PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Dia 11.7.2001, horário: 17:40 horas:

Ao retornar do café da tarde no Ceisa Center, Walter (O “Guarda-Chuva Velho”) me atacou na portaria da Delegacia-Geral:

 “Ó, hoje vamos embora mais cedo, não tem ninguém aí, foram todos viajar hoje à tarde...”.

Intrigado, perguntei:

“foram viajar? Alguma coisa especial?”

Walter respondeu:

“Foram todos para Chapecó, se despencaram para lá, de vez enquanto eles inventam essas viagens”. 

Ao acessar as escadas da Delegacia-Geral lembrei da reunião do dia anterior à tarde na “sala de reuniões”, com a participação do Delegado Mário Martins (Adpesc), também, do que havia dito o Delegado Braga, poderia ser realmente sobre a questão da isononia essa viagem repentina?

E na falta de efetivo policial:

“Estagiários – A Câmara de Joinville está enviando ofício ao governador Esperidião Amin (PPB), solicitando a contratação de estagiários para trabalharem  nos distritos policiais no atendimento ao público. A proposta é do vereador Zulmar Valverde (PFL), que também é delegado de polícia em Joinville. Alega que os policiais assumem funções dentro das delegacias, deixando de apurar infrações que exigem minuciosas investigações. Eles têm a missão de promover a segurança pública, através de ações educativas, assistenciais, preventivas e repressivas, voltadas ao combate da criminalidade” (A Notícia, Antonio Neves – Alça de Mira, 18.7.2001).

“Delegacia sem informações oficiais e estrutura – O delegado regional de Polícia, Valdenei de Bona tem bons argumentos para não manter presos em flagrante ou cumprir mandados de prisão nos três distritos policiais do município. ‘Em primeiro lugar não fomos informados oficialmente pelo juízo de execuções penais ou pela administração do presídio de que não serão aceitos presos;  em segundo lugar as delegacias não têm como fornecer alimentação, banho de sol e nem estrutura para que os presos tomem banho. Não vamos manter ninguém preso em delegacia’, disse Bona. A juíza corregedora do presídio, Ana Lia Moura Lisboa Carneiro, espera que a polícia colabore até que a situação esteja contornada. ‘É uma questão de dias’, adverte. ‘Estamos pedindo a compreensão dos delegados para que mantenham os presos nas delegacias apenas por alguns dias’. A  alimentação, pondera, não é problema, pois o presídio abastece se necessário for. A juíza garante que em casos especiais vai ser tentada a acomodação no presídio. ‘O que importa nesse momento é  a segurança da comunidade’, conclui” (A Notícia, 18.7.2001).

Depois de ler essa matéria fui rever alguns pontos da Informação n. 052/GAB/DGPC/SSP/2001, datada de 9.7.2001, encaminhada ao Delegado-Geral, em cujo documento apreciei um anteprojeto de lei encaminhado por Lipinski objetivando legitimar a presença de presos nas Delegacias:

“(...) Vale lembrar que a atribuição à Polícia Civil de funções prisionais constitui flagrante inconstitucionalidade não recepcionada pelas Cartas Federal e Estadual. Para complementar esta análise, anexo Informação n. 018/GAB/DGPC/SSP/2001, de autoria deste subscritor. Em conclusão, após especificar-se a origem do anteprojeto, opino para adoção prévia das seguintes providências: a) encaminhamento da proposta a todas as repartições policiais do Estado para colher manifestação; b) dar ciência de seu teor às direções das principais entidades de classe representativa de policiais civis; c) manter contato com parlamentares com vistas à discussão da matéria (...)”. 

Não sei quais foram as determinações de Lipinski:

