PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 02.07.2001, horário: 10:40 horas:

Estava na “Assistência Jurídica”  (Delegacia-Geral) e recebi o Diário Oficial do Estado, logo que comecei a ler a primeira página constatei a publicação da Lei n. 11.759, de 25.06.2001 que criava dezessete cargos comissionados no âmbito do Ministério Público do Estado, nível “DASU-2”. Depois, desci até o andar térreo e resolvi pedir para a policial Raquel do protocolo tirar cópia da referida legislação. Enquanto aguardava a cópia segui em frente alguns passos e percebi a presença do Delegado Wilmar Domingues no seu cato (sala que pertencia anteriormente ao Escrivão Osnelito, Gerente de Fiscalização de Jogos e Diversões Públicas).  Mostrei  para ele a referida Lei fiz o seguinte comentário:

- “Veja só isso Wilmar, enquanto o Alberton defende os interesses do  Ministério Público por aqui ninguém assume nada,todos tiram o corpo fora. Olha só, está aqui uma forma de se conceder aumento indireto para o Ministério Público, é bem provável que os Procuradores de Justiça vão ser nomeados ou indicarão pessoas de sua confiança para esses cargos comissionados. Na Polícia Militar os Coronéis têm cargos comissionados vinculados a uma diretoria, enquanto que por aqui os Delegados Especiais estão minguando, jogados por aí como é o teu caso, isso é uma barbaridade. Olha Wilmar eu não vou mandar uma ‘CI’ para o Lipinski dizendo essas coisas, mas que dá vontade dá...!”

Wilmar se animou com meu surto e passou a sugerir que eu botasse esse assunto no papel e mandasse para cima. Retornei à  “Assistência Jurídica”  e redigi o documento:

“Comunicação Interna n. 121/2001, data: 2.7.2001; DE: Asistência Jurídica Policial; PARA: Dr. João Manoel Lipinski DD. Delegado Geral da Polícia Civil; ASSUNTO: encaminhamento (FAZ); Senhor Delegado Geral -  Para conhecimento, encaminho Lei n. 11.759, de 25 de junho de 2001 (DOE n. 16.690, de 28.6.2001), que cria dezessete cargos de Assessor Jurídico, nível MP-DASU-2, Grupo Direção e Assessoramento Superior, de provimento em comissão no âmbito do Ministério Público do Estado. Felipe Genovez -  Delegado de Polícia EE”. 

Coloquei no papel apenas o essencial, mas não deixei de cumprir os desígnios de Wilmar, cujo personagem retratava o descaso, o abandono, o desprestigiamento da cúpula, aliás, condição a que estávamos relegados quase todos os Delegados Especiais que não fizeram parte do “jogo político” ou que não se deixavam seduzir por cargos políticos, que não deixavam violentar princípios institucionais e éticos.

Data 03.07.2001, horário; 09:30 horas:

O Delegado Braga retornou até a “Assistência Jurídica”, estava com um protocolo de intenções nas mãos protagonizado pelo Ministério Público. O documento tinha como objeto o controle da poluição sonora, bem como as medidas administrativas e policiais que deveriam ser adotadas em caso de abusos.  Braga havia sido “notificado”  a participar de uma  reunião  convocada por “Promotores de Justiça”. Disse que não foi porque achou uma arrogância da parte do Ministério Público notificá-lo para tal evento, sob pena de condução.  Também argumentou que mostrou o documento para o jornalista “Helio Costa” no seu gabinete e que chamou a atenção para o fato de que o mesmo previa que policiais militares poderiam lavrar termos circunstanciados em caso de infração criminal.  No dia seguinte, quando chegou na parte da tarde na “Assistência Jurídica”, Braga havia deixado em cima de minha mesa a comunicação interna endereçada a Lipinski que havia ajudado a redigir:

“URGENTE - CI n. 106/2001 – DATA: 03.07.01 – DE: Responsável pela Fiscalização de Jogos e Diversões  PARA: DelEgado-Geral da Polícia Civil – João Manoel Lipinski – ASSUNTO: Encaminhamento – Encaminho cópia do PROTOCOLO DE INTENÇÕES  - PROGRMA SOM CIDADÃO,  colocando alguns absurdos que constatei na mencionada proposta: 1 – Quanto ao item III ( DA POLÍCIA MILITAR): ‘Efetivar Termo Circunstanciado quando constatado abuso na utilização e encaminhamento ao juizado Especial Criminal’: a) Ora, esta me parece uma velha discussão: ‘pode policiai militares lavrarem termos circunstanciados?’ Paulo Lúcio Nogueira, tecendo comentários  acerca do art. 69, da Lei n. 9.099/95, ensina que ‘Autoridade policial  referida na lei  só ode ser o Delegado de Polícia ....’  (in Curso Completo de Processo Penal, Saraiva, 11a ed., 2000, SP, pág. 41). B). Tal entendimento, se coaduna com o melhor posicionamento acerca da matéria, conforme se observa das conclusões extraídas do IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil, realizado  nos dias 29 e 30 de Agosto/97, em São Paulo, SP, onde através do Comunicado de n. 20, de 16.10/97, na Resolução de  Matéria Criminal, em seu item 7, por maioria  daquele encontro resolveram: ‘A Autoridade Policial a que se refere à Lei n. 9.099/95, é o Delegado de Polícia (...)’. 2. A fiscalização de jogos e diversões públicas é da competência constitucional da Polícia Civil (art. 106, inciso VI, CE/89). 3. A par disso, entendo como irremediável a omissão do nome do Delgado-Geral da Polícia Civil como um dos principais subscritores do referido documento, especialmente, porque a corporação que comanda está calçada nos princípios da hierarquia e disciplina (art. 60, da L. 6.843/86 – Estatuto da Polícia Civil) e a sua violação constitui infração disciplinar prevista nos arts. 208, XVI e 209, II, do mesmo diploma estatutário. 4. Salto aos olhos constatar que no documento também consta (itens II e III, Segurança Pública) atribuições que já são executadas  por esta Gerência/DGPC. Por último, entendo que a assinatura do Titular da Pasta, a quem compete o comando político e administrativo superior da Polícia Civil, por si só já é o suficiente para tornar prescindível a assinatura deste subscritor ao referido documento. Atenciosamente, LAURO CEZAR RADTKE BRAGA – Delegado de Polícia Especial – Responsável pela GFJD”.

A pergunta que ficou no ar foi esta: “por que o Delegado-Geral não queria assinar o documento apresentado principalmente pelo MP/SC (José Galvani Alberton), por Antenor Chinato Ribeiro - Titular da Pasta/SSP, João Omar Macagnan - Secretário Estadual de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Ângela Regina Heinzen Amin Helou - Prefeita Municipal,  Walmor Backes/PM, Celito Cordioli/DPTC, dentre outras autoridades? Tinha dito para Braga que ele era apenas um “responsável” pela gerência, uma espécie de “quebra-galho” até que um comissionado fosse nomeado.

As investidas da PM na área de investigação estava se transformando num fato corriqueiro, tudo sob o cobertor do Ministério Público que deveria ser uma instituição guardiã das normas constitucionais, muito pelo contrário, parece que pelos bastidores fomentava o seu descumprimento na área policial, já que não cobrava do governo estrutura e condições de trabalho para os Delegados de Polícia, muito pelo contrário, as evidências mostravam que tinha um Secretário de Segurança Pública morno, com um Delegado-Geral na geladeira e uma Polícia Civil paulatinamente sendo fragmentada e enfraquecida (o exemplo da Polícia Científica era emblemático, os “termos circunstanciados também...). Seria esse o discurso de “humildade” de Alberton? Vejamos:

“Polícia Acha suposto desmanche de carros – Na casa de pintor, em Joinville, PM apreendeu 4 veículos e investiga outra oficina suspeita – Investigações  realizadas pela equipe do P 2 (secretos da PM) levaram a polícia a desarticular oficina apontada como um desmanche e usada  para modificar as características de veículos furtados. Na residência do latoeiro e pintor Valdir Mello, 26, na rua Amélia Zucoho, conjunto  residencial Ulysses Guimarães, no bairro Jarivatuba, em Joinville, foram  apreendidos  quatro automóveis, chassis e placas de um Monza já desmontado. Na oficina  da rua São Francisco do Sul, no Parque Guarani, bairro  Escolinha, outros quatro automóveis  ali encontrados terão suas origens investigadas (...)” (A Notícia, 4.7.2001). 

O fato era que o perfil dos Oficiais Militares era de obediência hierárquica  cega, apenas se ombreavam com Delegados de Polícia, nunca com Promotores de Justiça e Magistrados. Era fato quase que normal os Oficiais questionarem um auto de flagrante-delito que não fosse lavrado, mas, jamais teriam coragem de questionar, por exemplo, o conteúdo de uma denúncia desclassificatória, de uma prisão preventiva denegada ou de uma sentença criminal absolutória. Os Promotores de Justiça sabem que os Delegados de Polícia são dotados de conhecimento jurídico e exercem funções de polícia investigativa e judiciária, além de contar com o “inquérito policial”. Afigura-se que a meta seria boicotar de todas as formas essas competências constitucionais e legais, a começar pela instigação de um processo deletério velado, cujo instrumento seria usar  os Oficiais Militares a entrarem em choque com Delegados de Polícia, enquanto isso eles assistem de camarote porque qualquer reforma no sistema policial só iria beneficiá-los (fortalecê-los na meta de ter as polícias trabalhando exclusivamente para eles e não para a Justiça? O nosso projeto de “unificação dos comandos das polícias” procurava estancar esse processo de “autofagia” das polícias em defesa da sobrevivência e supremacia das próprias instituições polícias, evidentemente que tendo o Ministério Público como parceiro, aliado e membro ativo no controle das investigações, porém sem retirar as independências institucionais e prerrogativas das autoridades policiais.