PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 25.05.2001, horário: 07:53 horas:

A Psicóloga Katia do Setor de Recursos Humanos da Delegacia-Geral, acompanhada de uma Técnico-Criminalística vieram até a “Assistência Jurídica” para conferir os novos móveis do setor. Pareciam todos felizes, ostentando sorrisos e o encantamentos que havia contagiado quase todos os andares. O assunto tomava conta de quase todos os andares, a começar pela “decoração” do  nosso ambiente.  Muitos nos procuravam para ter uma ideia do resultado final, apesar de tudo, procurei deixar “Jô Guedes” recepcionar o pessoal enquanto que procurei manter minha concentração. 

Enquanto isso:

“Disque-denúncia para irregularidade pública – OAB colocará número no ar no próximo semestre para apurar problemas de moralidade administrativa – A secção catarinense da OAB, entidade escolhida  pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) para coordenar a campanha nacional pró-CPI da Corrupção no Congresso, pretende lançar no próximo  semestre um disque-denúncia para receber informações sobre irregularidades  nas várias esferas da administração pública em Santa Catarina. O presidente da entidade, Adriano Zanotto, se mostra surpreso com a quantidade de denúncias que vêm sendo formuladas à Comissão da Moralidade Pública, presidida pelo advogado Rodrigo Horn e instalada oficialmente na semana passada. ‘E são coisas, graves. Se tivermos elementos comprovadores, vamos levá-las adiante’, garante Zanotto, que por enquanto mantém reserva sobre os casos (...). As denúncias recebidas até o momento se referem a administrações municipais e são apoiadas em provas documentais, adianta. Além de acompanhar os casos, a OAB pretende receber e coletar provas, com possibilidade de ajuizamento de ações civis públicas, populares ou diretas de inconstitucionalidade (Adins) por omissão, explica Zanotto” (A Notícia, 25.5.2001).

Por aqui também:

“Conselho de polícia está inativo – Órgão aguarda indicação de representante da OAB há meses – O Conselho Superior de Polícia, responsável pelo julgamento de policiais civis suspeitos de envolvimento em delitos, está com suas reuniões  suspensas há mais de dois meses (...)” (Zero Hora, 25.5.2001).

Horário: 10:40 horas:

Foi a vez da Psicóloga Clarice Silva vier até a “Assistência Jurídica”,  parecia bastante curiosa para saber como ficou o nosso setor depois das inovações.  No momento que Clarice chegou eu estava de costas digitando,  fiquei apenas ouvindo sua voz,  excepcionalmente mais macia, suave (geralmente aparentava estar sempre alegre, radiante, efusiva..., bem provavelmente era a sua  forma de fuga interior, sobrevivência...). Não se demorou muito e, também, não se mostrou tão deslumbrada com o resultado final e depois de constatar os detalhes bem relatados por “Jô Guedes”. 

Data: 25.05.2001, horário: 15:30 horas:

“Jô Guedes”  retornou à  “Assistência Jurídica”, tinha ido até o quarto andar levar umas portarias para o Delegado-Geral Lipinski.  Logo que chegou foi relatando que conversou com o Delegado Moacir Bernardino que disse estar curioso para saber como ficou o resultado final dos móveis novos na “Assistência Jurídica”, dando ciência que mais tarde iria descer para ver em loco, especialmente o computador... Realmente, as melhoras vieram e o novo computador já estava funcionando, sendo pilotado por “Jô Guedes”, graças principalmente a dedicação e persistência dela em cobrar dos  técnicos uma solução definitiva. 

Horário: 16:20 horas:

O Delegado Moacir Bernardino veio até a “Assistência Jurídica” para ver o resultado final dos trabalhos e no centro do setor passou a mirar a velha estande de livros, parecia ser a sua nova preocupação que parecia destoar com o restante do ambiente. Moacir Bernardino propôs que fosse trocada a estande por  armários mais modernos e fechados. Também, chamou a atenção para a mesinha velha do café que estava fora do contexto do novo ambiente.  Na verdade Moacir Bernardino parecia transparecer afetado e emocionado com as mudanças que estavam ocorrendo a partir do novo mobiliário. Depois de um cafezinho ele pediu desculpas por alguma coisa e confessou que estava muito entusiasmado com as mudanças de visual que estavam sendo feitas nos ambientes do prédio. Aproveitei para concluir dizendo:

- “Mas é importante esse entusiasmo Moacir, muito importante mesmo...!”

