PARTE CCXI - “CONSELHO SUPERIOR DA POLÍCIA CIVIL: A COMISSÃO DE INTEGRAÇÃO OU UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS”.

Por Felipe Genovez | 24/04/2018 | História

PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 07.07.99, horário: 09:15 horas – “A Reunião do Conselho Superior da Polícia Civil”:

Fui para a reunião do Conselho Superior da Polícia Civil e o Delegado Optemar lançou uma pergunta:

(...)

  • O tempo de Academia pode ser contado para efeito da Lei Complementar 154? Parece que o Genovez tem uma ideia sobre o assunto pessoal? (Optemar)
  • O quê? O tempo de Academia? Claro que não meu filho! (Lourival)
  • O  Estatuto assegura a contagem para todos os efeitos legais! (Felipe)
  • Sim, conta para todos os efeitos legais! (Lourival)
  • Então, a resposta é sim, para todos os efeitos legais! (Felipe)
  • A pergunta é se o tempo de Academia pode ser contado para efeito dos dez anos que o Delegado tem que permanecer na Delegacia de Polícia para ir a Especial? (Optemar)
  • Não, claro que não meu filho, como é que vai se contar um tempo anterior se ele nem era ainda Delegado? (Lourival)
  • Sim, o dispositivo legal é bem claro, garante que para efeito de tempo de serviço conta para todos os efeitos legais, significa que conta para triênio, licenças-prêmio, aposentadoria... (Felipe)
  • Claro que não, é só para aposentadoria! (Lourival)
  • Não! Conta para todos os efeitos legais, se conta para triênio, licença-prêmio, também deve contar para outros efeitos, só para citar como exemplo o pessoal da minha turma estagiou em Delegacias, exercendo as funções como se já fossem Delegados. (Felipe)
  • Eu também acho que não conta. (Dirceu Silveira)
  • Mas porque que o legislador foi inserir no dispositivo a expressão “para todos os efeitos legais, exceto férias e estágio probatório, heim? (Felipe)
  • Não senhor, não pode não, claro que não pode! (Lourival)
  • Bom, esse é o meu entendimento. (Felipe)
  • Eu acho que não deve contar. (Dirceu Silveira)
  • Espera lá pessoal, não temos nada que discutir esse assunto aqui,  Optemar esse assunto deve ser tratado na própria comissão. (Moreto)
  • Bom, estamos só conversando já que fui perguntado. (Felipe)

(...)

E percebendo que era momento de encerrar aquela discussão Moreto tomou a palavra e entrou no primeiro assunto que tinha anotado, justamente a questão da unificação. Moreto esclareceu que na entrevista de ontem no jornal “A Notícia” o Secretário havia deixado bem claro que não se tratava de unificação e sim de integração entre as duas polícias.

Maurício Eskudlark tinha acabado de chegar e comentou que só se falava nisso. Lipinski interveio e fez uma retrospectiva do último encontro que tiveram com o Secretário quando trataram sobre desse assunto. Mostrou-se preocupado com as investidas de Backes e Moreto acabou dizendo algo que me deixou também bastante preocupado:

(...)

  • O Secretário conversou comigo e pediu que eu indicasse três Delegados para integrar a comissão e eu indiquei o Doutor Rachadel, o Doutor Maurício e o Doutor Lipinski,  os outros dois o Secretário achou que deveria indicar e escolheu os nomes dos .... Diretor de Planejamento... e o Diretor de Pessoal, até por causa dos recursos.
  • Eles querem é isonomia e o nosso fundo. (Lipinski)

(...)

E fiquei me perguntando como é que foram concordar com esse desequilíbrio de forças? Afinal são cinco Coronéis e três Delegados... e mais dois estranhos a instituição policial civil, sem compromissos com a categoria dos Delegados? Bom, noves fora, parece que fiquei na condição de “peixe fora d’água”, então deixe estar...

E Moreto propôs que o Conselho aprovasse apenas que os três representantes da Polícia Civil devessem tratar de integração e não de unificação.. Nisso o Delegado Elói Gonçalves de Azevedo completou:

  • Tudo bem, eles querem unificação, eu quero ver esses Coronéis trabalhar finalmente, vamos botar eles para trabalhar!  (Elói)

(...)

  • Olha pessoal eu estava conversando com o Backes lá no Gabinete naquele dia, o Paulo Koerich é testemunha, estava presente quando o Backes disse que já conversou com o Heitor, mostrou as propostas e pasmem, o Heitor teria concordado.. O Paulo Koerich estava junto e ouviu o Backes falar isso. (Rachadel)

(...)

  • Eu vou estar hoje almoçando com o Presidente da Assembleia, o Heitor assumiu a Presidência, conversarei esse assunto com ele. (Maurício Eskudlark)

E a proposta de Moreto foi aprovada mediante o silêncio de todos.

