PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 29.05.2001, horário: 08:30 horas:

O Delegado-Geral Lipinski foi até a “Assistência Jurídica” o que me causou certa surpresa, pois não era normal que isso acontecesse. Inicialmente, disse que tinha duas perguntas a fazer. No primeiro caso ele disse que estava firmando um convênio e dois acadêmicos de Biblioteconomia estariam fazendo o levantamento de livros e me perguntou se eu gostaria que viessem até o setor. Registrei que “não seria recomendável” pois tínhamos poucos livros, a maioria velhos que remontavam a época do Consultor Jurídico Mário Laurindo (na verdade no ano de 1991, quando foi criada a “Assistência Jurídica” eu me apropriei do acervo que pertencia a “Consultoria Jurídica” da Secretaria de Segurança Pública que havia mudado de prédio...), diferentemente da Biblioteca do Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria. Argumentei que estaríamos expondo toda a nossa vulnerabilidade em termos de acervo de livros.  Lipinski  ainda disse que pretendia criar o Museu de Drogas junto a Academia da Polícia Civil. Quanto à segunda pergunta Lipinski se referiu a um processo disciplinar envolvendo um policial civil. Logo que iniciou essa conversa, a exemplo do Delegado Moacir Bernardino, passou a observar o velho móvel improvisado de pinus que serve para guardar os livros e lançou a seguinte proposta:

- “Seria bom também trocar esse móvel aí?” (apontando para a estande improvisada).

Já conhecia aquela preocupação e Lipinski ficou sem saber o que dizer diante do meu silêncio, então aproveitei para argumentar:

-  “É,  seria bom se fosse feito uma estante com móvel apropriado...”.

Lipinski concordou prontamente e adicionou:

 “Vieram os móveis novos...!”.

Constatei que ele espera alguma reação positiva:

-  “O ambiente ficou mais ‘clean’, a sala ficou melhor...”.

Depois mais completei:

-  “Mas esses móveis não são tão bem acabados...”.

Passei a mostrar para Lipinski as gavetas que não fechavam bem, estavam meio que travadas. Lipinski pediu para que eu trocasse as gavetas de lugar e imediatamente passei a de cima para baixo e nada... Lipinski então insistiu que trocasse a última e nada..., meio que contendo a sua decepção, foi se despedindo:

- “É, vamos trabalhar doutor Felipe!”.

E, depois que ele saiu, fiz mais uma tentativa infrutífera e a gaveta ficava emperrada encima da que estava na parte superior. Fiquei  olhando para aquelas gavetas, fazendo um “monta”, “remonta”... e nada.

Lipinski saiu deixando aquele ar de “descobridor” ou de “MacGyver”, como se tivesse a solução para todos problemas, tipo: “gavetas” descarrilhadas”, “travadas”, “emperradas”...  Essa sua auto suficiência me preocupava porque enquanto ele tivesse isso como prioridade na sua mente, como forma de entreter a ele mesmo e seus subordinados com assuntos domésticos..., as questões de relevância extrema no plano institucional pareciam queimar cada vez menos... e ficávamos abandonados a própria sorte, com a nítida sensação de que era preciso fazer o tempo (e o governo) passar sem grandes incidentes e preocupações...   Nesse contexto, também detentores de cargos comissionados  pareciam estar entretidos com os seus assuntos numa escala menor que o Delegado-Geral que cada vez se notabilizava mais com um exímio (talvez nem tanto...) controlador dos que estavam sob seu jugo...

Depois disso tudo, fiquei pensando como era  difícil se conhecer um homem, no caso de Lipinski às vezes parecia humilde, simples, educado... e, depois que a gente se despia se descortinava, desnudava, desmistificava..., tudo fica mai evidente, claro... , suas atitudes, suas ações, o seu olhar, suas frases soltas, seus gestos... tudo fica muito abreviado, era como se nada tivesse ficado ou que tivesse dito... e o seu jardim continuava pobre...  Mas diante dos fato eu preferia que fosse assim era justamente o meu lado que acreditava ser verdadeiro, real..., aliás, no nosso meio todos os nossos jardins ficavam pobres, e isso era entristecedor quando se partia para o auto conhecimento e para os mundos do conhecimento e da cultura. Outros valoram o reverso, era uma questão simplesmente existencial e que no nosso mundo tinha o seu peso. Acabei resgatando as últimas palavras do ex-Delegado-Geral Evaldo Moreto que na sua aparição na “Assistência Jurídica” (quando estava deixando o cargo...) havia me dito:

- “Agora eu quero ver o Lipinski..., quando eu era o Delegado-Geral na época da Lúcia ele era o maior crítico da administração, nada prestava, nunca nada estava bom para ele..., e agora é a vez dele mostrar serviço, quero ver...”.

Lembrei que na época cheguei a duvidar de Moreto, a ponto de desacreditá-lo... (nunca tinha visto Lipinski falar mal de alguém, fazia mais um estilo de quem trabalhava muito e falava pouco, fiel, sincero, dedicado, trabalhador, confiável, humilde, valoroso, honesto, de princípios, justo, sensível...), porém, Moreto me replicou com acidez:

- “O quê? Ele era o maior crítico, vivia reclamando de tudo, tu precisavas ver...”.

Sim, aquelas frases voltavam na minha mente, estavam bem vivas, parecia que pouco restou de tudo aquilo.  Lembrei que o convênio firmado com a Univalli para criação do curso de Mestrado na Academia de Polícia se constituiu de certa forma uma (pequena) preocupação/conquista institucional se viesse a se efetivar. Entretanto, era restrita aos Delegados, deixando todos os policiais civis com curso superior em Direito excluídos...  Lipinski se apresentava com outra grande virtude, além de ser conversador, quando se tratava de decidir/resolver  alguma questão  (pena que geralmente diziam respeito aos que estavam embaixo, não se importava com os riscos, de entrar em choque com seus colegas...) revelava-se direto, persistente, decidido... (sem chegar a ser “chato”, como às vezes ocorria com Jorge Xavier...) e parecia que iria até as últimas consequências na busca de uma solução... Porém, essa sua imagem foi se alterando com o conhecimento próximo que travamos naqueles dias de convivência.

Horário: 10:30 horas:

Moacir Bernardino abriu a porta da “Assistência Jurídica” e quase que só colocou a parte superior do corpo inclinado para dentro, depois de dar um sorriso meio sem graça exclamou:

“Eu só queria ver como ficaram os móveis, ficou bonito, hein...?”.

E, foi-se. Logo imaginei que ele queria conversar com “Jô Guedes” e Myrian sobre os trabalhos da faculdade de sua esposa...  Mais tarde relatei para “Jô Guedes” esse fato e lhe perguntei se na verdade Moacir Bernardino não queria saber como estava o tal trabalho (curso Administração). “Jô Guedes”, indignada, esclareceu que foi feita até a apresentação e conclusão do trabalho... (ela achava que já era demais entregar o trabalho, mas ele pediu que fosse completo...). Disse que o conteúdo do trabalho girava em torno da história da Delegacia Regional de Polícia de São José  (provavelmente deveria  ser para uma monografia de final de semestre, arrisquei um palpite...).