PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Dia 24.09.2001, horário: 16:00 horas:

Estava na “Assistência Jurídica” (Delegacia-Geral) e perguntei para “Jô Guedes” porque o Delegado Braga estava tão preocupado com os três delegados que Iriam perder os cargos por decisão do Supremo Tribunal Federal, considerando a confirmação do resultado negativo no exame psicotécnico.  Esses três delegados fizeram concurso por volta do ano de 1995 e Braga andava de um lado para outro parecendo indignado comentando o assunto.  O Secretário Chinato havia solicitado que Lipinski se manifestasse sobre o assunto e veio o despacho para que a “Assistência Jurídica” se posicionasse sobre o assunto. Prestei informação de que a Ministra Ellen Gracie não havia ainda assinado o acórdão, portanto, não se poderia ainda se cogitar em se adotar uma medida extrema para o caso.  Depois disso reiterei aquela minha indagação sobre o porquê do Delegado Braga andar tão preocupado com aqueles três colegas se era uma decisão do STF. “Jô Guedes” parecendo menos surda respondeu:

- “O Delegado-Geral mandou o assunto de volta para o Secretário...!”.

Perguntei:

- “Sim, mas será que então ele quis lavar as mãos?” 

“Jô Guedes” argumentou:

-  “Eu acho que ele quis foi ficar com as mãos sujas, ele declinou porque já participou do processo deles numa outra fase!”

Esperei alguns instantes e questionei minha dileta secretária e amiga:

- “O que é que tu queres dizer com ‘mãos sujas’?” 

“Jô Guedes” respondeu com certa exaltação e ironia:

- “O Delegado-Geral é assim mesmo, ele tem as verdades dele,  não pensa nos que os outros pensam, não vai fazer nada para ajudar alguém, meu Deus como tenho a boca larga, falando assim vou acabar ainda sendo exonerada!”

(...)”.

Enquanto isso:

“A superlotação nas celas das delegacias de polícia é um sintoma real do aumento da criminalidade em Santa Cataina. Não dá para fugir de uma lamentável verdade” (DC, Paulo Alceu, 26.9.2001).

Pelo que poderia se depurar os policiais civis estavam sendo cada vez mais conclamados “a vestir a camisa”, a começar que não estavam incluídos no horário especial de verão e certamente também teriam restrições do gozo de férias, licenças... 

Data: 26.09.2001, horário: 11:30 horas:

Estava na “Assistência Jurídica” e recebi uma ligação telefônica do Delegado Regional de Porto União (Delegado Antonio Carlos Pereira, conhecido como “Delegado Toninho”):

- “Tudo bem Felipe? É o Delegado Toninho DRP aqui de Porto União.

- Tudo bem! E daí, que quê manda?

- A gente vai peleando né, mais eu vou te mandar por fax, o Ministério Público deu uma mexida por aqui agora, eles de vez enquanto dão uma mexida geral e vem uma gurizada nova, antes o relacionamento estava bom, mas agora vieram dois Promotores novos, tem um tal de Afonso Ghizzo Neto e um outro, eles estão infernizando a vida dos nossos policiais, no início queriam saber porque as DPMs não tinham plantão à noite, nos finais de semana, será  que eles não sabem que temos falta de pessoal? Esse Afonso Ghizzo fez um pedido com relação a uma DPMu daqui querendo saber quantos inquéritos policiais foram feitos, quantos flagrantes foram lavrados, me deu o prazo de quinze dias para responder, eu vou mandar isso para ti, quero que tu me ajudes, olha a coisa tá muito difícil. Esse Promotor tem procurado prestigiar os policiais militares, diz por aí que a bola da vez é a Polícia Civil e quando sabe que tem um Delegado bem relacionado na comunidade, que participa de diversos setores, órgãos, aí ele vai lá e tenta minar, desprestigiar a pessoa, realmente a situação é muito difícil, mas eu vou te mandar a documentação que ele me mandou agora e tu dá uma analisada?”

Depois que o Delegado “Toninho”  (Delegado Regional de Porto União) fez o seu  quase desabafo aproveitei para fazer algumas considerações:

