PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 24.10.2001 – “Uma estranha no ninho?”

Dia 24.10.2001, por volta de dez e trinta horas, “Jo Guedes”  reiterou seu pedido do dia anterior, pois pretendia fazer um curso intensivo de dois meses no Ministério Público (curso de preparação para ingresso no MP). Perguntou-me se eu autorizava. Depois de consultarmos a portaria do Secretário Chinato (reposição de horário de trabalho de policial estudante...) que disciplina a matéria respondi que sim, mas que queria que ela apresentasse uma proposta de preenchimento da ficha de ponto.

“Jô Guedes” reclamou que ninguém assinava mais esse  documento. Insisti que na “Assistência Jurídica” deveríamos  assinar o documento diariamente e que eu procedia assim, fazia minhas compensações, inclusive.   Argumentei, ainda,  que com relação ao seu curso da minha parte não teria problema algum, que estrategicamente isso era muito vital para a Polícia Civil, para o nosso setor e para ela.  “Jô Guedes”  argumentou que eles não viam assim, como também não se interessavam pelo fato que ela chegava antes das sete da manhã e saia ao meio-dia, se entrava por volta de quinze horas e saia às vinte horas ( isso porque no período da tarde chegou uma hora atrasada). Então, para “eles” ela estaria errada e o resto não interessava nada, não importa se chegasse cedo e saísse tarde, o que interessava era que cumprisse o horário.  Argumentei, dizendo que para mim o que interessa era  ser produtivo  e que  mesmo trabalhando a história da Polícia Civil que aparentemente poderia parecer um serviço particular, considerava também como horário de trabalho porque interessa a instituição (só que não contabilizava como jornada de trabalho...)  e acrescentei que meus serviços estavam rigorosamente em dia.  “Jô Guedes” esperneou, invocou com outros setores, outras pessoas...  e disse que o julgamento dos superiores era com base na lei e na moral, que eles é que entendiam o que deveria ser aplicado a cada caso, segundo suas concepções... Insisti com certa dificuldade para que “Jô Guedes” fizesse o curso, que ela tinha o meu aval, que assinasse o ficha de ponto como se tivesse trabalhado na parte da manhã nos próximos dois meses e que eu – assim  como ela - também não gostávamos de assinar nada que não fosse  a verdade  e que a ficha de ponto deveria corresponder à realidade. Reiterei que o seu curso no MP era estratégico e importante para a instituição e que na minha avaliação deveria ser entendido como uma extensão de nossos serviços jurídicos, uma busca não só pelo conhecimento jurídico, mas por novas ideias, imagens, informações, relações, intercâmbios e, mais, ainda, também compreender novos paradigmas, ter novas visões.  Com isso, procurei tranquilizá-la um pouco e evitar que naquele momento de “corda solta” a nossa guarda ficasse tão aberta, coisa que não apreciava nenhum pouco, ainda mais em se tratando de Lipinski no poder.  Argumentei que no final do mês o relatório de ponto era ela que fazia, mas eu que assinava e as informações teria que corresponder a verdade e que eu avalizaria o seu curso sem problemas, deixando entendido que tudo era muito relativo, especialmente o fato dela também não gostar de assinar nada que não correspondesse a verdade, nem eu!

Horário: 14:15 horas:

