PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 21.05.2001, horário: 10:25 horas:  

A Psicóloga Clarice esteve na “Assistência Jurídica” se apresentando preocupada em achar um namorado, brincando traçou o perfil, quando interrompi seu registro sugerindo o nome do Delegado Valter Claudino Rodrigues. Clarice respondeu que não queria ninguém como paciente, depois das boas risadas ela se foi como chegou.  No setor acabamos falando sobre a jornada de trabalho das Psicólogos Policiais e que Lipinski havia pressionado para que elas cumprissem a jornada de oito horas diárias, considerando a informação estavam fazendo apenas meio expediente.  Lembrei que os Médicos-Legistas  e outros policiais também não cumpriam a jornada diária de oito horas, aliás, muitos nem apareciam na repartição policial (principalmente no interior do Estado), como havia me confidenciado noutro dia a Escrivã de Polícia Iraci Mulinari de Xanxerê.  Iraci (a “Baixinha”)  revelou que lá na sua cidade o médico-legista trabalhava no seu consultório médico, não precisava ir na repartição policial, só atendia ocorrências quando era chamado. Acabei dando razão para os psicólogos porque eram poucos, desunidos e nada impediria que pudessem atender pacientes também nos seus consultórios, fora da jornada de trabalho. Também, pessoal da Perícia era peso pesado e parecia que ninguém se arriscaria a  mexer com médicos-legistas e outros profissionais da área técnico-científica, muito menos Lipinski, Rachadel..., pois sabiam que eram protegidos do Secretário Chinato, razão porque preferiam eleger outros páreos, outros assuntos cosméticos... que acabavam servindo para preencher espaços pequenos, desviar atenções ou até eleger “bodes expiatórios”...,  tudo em nome dos discursos do “cumprimento do dever”, da “consciência tranquila”....

Data: 26.05.2001:

No final da tarde fui ler o DOE do dia vinte e cinco (DOE n. 16.668, p. 19), onde pude constatar os atos de  promoção  de policiais militares que Walmor Backes havia assinado e que estavam previstas para o mês de maio. Enquanto na Polícia Militar realizavam-se três promoções por ano,  na Polícia Civil não havia sinal para as duas promoções previstas para o ano, aliás, estavam atrasadas as promoções de diversos anos anteriores, tudo parecia bem ao gosto do governador. “Jô Guedes” havia argumentado que todo mundo comentava que neste ano haveria concurso de ingresso na Polícia Civil e eu duvidei, lembrando que há três anos não havia concurso, ou seja, desde de aquele ano célebre de 1998. Argumentei que os policiais ainda estavam com seus salários reduzidos, sendo cada vez mais exigidos, cobrados, fiscalizados, sem qualquer resistência, como ocorreu há tempos atrás, como por exemplo nos períodos dos Delegados e Antonio Abelardo Bado (1987/1989) e de Jorge César Xavier (1991/1993), quando a oposição foi ferrenha, representada principalmente pelo Delegado  Alberto Freitas, presidente da Adpesc. Antes e depois de Alberto Freitas não houve nunca resistência, isto sim, jogo de habilidades..., menos confronto.

“Planos, Metas, Projetos, Ações...?”

Dias 30 e 31 de maio Lipinski e todos os detentores de cargos comissionados se reuniram na cidade de Lages.  A exemplo do Delegado Braga (responsável pela Gerência de Fiscalização de Jogos e Diversões), justifiquei a minha ausência já que minha convocação se deveu por estar na condição de “responsável pela ‘Assistência Jurídica’” (disse que havia excesso de serviços/atividades o que era verdade, mas o fato era que se tratava de um encontro de Delegados comissionados...) e no meu caso, sobretudo, não queria ser identificado com a  administração e também porque o detentor do cargo de “Assistente Jurídico” do Delegado-Geral encontra-se no Gabinete do Secretário Chinato (junto à Consultoria Jurídica). Além do mais, tratava-se de uma reunião trimestral para a qual eu nunca havia sido convidado antes...  (“por que  só agora?”, me questionei) e não havia pauta... 