O final da reunião do Conselho foi tragicômico, porque Lipinski estava fazendo a relatoria do requerimento do Delegado Krieger, sobre a homologação de seus diplomas, certificados e cursos para efeito de merecimento.  Krieger tinha produzido um documento com mais de uma dezena de pleitos, mas todos quase que incompletos (não estariam concluídos, não havia informações sobre a carga horária, tinham carga horária inferior ao permitido em lei...). Lipinski na condição de relatou achava que estava certo no seu julgamento contra o pleito. No entanto, havia um grande número de cursos realizados na Europa. Na medida em que o relator fazia a leitura a coisa assumia ares de nobreza e do jeito que ele relatava a situação ficava cômica. Não pude deixar de lembrar o período em que Krieger trabalhou com Carvalho e os desencontros entre os dois: O Promotor que fazia doutorado em Buenos Aires e o Delegado que fez doutorado na Europa.  Procurei continuar a ouvir o relatório para não me perder naquelas digressões. E, soava algo mais ou menos assim: Doutorando em Direito; ...curso de Mestrado em Exsester na Inglaterra; Cavaleiro da Ordem de Cristo com sede em Jerusalém; Professor convidado Especial do curso de Mestrado para assuntos do Mercosul; Integrante da Ordem da Grã Cruz de Malta, não sei mais o que..., e do outro lado alguém perguntou o que era aquilo e Lourival replicou:

- Isso aí deve ser algum tipo de Maçonaria, não conta não... (Lourival)

Enquanto isso eu procurava permanecer calado, já sentia uma dor aguda, em parte porque as propostas de Lipinski apontavam pelo indeferimento de tudo e o que era pior: a avaliação do relator era incogitável, todos seriam contra. Mas também havia outro aspecto: a reação hilária dos conselheiros. A nobreza d’alma de Krieger contrastava em parte com a cultura policial vigente... e fitei cada um dos presentes imaginando que estavam ali os homens responsáveis pelas decisões maiores da instituição, porém, o perfil deles refletia o universo da Polícia Operacional em que estavam inseridos, não era o mundo de Krieger que parecia ter uma postura futurista, no entanto, dissociada da realidade, esmaecida especialmente por seu nível intelectual, valores, distanciamento da base e sua visão de mundo, temperada com ares de nobreza e espírito elevado, só que na verdade essa nobreza pode ter ou despertar outros matizes, como por exemplo: bondade, personalidade, caráter, dignidade, discrição...

Fui o primeiro a votar por estar do lado de Lipinski e não tive como não concordar com o relator, entretanto, com uma recomendação: Que constasse de seu assentamento individual todas aquelas informações, considerando o seu aspecto meritório, Moreto imediatamente assentiu...

E o veredicto foi unânime: Todos pelo indeferimento.

Elói, conclui:

  • Sabem o que isso esta me parecendo?

E a maioria ainda se refazendo do riso que grassava pelo ambiente ouvia Eloi completar:

- Olha, isso parece conversa de mulher grávida.

As risadas tomaram conta do ambiente (menos eu), parece que alguns estavam ainda se segurando, mas essa do Elói, parece fez soltar um grito contido...

E lembrei a reação de Garcez quando tinha dito que o ex-Secretário de Segurança Carvalho havia  mandado que o Krieger fosse para a Sétima Delegacia de Canasvieiras. Deveria ser por aquele seu temperamento que dava ares de nobreza, representar uma elite, a burguesia... o que o distanciava do senso comum daquelas personalidades, do próprio modelo de polícia operacional, justamente ele que aspirava ser o Diretor da Academia de Polícia Civil, acredito que tinha méritos para merecer aquele cargo, especialmente, por seu caráter, sua bondade, inteligência, honestidade e, acima de tudo, comprometimento com a evolução da instituição.

E, me veio à mente o paradoxo de Krieger, pois parecia que aquele seu currículo estimulava gravames, questionamentos... justamente por seus pares que deveriam louvar sua iniciativa em estudar e se qualificar até o mais alto nível, aliás, seus pares deveriam louvar seus esforços nesse sentido... e Krieger devolvia esses gravames com tolerância, paciência, perdão.. aceitando sua inserção no universo de uma Polícia essencialmente operacional, quando ao certo deveria ser o meio termo.

Fiquei com a sensação de que de que não só eu achei aquela situação trágica e cômica como por demais insipiente. O próprio Moreto deixou escapar um sorriso com certa ironia, procurando fazer coro com os demais conselheiros..., talvez, para não perder o contado operacional e a liderança que buscava  com os presentes.

A seguir a reunião se encerrou comigo, fazendo às pressas as duas últimas relatorias. Depois, como todos estavam com pressa para encerrar os trabalhos,  saí caminhando na frente  e fiquei pensando como em certos momentos o  silêncio era precioso.