- “Olha Toninho isso tudo é resultado também daquela Lei Orgânica do Ministério Público, encheram a bola dos Promotores e esses novos parecem que se encantaram de vez com o poder.  Tudo isso que tá acontecendo contigo  era previsível, é o controle externo que  começou com a Constituição  Federal e agora com a lei orgânica deles...  Eu pergunto: ‘é assim que o Chinato veste a camisa da Polícia Civil?’ É o que esse pessoal da cúpula da Polícia Civil diz por aqui, quando se deram conta a lei complementar cento e noventa e sete do ano passado foi aprovada. Como é que pode o Secretário que é Promotor de Justiça dizer que não sabia da tramitação dessa legislação, o Lipinski também, e esse pessoal da cúpula ainda acreditar que o Chinato veste a nossa camisa, dá licença? Depois, veja bem, nossos dois deputados na lá Assembléia Legislativa, o Heitor e o João Rosa não fizeram nada, não apresentaram uma emenda,   a nossa Adpesc  e a Fecapoc também disseram amém! Onde esse pessoal andava enquanto essa legislação estava tramitando lá na Assembleia? E dizer que nós temos também Delegados auxiliando o Chinato lá no Gabinete, como o prestigiado Paulo Koerich? É, e ninguém sabia de nada, são uns frouxos, além disso nossos Delegados Regionais também exercem uma parcela de poder, mas ficam isolados em suas regiões, não sabem de nada, eles também poderiam fazer alguma coisa já que têm representação política e com isso poderiam evitar tanto poder assim nas mãos de um só órgão,  especialmente,  nesse caso do controle externo das Polícias. Esse Promotor Afonso Ghizzo  fez Academia para Delegado, se formou, conhece a Polícia Civil e ainda é meu parente, o avô dele é irmão da minha avó que era meu padrinho.  Na verdade o que ele está fazendo é com amparo na nova Lei Orgânica deles,  não há limite para esse controle, o Promotor pode requisitar qualquer informação, isso que eles ainda só estão começado a mostrar um pouco do poder que já têm. Com relação aos Oficiais é lamentável que eles se deixem usar, são muito ingênuos, são obedientes demais, acabam fazendo o jogo desses Promotores achando que nós somos inimigos, justamente nós que resistimos, que temos conhecimento jurídico, exercemos força política, temos mais liberdade de expressão, lutamos para beneficiar eles com isonomia salarial. Mas é bem assim mesmo, é coisa de irmãos que acabam brigando entre si, mas quando se trata de fazer favores para um estranho não medem esforços. É por isso que a coisa fica complicada, nós somos a resistência e os Promotores sabem muito bem disso, querem nos transformar também numa polícia operacional como é o caso da Polícia Militar. Eles deveriam entender a nossa importância, veja o caso da isonomia, nós a conquistamos por duas vezes e eles foram nos nossos rastros, nunca do Ministério Público, só que fomos nós que encampamos toda essa luta, nos ombreamos com o MP com os Procuradores, disputamos espaços jurídicos. Talvez quando acordarem já seja tarde e vamos todos sendo jogados na vala comum, vamos todos ser transformados numa polícia operacional enquanto eles ficam com toda função jurisdicional. Esse pessoal da cúpula da Polícia Civil vive prestigiando o pessoal do Ministério Público, enquanto ficamos inteiramente vulneráveis, não há apoio. Aliás, quando há qualquer denúncia  deles a Corregedoria já está em cima, é uma insegurança total, eu estou vendo por aqui, te aconselho a fazer um  relatório  e mandar para o Delegado-Geral, para o Corregedor-Geral, para a nossa Adpesc, Fecapoc,  para os nossos dois deputados lá na Assembleia e quando houver as reuniões bimestrais com a participação de todos os Delegados Regionais, ao invés de falarem sobre ‘praquetas’ de veículos, documentos de carro, presos em Delegacias... peça a palavra e de um grito, eu sei que também deveria fazer alguma coisa,  como já fiz no passado, mas hoje não tenho força classista nem política para tanto, não tenho também peso institucional  para mudar as coisas, estou aqui respondendo pela ‘Assistência Jurídica’, levaram o cargo lá para o gabinete do Secretário... ”.

Depois de ouvir em silêncio esse meu desabafo, o Delegado Toninho (meu conhecido há anos, desde que era Escrivão de Polícia em Pomerode no início da década de oitenta) fez algumas ponderações com uma voz mais pausada e grave:

- “Felipe eu tenho vinte e nove anos de serviço e nas reuniões dos Delegados Regionais eu tenho feito alguma coisa, não quero nem saber, tenho falado muito para o nosso pessoal, vou fazer,  vou preparar alguma coisa, o que tu me dissestes é bem verdade,  é o grito que tá na garganta de todos os nossos policiais, está atravessado na garganta de todo mundo, tudo o que tu dissestes e o que tu já fizesses é bem verdadeiro, eu pessoalmente fiz anotações baseadas em alguns pareceres teus, cheguei a distribuir para os Delegados Regionais no último encontro...”.  

(...)”.

No final da nossa conversa recomendei que o Delegado Toninho mandasse o seu material para a cúpula e que também usasse de prudência porque estava tudo dominado nas cúpulas da Secretaria de Segurança e da Polícia Civil.