PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 18.10.2001, horário: 09:15 horas:

“Jô Guedes” tinha retornado do andar térreo onde foi tirar cópia de um Decreto sobre termo de ajustamento que a policial Cleusa tinha solicitado para o Delegado-Geral  (antes já tinha estado no quarto andar onde foi trocar mais uma informação (Processo Disciplinar Ilson Silva) que estava com erros de pontuação. Logo que retornou    “Jô Guedes”  com a voz levemente alterada fez uma revelação:

 “Não imagina o que me aconteceu agora, eu estava lá embaixo no “Xerox” e de repente olha só quem é que estava bem atrás de mim? 

Olhei para trás e era o Lipinski, levei um susto com aquele homem atrás de mim. Tirei cópia do documento e disse para ele: ‘tá aqui o documento que o senhor pediu sobre convênios’,  aí sabe o que ele me disse? ‘Vamos lá em cima comigo que eu preciso brigar um pouco com a senhora’.  Fiquei com as pernas tremendo, já estava assustada, subi com ele e sabe o que ele queria?  Me pediu para que eu olhasse o código penal e dissesse para ele qual o enquadramento em se tratando de envio de pó branco contaminado com bactéria em envelope. Eu estava assustada, com as pernas trêmulas, meu Deus, perguntei se poderia dar a resposta depois e ele disse que não, que era para eu ficar ali sentada na sala dele!”

 Depois de ouvir o relato de “Jô Guedes” argumentei:

- “Esse é um estilo dele administrar, adota-se uma política de opressão, sem diálogo, no silêncio e todos passam a ter temor, as pessoas ficam inseguras, cheias de incertezas. Sem uma pessoa certa para o cargo, sem democracia aberta, pessoas assumem um cargo desses e esse pessoal  logo começa a botar as mangas de fora, e o que acontece quando se coloca um déspota no poder,  todos ficam amedrontados, aplicam a lei de Maquiavel, o príncipe tem seus comandos que fazem as maldades, enquanto um é  bom o outro é, bom tu já lesses Maquiavel, né?”

 “Jô Guedes” disse que sim, que já leu  e acrescentou:

-  “O pessoal do interior que está vindo fazer cursos aqui na Capital tá passando um cortado, o Lipinski não dá diária para ninguém, diz que eles já vêm com a viatura e combustível e que não tem direito a diárias, os policiais tem que pagar a alimentação com dinheiro do próprio bolso. Fiquei com pena da Kátia (Psicóloga Policial e Chefe do Setor de Recursos Humanos que também não recebe nada pela tal chefia). Ela tentou conversar com Lipinski a respeito disso e ele nem quis recebê-la, mandou a Fátima (secretária/telefonista do Delegado-Geral do período da manhã) fechar a porta do gabinete dele e a Kátia disse que ficou vermelha”. 

Depois de escutar esse relato fiquei pensando noutra que me contaram dias atrás  e que a secretária Miriam do Delegado-Geral (do período da tarde, ex-secretária de Lúcia Stefanovich na SSP) teria pedido para sair daquele local por problemas com o Chefe de Gabinete Moacir Bernardino (segundo soube Miriam teria entrado na sala de Moacir que mandou que ela se retirasse, nem lembro mais o porquê disso).

Data: 19.10.2001, horário: 08:30 horas:

A capinzalense (e catarinense) Olga Bongiovani estava abrindo seu programa na Bandnews e mostrava que um dos assuntos seria a respeito de duas máquinas antigas de escrever e que seriam leiloadas para alguém que deve estar em dificuldades fazer investimentos médicos. Olhei para o vídeo e percebi que realmente as máquinas eram relíquias e me virei para “Jô Guedes” e comentei:

- “É isso que me deixa puto da cara,  lembro das nossas máquinas de escrever antigas, onde os policiais trabalhavam fazendo inquéritos, onde estão elas agora? Você vai procurar e não encontra nada, que descaso, que tristeza com a nossa história!”

“Jô Guedes”  segurou a sua leitura e me olhou séria para dizer:

- “Mas esse descaso também persiste hoje, não foi só antigamente, foi?”

Olhei para ela e completei:

- “É uma tristeza, um desrespeito com os policiais que tanto lutaram pela instituição, que por aqui passaram, essas máquinas deveriam estar em um museu, mas eles não se importam e não guardam nada!” 

(...)”.

Era triste, mas tinha que lembrar aquela velha nota circular:

“Reajuste picotado – O secretário da Fazenda, Antônio Carlos Vieira, argumentou que o governo tem 10 meses para pagar os 18% prometidos ao funcionalismo público, e não 10 parcelas. Já foram pagos, até agora, 6,3%. Este mês não tem aumento, segundo destacou Vieira, porque  não há caixa  e avançaria  no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, contestada por alguns órgãos que afirmam não haver tal impedimento legal (...)” DC, Paulo Alceu, 19.10.2001). 

