudança na Constituição do Estado que possibilitaria qualquer Delegado de Polícia ser nomeado para o cargo de Delegado-Geral o parlamentar disse que não poderia fazer mais nada porque na sessão do dia anterior já havia sido aprovada em segundo turno. Porém, Sché deu um alento aos conselheiros no sentido de que propusessem uma redação ao art. 269 do Estatuto da Polícia Civil que previa que os cargos de Diretores de órgão da Polícia Civil deveriam  ser ocupados por Delegados de Polícia de Carreira. A ideia era viabilizar uma alteração a esse dispositivo que poderia fazer constar uma redação que estabelecesse, inclusive, que os cargos de Diretores e de Delegado-Geral poderiam ser ocupados por Delegados de Polícia de Quarta Entrância ou Especial. Moreto registrou, ainda, que doravante Sché somente iria propor alterações à Polícia Civil com a aquiescência prévia do Conselho Superior e que era sua intenção fazer uma revisão do Estatuto da Polícia Civil, incluindo no seu bojo as Leis Complementares 55/92 e 98/93, evitando assim leis esparsas.  Quando às mudanças na estrutura jurídica da carreira de Delegado de Polícia, Heitor Sché havia comunicado que pretendia acabar com a figura do Delegado de Polícia Substituto e voltar ao sistema anterior regido por  classes que era muito bom para os Delegados. No caso do Delegado de Polícia Especial disse que estava sendo procurado por vários Delegados de Polícia do Interior a fim de possibilitar que os Especiais pudessem ficar no interior do Estado.

Em meus pensamentos: “Era lamentável a atitude de Sché em preferir ver os seus pares (Delegados) na “vala comum” (como qualquer servidor público, sem prerrogativas, sujeitos a ingerências políticas, vulneráveis... Mas o que se poderia esperar de um Delegado prócere do período militar onde o autoritarismo era presente no meio policial civil ou de um político que se fez imprimindo um estilo “coronelista” e “absolutista” dentro da instituição (ou você era aliado ou inimigo)? Sem desconhecer seus méritos (que são grandiosos), especialmente, de ser vitorioso no plano político (no policial a situação era bem diferente, ou seja, muito pouco fez, que não fosse exercer cargos comissionados e servir a governos sem haver notícias de um único projeto, uma liderança por alguma causa em favor da instituição...), mas considerando o seu histórico, o tamanho do seu “ego” a potência mil (especialmente quando investido de poder) e, considerando que só tinha olhos para os seus projetos (os dos outros não serviam...),  e que acima dele, talvez, só Deus, então o que poderia se esperar? Lembrei da conversa com seu sobrinho (Escrivão Milton Sché Neves) que foi seu Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa e que depois que entrou em choque de opiniões com seu padrinho recebeu um chute na bunda...  e comentou comigo outro dia: “Sem poder ele é uma pessoa, é humilde, parece amigo, conversa contigo, é uma criança..., mas com poder ele se transforma num...”.

Voltando à reunião, Optemar interveio dizendo que achou paradoxal Sché ter dito que nunca viu tanta politicagem no preenchimento de cargos na Polícia Civil. Qualquer político conseguia remover policiais. E que Sché pretendia acabar com isso com suas reformas. Optemar estranhou que Sché estava dizendo aquilo quando na prática estava fazendo justamente o contrário, isto é, estava propondo mudança na Constituição do Estado no sentido de possibilitar que todos delegados de polícia, inclusive, os aposentados pudessem buscar cacifes políticos para obter a nomeação para cargos superiores da Polícia Civil, como o caso de aposentados (Artur Sell para Academia de Polícia Civil). Meu quase desabafo, e pensei: “Mas o que se esperar de Sché, ele era acima de tudo um ‘jogador’ e pensava politicamente, só conhecia essa via para chegar ao poder e respirava isso a todo instante, era totalmente obsecado pelo poder político, isso estava nas suas veias, no seu passado, desde seu pai, dos tempos de Rio do Sul...”.

Moreto, com categoria, equilíbrio, sabedoria... complementou Optemar  afirmando que Heitor Sché era contra a vinculação para efeito de lotação de Delegados de Polícia  nas comarcas. Pretendia que os Delegados de Polícia pudessem ser lotados de acordo com critérios políticos de quem esteja no comando da instituição como era na sua época. Nesse sentido, Moreto se posicionou contra, declarando que o sistema de entrâncias proporcionava identidade de tratamento com Juízes de Direito e Promotores de Justiça e que o sistema de classe ao contrário, jogava os Delegados ao sabor dos ventos políticos, das perseguições, tiranias...

No meu desabafo interior, não precisava dizer mais nada, apenas pensei: “... Era nos jogar novamente na vala comum, era o fim das mínimas garantias que estávamos perseguindo para se exercer dignamente a função de polícia de Estado, do projeto de criação da Procuradoria-Geral de Polícia...”, mas acabei mais uma vez por optar pelo silêncio, até para não parecer enfadonho num projeto que todos conheciam...

E, depois, fiquei pensando nos “conquistadores”, “salvadores da pátria”..., como César, Napoleão Bonaparte, Hittler,  Mussolini... , todos ditadores, o que pensaria o Heitor Sché da modernidade? Será que estávamos precisando de um salvador da Polícia?

E, uma ponta de felicidade pífia percorreu o meu interior, não a lembrança de Julio Teixeira ou  de Gilmar Knaesel. Enfim, um rio parece que passou, porém, naquele momento parecia que tudo estava bem mais claro depois da palavra bem dita de Optemar e Moreto..., tudo clarinho, claro, havia um consenso geral do que era bom e do que era absurdamente nefasto! E, não pude deixar de pensar em Clarinha (Clara Meirelles), também, enquanto criança, funcionava como refúgio doce lá no Morro das Pedras (bem em frente a casa de Ademar Rezende...) e sobre outras grandiosas redenções no plano pessoal, cujas emoções me distanciavam daquele mundo, meu refúgio de boas recordações que curava a dor e conduzia ao equilíbrio do meu tônus.