“(...) COMUNICAÇÃO INTERNA N. 830/RM/00 – DE: Delegado de Polícia da 9a DelPol da Capital/ Dr. Eduardo Sena – PARA: DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL – Dr. LIPINSKI – REF.: Encaminhamento e solicitação (Faz) – DATA: 11.07.01 – Senhor Delegado Geral, Pela presente, encaminho cópia de documentação oriunda da DPTC, após impulso por parte desta unidade policial, rogando a Vsa. que, procedida à devida análise quanto ao teor da mesma, determine o imediato encaminhamento à Corregedoria Geral da Polícia Civil, com amparo no art. 209, III, da Lei 6.843/86. Discordando do posicionamento adotado por aquele órgão técnico, desprovido de qualquer amparo legal, e ainda tentando não concordar com o teor de manifestação do Parquet, em procedimento policial diverso nesta DP, declinando estar a DPTC ‘sabotando’ os trabalhos de algumas unidades policiais, referindo-se à ausência, morosidade e precariedade dos laudos emitidos, bem como o não cumprimento de apresentação de peritos requisitados pelas autoridades policiais, como no caso em tela, entendo Ter infringido àquela  direção o disposto no artigo inicialmente mencionado. Não me alongando, cabe consignar que o dispositivo legal apontado pela DPTC, ou seja, o art. 181 do CPPB, trata-se de preceito de aplicação em tese judicial, bem como, até prova em contrário, o art. 6o do mesmo diploma processual ainda contempla ‘poder’ às autoridades policiais à realização de suas atividades. Certo do conhecimento de Vsa.,  apenas aponto o disposto nos art.s 6o de 11 da Lei 6843/86, já citada. In fine, acrescento que, independente do entendimento em nível administrativo, este signatário, como por vezes anteriores, e infelizmente, apresentará o devido requerimento ao Juízo competente, tendo-se, novamente, a presença de funcionários daquele órgão técnico nesta unidade policia, consignando nos devidos procedimentos policiais à análise, em fase extrajudicial, da prática de crime de desobediência, não obstante entendimentos contrários, mas não majoritário, da posição de funcionário público no pólo passivo. Face à reiteração de tal conduta por parte da direção da DPTC, entre outras já consignadas ao Juízo competente em procedimentos diversos, forçosa a presente manifestação – Respeitosamente,  EDUARDO ANDRÉ SENA – Delegado de Polícia”.

 A seguir o documento da direção de Polícia Técnico-Científica:

“(...) Do: Diretor da Diretoria de Polícia Técnico-Científica – Para: Delegado de Polícia da 9a Delegacia de Polícia da Capital – Assunto: Resposta a CI – Em atenção a CI n. 740/ASG/01, de 03/07/01, cabe primeiramente informar a Vossa Senhoria que as testemunhas e os peritos ocupam posições totalmente distintas nosso ordenamento jurídico, quer no Código do Processo Penal, quer na Código de Processo Civil, portanto não há porque confundir estas duas categorias. Buscando informar Vossa Senhoria desta distinção estamos encaminhando cópia do artigo ‘Perito Não Pode Ser Ouvido Como Testemunha’.  Por força desta distinção não se aplica aos peritos o Art. 221, parágrafo 3o, do CPP, como também não se aplica aos peritos o inciso III do Art. 60 do CPP, pois por força do Art. 181 cabe somente a autoridade judiciária suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo. Esta intenção do legislador está comprovado no seu voto de relator, por ocasião da apreciação da Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, que alterou este artigo, que constou: ....  ‘reservando a autoridade judicial, tão somente, a competência para solicitar ratificações de formalidades ou laudos’. Segue anexo cópia do citado voto. Diante do exposto deixamos de apresentar o Perito Criminalístico Messias Seroa da Mota para prestar depoimento. Com isso não se nega o perito em colaborar na busca da verdade se colocando a disposição para esclarecer as dúvidas que porventura restaram quanto ao laudo pericial e que ele tenha observado no local do crime, bastando fazer um contato com o perito e combinar local, data e hora que certamente ele não se furtará de colaborar. Estamos encaminhando cópia deste documento e anexos ao Delegado Geral da Polícia Civil. Atenciosamente, Celito Cordioli – Diretor”. 

Atendendo despacho de Lipinski, encaminhei meu parecer:

“ESTADO DE SANTA CATARINA - SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA - DELEGACIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL - Informação n. 56/GAB/DGPC/SSP/2001 - Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil - Assunto: insubordinação/indisciplina – policial civil - Conforme consta da CI n. 830/RM/00, datada de 11.07.01, o Titular da 9a DP/Capital recebeu a negativa de apresentação de policial civil por parte da Direção de Polícia Técnico-Científica (Inquérito Policial n. 010/01) que entende que os Peritos Criminalísticos somente poderão “complementar ou esclarecer laudos quando houver determinação de autoridade judiciária” (art. 181, CPP) que poderá, tão-só, solicitar ratificações de formalidades ou laudos,  não se aplicando  aos mesmos o inciso III do art. 6o e 221, ambos do CPP (CI n. 450/DPTC/01, datada de 05.07.2001). Em razão disso, aquela autoridade policial solicitou  o imediato encaminhamento do material à Corregedoria-Geral da Polícia Civil para as providências disciplinares (art. 208, III, da Lei n. 6.843/86 – Estatuto da Polícia Civil – EPC/SC). Fazendo o contraponto, o  Titular da 9a DP/Capital  invocou em síntese os seguintes argumentos:  a) a disposição prevista no art. 181, CPP se aplica restritivamente ao curso do processo criminal em tramitação, quando a autoridade judiciária é quem preside a demanda; b) o art. 6o, EPC/SC consagrou como princípios a hierarquia e a disciplina que se constituem relevantes pilares de sustentação institucional; c) também, estabelece o art. 11, EPC/SC,  que os Peritos Criminalísticos se constituem auxiliares das autoridades policiais. Os argumentos apresentadas pela autoridade policial são consistentes. A disposição prevista no art. 181, CPP, com a nova redação da Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, não obsta que a autoridade que preside procedimento policial possa convocar especialmente policiais civis como testemunhas, em especial, quando a requisição ocorrer com o intuito de se esclarecer dúvidas, suprir omissões ou complementar perícias como conseqüência das atividades investigatórias/diligências realizadas. Muito pelo contrário, pois, além da vinculação do profissional da área de perícias à instituição (administração/controle/correições), compete  à Polícia Civil desenvolver com exclusividade as funções técnico-científicas (art. 106, inciso I, CE/89). O próprio Código de Processo Penal, além das disposições previstas no art. 6o, contempla situações em que a “autoridade policial” poderá requisitar novas perícias. À maneira de exemplificação, além do que estabelece os arts.  166 e 167, cite-se a disposição prevista no art. 168, CPP:  ‘Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor’. (sublinhei) Ora, nesses casos, não se pode olvidar que a autoridade policial antes mesmo que decida pela requisição de perícias complementares (de ofício) possa, se entender conveniente, proceder a ouvida do expert,  a fim de que este preste esclarecimentos que poderão ser essenciais na formulação de quesitos e/ou na adoção de outras providências necessárias com vistas ao esclarecimento dos fatos. Ademais, o art. 202, CPP, estabelece que ‘qualquer pessoa poderá ser testemunha’. O não cumprimento do conteúdo da CI 730/ASG/01, datada de 03.07.2001 (9a DP/Capital)  constitui infração disciplinar prevista expressamente no Estatuto da Polícia Civil: ‘Art. 209.  São puníveis com suspensão de 31 (trinta e um) e 60 (sessenta) dias: (...) III - indisciplina ou insubordinação; (...).”O renomado jurista Celso Antonio Bandeira de Mello doutrina: ‘(...) Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,  no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. 4. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica  ofensa não apenas a uma específico  mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão  de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, como ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada (...)’ (in Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 12a ed., 2000, SP, Malheiros, págs. 747/748). Sobre ‘disciplina’, ensina o jurista Plácido e Silva em sua festeja obra: ‘derivado do latim disciplina (ciência, ordem, regulamento), em sentido amplo, designa a regra ou o conjunto de regras impostas nas diversas instituições ou corporações, como norma de conduta das pessoas que a elas pertencem. São deveres morais ou de bons costumes, entrelaçados com preceitos que se impõe à maneira de agir dentro e fora da instituição ou corporação, cuja transgressão pode motivar sanções disciplinares. As regras de disciplina fazem parte dos regulamentos, estatutos ou compromissos adotados como reguladores das mesmas instituições e corporações. E, por elas, as pessoas obrigadas a seu cumprimento assumem o dever de submissão às regras que se estatuem’ (in Dicionário Jurídico). Também, estamos diante de um “verdadeiro”  exemplo de flagrante descumprimento das normas legais a que está sujeito todo o policial civil (art. 208, XV, EPC/SC). Entenda-se como normas legais, além dos princípios institucionais que sustentam a Polícia Civil, as disposições previstas no Código de Processo Penal (requisições pericial/testemunhal). Para efeito de registro, a negativa de atendimento às requisições de autoridades policiais  - especificamente por parte da Direção/DPTC -  há precedentes na Corregedoria-Geral da Polícia Civil (Informação 071/GAB/DGPC/SSP/2000, datada de 24.07.2001). Frise-se, ainda,  que a função de polícia técnico-científica é atribuição constitucional da Polícia Civil e não monopólio de alguns poucos. Como da vez anterior, o fato é de extrema gravidade.  Acerca do assunto, também estabelece o Estatuto da Polícia Civil:  ‘Art. 206.  São penas disciplinares: (...) III - destituição dos cargos e encargos de confiança; (...).’ Finalizando, registre-se que o ato requisitório foi inviabilizado por determinação da Direção Polícia Técnico-Científica, razão que entendo como suficiente para isentar de qualquer responsabilidade disciplinar o policial civil notificado (Messias Seroa da Mota). Florianópolis, 23 de julho de 2001 - Felipe Genovez - Delegado de Polícia E.E.”