“É e não é – Porque, ‘para o bem da comunidade’, como insiste a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) o expediente do Tribunal de Justiça tem que ser de oito horas e o de outro tribunal,  o de Contas, seis? A resolução do Tribunal de Justiça (TJ/SC), considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), estabelecia seis horas corridas. A do Tribunal de Contas (TC) é mais constitucional ou menos constitucional que a do seu vizinho da Praça Tancredo Neves?” (A Notícia, Raul Sartori, 31.5.2001).

O jornalista talvez tivesse se esquecido da “Assembleia Legislativa” (não só dos fantasmas...) e de outros servidores privilegiados:

“Ficha – De 7 de agosto de 1990 a 15 de junho de 1999, um investigador policial encarregado da cadeia pública de Laguna cometeu inúmeras irregularidades. Algumas: não comunicar fugas imediatamente, maltratar ou conceder regalias a presos, facilitar fugas em diversas ocasiões, levar presos em suas casas para visitas, auferir vantagens em troca de saídas de detidos nos finais de semana, promover tráfico de drogas no interior da cadeia e até permitir que preso viajasse ao exterior . Somente agora é que se compôs uma comissão de processo disciplinar a fim de apurar as irregularidades. Não é demora demais?”(A Notícia, Raul Sartori, 1.6.2001).

“Segurança – O presidente mundial da Matrix, Eber Lacerda, estará na Capital nos dias 8 e 9 de junho. Fará palestra sobre obtenção de pistas criminosas no mundo virtual na Academia da Polícia Civil. Os crimes pela Internet têm sido uma nova preocupação para as autoridades. A Secretaria de Segurança Pública planeja instalar uma delegacia para investigar os crimes com o uso de computador. O delegado Eduardo Hahn está coordenando o projeto” (A Notícia, Moacir Pereira, 4.6.2001).

“Investigação – 1 – Começa neste Sábado, dia 2, na Academia da Polícia Civil (Acadepol), em Canasvieiras, a Segunda etapa do curso de investigação policial especializada. O objetivo deste curso é a formação de equipes especializadas de agentes da Polícia Civil, que irão trabalhar nas dez  Delegacias de Investigação Criminal (DIC), a serem instaladas a partir de julho em Santa Catarina. Na primeira etapa do curso, em maio, os policiais civis receberam aulas teóricas sobre as várias fases de uma investigação policial. Agora, os mesmos policiais terão treinamento e atividades práticas usando equipamentos de alta tecnologia recentemente adquiridos pela Secretaria da Segurança Pública” Investigação – 2 – Para o delegado Eduardo Hahn, o treinamento será semelhante ao ministrado na Escola do FBI, na Estado da Virgínia (EUA) . Hahn permaneceu três meses nesta escola e é um dos 14 policiais brasileiros com treinamento especializado na área do crime organizado. ‘Pretendo repassar tudo aquilo que aprendi com o FBI para os nossos policiais. Ao final do curso, os alunos terão adquirido conhecimentos especializados  nas diversas disciplinas que serão ministradas, bem como o aperfeiçoamento  de aspectos  considerados indispensáveis para o policial civil’, afirma Hahn. As 10 DICs serão instaladas nas seguintes macrorregiões: Florianópolis, Joinville, Blumenau, Itajaí, Tubarão, Criciúma, Lages, Joaçaba, Chapecó e São Miguel do Oeste” (A Notícia, Antonio Neves – Alça de Mira, 2.6.2001). 

A questão que me veio à mente foi relativa à necessidade de legislação disciplinando essa matéria (Dics). Será que estavam criando mais órgãos, unidades e serviços apenas de boca, sem previsão legal (no mínimo regulamentar, o que já seria bastante questionável sob o ponto de vista legal...), como tantos que já existiam de improviso...  No dia seguinte, o Delegado Eduardo Hahn apareceu na página policial do “DC”, com vários “artefatos tecnológicos”. Talvez estivesse se transformando no símbolo da modernidade, do vanguardismo... e esse discurso era interessante para promoção das cúpulas da Segurança Pública e da Polícia Civil já que dava visibilidade midiática sem o mínimo de despesas e confrontos políticos:

“Segurança – Dez delegacias de investigação criminal serão instaladas até julho nas regiões mais críticas – Tecnologia para controle do crime – Alarmada com os índices de violência no Estado, a cúpula da Secretaria da Segurança Pública (SSP) aposta na tecnologia  e no aumento do efetivo para tentar controlar a criminalidade. Antes do fim do ano, a SSP vai abrir concurso para a Polícia Civil e aumentar o investimento em treinamento especializado. Até julho, serão instaladas 10 Delegacias de Investigação Criminal (DIC) nas regiões mais problemáticas de Santa Catarina. Cada unidade contará com uma equipe especialmente treinada, com noções inclusive de como combater crimes através da Internet, a rede mundial de computadores. A Segunda etapa do chamado Curso de Investigação Policial Especializada, que vai formar os profissionais, teve início neste Sábado, na Academia da PolíciaCivil  (Acadepol), em Florianópolis (...). ‘Há necessidade de se implementar a investigação’,  avaliou Chinato. Para o secretário, atualmente os polciiasi civis e militares lidam diariamente com o desestímulo somado à falta de recursos tecnológicos.  Outro problema que dificulta a elucidaçào de crimes é o que o titular da SSP chama de ‘massificação das ocorrências. Muitas vezes, comparou, a polícia deixa de se empenhar em uma ocorrência grave para dar andamento a casos corriqueiros. Nas DICs, os agentes tratarão apenas de casos específicos e terão à disposição o que há de mais moderno para o serviço de inteligência, como microcâmeras, câmeras fotográficas digitais, gravadores e microfones sofisticados para escuta telefônica. Há uma carência de pessoas – Todo o material foi licitado e já está em Florianópolis. ‘Nossa polícia será a mais moderna do Brasil’, comparou com entusiasmo o delegado Eduardo Hahn, coordenador das DICs e formado em investigações de crimes complexos na escola do FBI (a Polícia Federal norte-americana) no estado da Virgínia. Outro empecilho que contribui com a ação da marginalidade é a carência de policiais , assinalou o secretário. ‘Há uma limitação de pessoas, reconheceu. Atualmente, estão em atividade 2.920 policiais civis. O ideal, estimou Chinato, seriam pelo menos cinco mil agentes. O anúncio do concurso público para a Polícia Civil foi feito na sexta-feira. Delegacia Criminal da região de Lages está em operação – Em Lages, no Planalto Serrano, a DIC já está atuante há cerca de quatro meses. Comandada pelo delegado regional de Lages, Marlus Malinverni, a DIC lageana abrange ainda as regionais de São Joaquim e Curitibanos. De acordo com Malinverni, a ideia da criação das delegacias especiais de investigações criminais no interior, nasceu justamente em Lages, pois a cidade já contava com uma equipe especial para apurar casos mais complexos. ‘Mostramos ao secretário de segurança  que nossa equipe apresentava resultados eficazes e daí nasceu a ideia da criação das DIC no interior” (...)” (DC, 3.6.2001).

Diante desse “show” de pirotécnica midiática fiquei pensando por onde andaria Lipinski nessas horas, o que estaria pensando...?

À noite, por volta de dezenove horas, caminhando na avenida central do Kobrasol, encontrei o Agente Prisional Kowalski, atualmente à disposição da Polícia Civil e prestando serviços na 3a Delegacia de Polícia da Capital, onde exercia funções carcerárias. Logo que me viu, parecia muito feliz e tratou de puxar conversa:

-“Não sei se tu gostas daquele doutor ‘Chupinski’, mas o pessoal lá na Delegacia tem uma bronca desse homem, não podem nem ouvir falar no nome dele”.

Fiquei impressionado com o que Kowalski tinha acabado de me dizer, primeiramente porque pareceu ironizar o sobrenome de Lipinski, aliás, ele sempre foi muito gozador, mas trocar o nome  para ‘Chupinski’  dava a impressão de que ele não sabia na realidade o sobrenome do Delegado-Geral, até por sua baixa formação.  Então,  procurei com certa discrição esclarecê-lo:

-“Eu trabalho na Delegacia-Geral com o doutor Lipinski, estou na ‘Assistência Jurídica’ e não tenho muita intimidade com ele, dificilmente converso com ele, fico no meu setor”. 