A sorte grande é que Lipinski, Rachadel... estavam conseguindo imprimir um estilo de amedrontamento dos policiais que se sentiu sem reação, dominados pelas lideranças classistas que também faziam o jogo do poder, cujos dirigentes pareciam entregues. Outro fator eram as cobranças de serviços o que sobrecarregava os policiais fiscalizados por uma “Corregedoria” com fama de mal e opressora... 

Horário: 20:00 horas:

Estava deixando à Delegacia-Geral e logo que abro a porta para sair do prédio lembrei de olhar para trás e perguntar para o novo policial (Lipinski e Rachadel haviam tirado Walter, o “ Guarda-Chuva-Velho” do comando da portaria e colocaram no seu lugar o Comissário Adílio, sendo instituído o plantão, evidentemente, que deixando os serviços melhor do que era, bom só faltaria colocarem um pessoal engravatado para controlar entrada e saída de pessoal...).  Nesse momento aproveitei para retornar e perguntar para o novo policial plantonista:

- “Por acaso nós já não trabalhamos juntos?”  

E, veio a resposta:

-“Sim, trabalhamos juntos na Delegacia de Acidentes de Trânsito,   na época do doutor Bahia”. 

Soube que seu nome era Samuel e que o conhecia de algum lugar, naquele momento soube mais, que nossa ligação remontava o início da década de oitenta. Pedi desculpas pelo fato de não ter me lembrado dele antes e de ter agido com certa indiferença. Procurei explicar que era o meu jeito, saia do trabalho naquele horário um pouco desligado para me reoxigenar e me preservar, como resultado de um dia de muita leitura. Falamos sobre tudo e acabei fazendo uma retrospectiva de minha luta classista porque Samuel demonstrou estar muito inteirado de tudo que acontecia a sua volta,  uma pessoa altamente politizada, o que não aparentava em razão de seu estilo simples de ser. Acabei descobrindo que Samuel (juntamente com Valcir Mangrich...) foi um dos Comissários que se engajou no esquema para eleger Heitor Sché.  Durante mais de uma hora de conversa Samuel disse que quem gosta muito de conversa era o Delegado-Geral Lipinski e que às vezes não dava para aguentar o homem e disse:

- “Outro dia o Lipinski desceu no final do expediente, já era umas dezenove horas e eu estava louco para ver o jogo do Figueirense,   caí na bobeira de dar conversa para ele e o homem ficou aqui no balcão, não ia mais embora e eu acabei perdendo a metade do jogo, o homem gosta de uma conversa, mas não caio mais nesta besteira, agora já sei, quando ele passa por aqui eu...”. 

Samuel lamentou muito a falta de hierarquia na Polícia Civil:

- “Doutor, antigamente a gente podia dizer que existia hierarquia, mas agora ninguém respeita mais nada, os policiais não dão a mínima, o Heitor Sché também foi aprovar aquela emenda dele que o Delegado-Geral não tinha mais que ser final de carreira e o tiro acabou saindo pela culatra, queria botar o candidato dele e acabou não dando certo”.

Acabei me impressionando com aquele comentário e concordando. A seguir fiz um relato sobre a trajetória de Lipinski e do “triunvirato”, como chegaram ao poder e como isso aconteceu. Argumentei que Heitor Sché teve uma grande parcela de culpa na ascensão do triunvirato... Acabei saindo da Delegacia-Geral quase por volta das vinte uma hora e trinta minutos. Samuel se mostrou entusiasmado pelo assunto e era ele que não deixava eu sair, acabamos conversando até sobre Elesbão Pinto da Luz, Gustavo Richard..., cujas personalidades tiveram importância na história da Polícia do Estado e eu tive que resgatar algumas informações para esclarecer o policial que me deixou uma excelente impressão pelo nível de interesse político institucional.

No trajeto ao meu carro fiquei pensando na mudança na recepção da Delegacia-Geral. Walter era uma mão de obra barata, já a colocação de policiais civis de carreira (alguns com nível superior) para controlar a entrada e saída do prédio me parecia um luxo, considerando a carência de policiais nas Delegacias e demais repartições policiais. Não sabia por que não fizeram um contrato com alguma empresa terceirizada de vigilância para esses serviços. Bom, a sociedade era quem teria que arcar com esses luxos, mas era dolorido, além do mais o nosso “Guarda Chuva Velho”, apesar da hostilidade com a cúpula, fazia um serviço barato e quebrava bem o galho.