Havia deixado meu carro – como sempre – estacionado na Avenida Trompowiski. Durante minha caminhada até à Delegacia-Geral fiquei pensando na conversa que tive com a “Jô Guedes” pela manhã, sobre o seu curso no “MP”, na lógica de Lipinski em não ligar para os servidores que se dedicavam ao serviço além do horário de trabalho, que procuravam estar no trabalho de corpo e alma e dar o seu melhor, e isso não por obrigação, que buscavam produzir com qualidade e eficácia, não para agradar o dono da fábrica. De repente me deu um estalo: “é isso aí, a questão é justamante é essa, Lipinski age como o gerente de uma ‘fábriqueta’”, pensei.  O gerente de uma fábrica quer produção, quer gente trabalhando, o que interessa são as vendas, o mercado e para um “gerentão” era fundamental alcançar esses objetivos para trazer “lucros” para os patrões, que nosso caso não era a sociedade, dentro dessa lógica, talvez fosse dar visibilidade ao Secretário, engrandecer o Ministério Público, agradar o governador?  Então estaria aí a explicação por que Lipinski se fechava em seu gabinete, se colocava numa posição de intransponível para os que estavam embaixo, administrava friamente e passava por cima de legislações, informações jurídicas quando não lhe interessavam... e porque acima de tudo estariam  os fins, não importam os meios?  Seria Lipinski um lobo solitário? A questão poderia ser meramente de estética, não era preciso projetos, planos, sugestões, amor à instituição, sonhos, utopias, garra, criatividade, imaginação..., basta apenas produzir, cumprir horários, fazer o que mandassem e baixar a cabeça...  Talvez “Jô Guedes” tivesse razão nas entrelinhas, o que interessava realmente fossem apenas as aparências e ela estivesse trilhando o caminho certo, procurando fazer concursos para outras carreiras, numa busca pela libertação daquele universo “Lipinskiano”, “triuviratiano”...  (invariavelmente, era bem provável que ela não pensasse bem assim, talvez achasse que não devia nada para ninguém, muito menos à  instituição, e havia o fator “ego”, especialmente depois que concluiu o curso de Direito...).

Horário: 14:54 horas:

 Estava na “Assistência Jurídica” e ouvi “Jo Guedes” no telefone conversando com a Comissária Cleusa que trabalhava no quarto andar perguntando:

“(...)

- “Cleusa, o edital diz que tem que pular dois metros parada, eu tenho um e quarenta e oito de altura, nunca que eu vou conseguir pular dois metros parada, eu também não vou conseguir fazer tantos abdominais, eu respondi mais de cinquenta mandados de segurança sobre isso, bota outra coisa, bota correr, bota nadar, na  Polícia Federal tem natação, tu não vais fazer para Delegado, vais fazer para quê.? 

(...)

- “Isso é tolice, pular parada, ah, isso é tolice! O que é tração na barra?

(...)

- Lá em cima, mulher faz isso? Tudo bem, então tá Cleusa, olha aqui, melhor, então tá, tá bom!” 

Em seguida Cleusa desligou o telefone e “Jô Guedes” fez um desabafo:

- “Fui dar veneno para a cobra!” 

Estavam tratando do concurso para Delegado  e “Jô Guedes” era  uma candidata fortíssima, apesar da sua preocupação com a prova física (estava acima do peso...), mas tinha muito merecimento e tudo para passar, tanto ela como o seu esposo (Jucenir) , esperava  que não houvesse surpresas no concurso, pois a prova parecia que seria feita pela “Udesc” (Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina e não mais pela “Esag”) e houveram muitos problemas com o curso de mestrado pela “Univalli” e teve lá  era de se esperar que não houvesse aqui...

Data: 25.10.2001, horário: 09:00 horas:

A Comissária Cleusa, do gabinete do Delegado-Geral havia pedido a legislação que tratava sobre reserva de vagas para deficientes físicos.  Devem estar tratando do edital do concurso e  lembrei.  “’Jô Guedes’ disse que Cleusa estava muito poderosa e que conseguiu mudar algumas coisas no edital, justamente porque ontem reclamou que era bobagem constar do edital que o candidato tinha que pular dois metros parado... ‘Jô Guedes’ disse que foi reduzido para um metro e que isso mostrava que Cleusa estava poderosa demais, porque seu pedido foi atendido e ela mostrou que teve poder de convencimento lá em cima. ‘Jô Guedes’ ainda disse que era o Delegado Moacir Bernardino quem estava cuidando do edital”. 

Depois, uma das Inspetoras contatadas por Cleusa foi levar a legislação lá para cima e eu fiquei pensando que esse pessoal gostava de pedir e se relacionar com os subordinados. Enquanto isso, eu permanecia mais “Nietzchiniano” do que nunca (lendo um outro livro dele, depois de assim falava o arauto Zaratustra...), avesso às relações de poder, sociais, fechado no meu mundo, na minha solidão, na minha insignificância, sem repercussão,  procurando algo mais que a infelicidade em Schopenhauer e na cultura “Wagneriana”.