Kowalski voltou à carga:

- “O pessoal chama ele de doutor ‘Chupinski’, não tem jeito o pessoal tem uma bronca, não gosta dele, os presos estão lá na Delegacia..., mas comigo não tem erro...”. 

Bom, aí constatei que não era engano, era a forma com que os policiais estavam tratando o Delegado-Geral e acabei atribuindo esse descontentamento a “nota circular” que o Chefe de Polícia encaminhou a todos no final do ano passado, quando da ameaça de greve dos policiais por melhores salários, quando disse que “breve viria um aumento”... e que passados seis meses não veio nada..., apenas para os Oficiais da PM que receberam aumento e os atrasados, tendo recebido o  apoio da Fecapoc. Assim, talvez os policiais estivessem se sentido cada vez mais explorados na sua capacidade laborativa e sob pressão cada vez maior por parte dos Corregedores. Kowalski comentou, ainda, que tinha conversado com os Delegados na 3a Delegacia de Polícia do Estreito e que outro dia esteve lá o Delegado Artur Régis (era da maçonaria e teve um enfarte no ano de 1998 e em razão disso entrou em licença e não voltou mais...) e ele reclamou de “Chupinski” dizendo que o Delegado-Geral tinha telefonado e insistido para que voltasse a trabalhar e que ele não iria voltar mais. Kowalski afirmou que gostava do Delegado Régis. Acabei relatando um episódio da época em que estava na direção da Penitenciária Estadual, quando Régis me fez uma visita  e disse que ele gostava muito era de cargo comissionado... Fiz uma retrospectiva dos fatos que contribuíram para que Lipinski, Redondo e Rachadel chegassem ao comando da Polícia Civil, aos cargos de comando, também, sobre a questão do envolvimento com políticos, as estratégias adotadas...  Aconselhei Kowalski a não se filiar a partido político algum e depois me despedi.

Horário: 19:40 horas:

Havia chegado no Shopping Itaguçu (São José – SC), em cujo local  encontrei outro Agente Prisional – Euclides Silva (o “Quidinho” que foi meu “Chefe de Segurança” quando passei pela Direção da Penitenciária de Florianópolis) estava acompanhado de sua esposa e seu filho e logo que me viu não tive como não trocar algumas palavras, justamente sobre o sistema penitenciário, acerca do excesso de presos nos presídios, delegacias, penitenciárias... Euclides com sua sabedoria e experiência singular de quem conhecia muito o assunto, quase que sentenciou:

- “Doutor Felipe, eu tenho dito para o pessoal, a maioria dos diretores que já passaram por lá são bem intencionados, mas não adianta, se não tiver alguém que tenha força com o governador, com o secretário nada vai acontecer...!”

Pensei em completar, dizendo que de bem intencionados..., mas preferi me calar. Depois segui meu caminho pensando nos presos amontoados nas Delegacias de Polícia, nos tempos em que os Delegados Lúcia Stefanovich, Lourival Matos e Sala abriram os braços para manter presos nas Delegacias de Polícia, quando deveriam ser encaminhados para o sistema prisional... (nessa época estava na Direção da Penitenciária da Capital e fui contra, queria receber os presos para que não ficassem nas Delegacias, mesmo contra os interesses dos Agentes Prisionais e do Diretor do Deap - "Diretoria Estadual de Administração Penal", sob direção do Delegado Sala...), tristes lembranças, cujos efeitos estavam ainda se protraindo no tempo e lembrei também daquela reunião do Conselho Superior em que Lourival exigiu que constasse na ata que eles estavam tristes com o grande número de presos no cárcere da 2ª DP de São José. Acabei lembrando de uma entrevista de Lourival Matos a um dos jornais de circulação estadual que perguntando sobre o grande número de presos na 2ª DP-SJ ele respondeu em tom de desabafo que os “Delegados e policiais civis estavam servindo de ‘babás’ de presos...”. Pensei: “que ironia do destino, bem que eu avisei, porém, não fui ouvido porque o importante eram os comissionados estarem de bem com o governador Paulo Afonso...!”