Na verdade me coloquei no lugar de Moacir Bernardino, quando estava na criação da Fecapoc, do Clube dos Policiais Civis, em cuja época administrava ou participava ativamente:  da construção da sede balneária do Campeche; os embates institucionais nas Constituinte Federal/88 e Constituinte Estadual/89 (que asseguraram competências à Polícia Civil, desde polícia judiciária, fiscalização de jogos e diversões, produtos controlados, trânsito, polícia científica, lei orgânica...);  dos projetos que resultaram em várias leis complementares, ordinárias e decretos; projeto para alteração da jornada de plantão nas repartições policiais de vinte quatro horas de trabalho por quarenta e oito de folga para vinte quatro horas de trabalho por setenta e duas de descanso para preparar a implantação das horas extras e adicionais noturnos;  de um novo plano de carreira para os policiais civis; da luta por isonomia salarial com o Ministério Público e escala vertical de salários para os policiais civis; do ajuizando de diversas ações em defesa de direitos de policiais civis... Cada uma dessas lutas e conquista também me emocionavam muito, apesar de ser um humilde presidente de entidade de classe e detentor de um simples cargo comissionado. Naqueles tempos restava apenas rememorar, escrever os fatos para que não se perdessem. Vi em Moacir Bernardino um pouco do meu entusiasmo passado, mas como era uma coisa muito pessoal, guardei isso para mim e fiquei pensando que se todos fossem dotados daquele seu entusiasmo muita coisa poderia acontecer,  não precisaríamos de líderes, pois a resultante do todo por si só poderia fazer a diferença, sem grandes sacrifícios pessoais. Enquanto isso não acontecia, o jeito era esperar o desenrolar dos acontecimentos e que o Delegado-Geral, os Diretores e ele próprio liderassem a defesa de nossos interesses institucionais, muito além daquela troca de mobiliário que caíra bem para a Psicóloga Clarice Silva ou para Walter (o “Guarda Chuva Velho”).  

Voltei à realidade, ouvindo “Jô Guedes”  cantando aquela velha música triste (Adriane Calcanhoto) que teimava tocar no rádio que o Delegado Ademar Rezende propositalmente havia deixado no setor no seu tempo: “... O retrato que te dei, se ainda tens não sei, se tiver devolva-me, devolva-me...”. Era o tempo que passava muito rapidamente, mas as lembranças pareciam muito presentes...  

Data: 28.05.2001, horário: 15:00 horas:

Constatei na “Assistência Jurídica” que uma das Inspetores de Polícia que trabalhava comigo (Myrian Isabel Lisbôa Muller ou Jociane Guedes Martins) colocou sobre uma das mesas várias pastas e livros abertos. Impressionado aquele panorama, perguntei ao chegar:

“Ué, que tanto serviço é este?” (minha surpresa era que eu não havia repassado tanto serviço assim para elas pesquisar ou executar...).

 E, a resposta veio imediatamente:

- “É um trabalho de aula da esposa do doutor Moacir, ele pediu que a gente fizesse para ela...” (“Jô Guedes”). 

Engoli em seco e pensei naquelas “emoções” crocodilianas, do “sagrado e do profano”, contei até cem...  Depois veio “Jô Guedes” que não tinha papas na língua lançar um petardo:

 - “Sabe o que o doutor Moacir pediu para gente fazer?”

Respondi que sabia. “Jô Guedes” completou:

- “brincadeira, outro dia fui eu que tive que fazer outro trabalho para esposa dele...”.

(...)”.

Li o Diário Catarinense e me preocupei, não só os Delegados de Polícia como todos os policiais:

“Assembleia – Agostini pretende limpar pauta – A um mês do recesso parlamentar, a  Assembleia Legislativa ainda acumula 288 matérias prontas para começar a tramitar. Preocupado com o acúmulo  e com a impressão de que o Parlamento (....). Poucas questões polêmicas entre 288 propostas – Das 288 propostas que estão para deliberação, poucas questões  devem levantar  polêmica. Entre elas (...) além do projeto de lei complementar que, se aprovado, permitirá ao governo transferir  os servidores públicos de um setor para outro” (DC, 29.5.2001).

A questão era bem outra que poderia ter consequências imprevisíveis, pois se essa legislação atingisse também os policiais civis estaríamos expostos a toda sorte de perseguições, não teríamos segurança no exercício das funções, especialmente quando tivéssemos que atuar contra os que estivessem no poder, as elites... A esperança mais uma vez não estava depositada só nas cúpulas da Polícia Civil e da Pasta da SSP, mas, também, nas direções da Adpesc/Fecapoc, nos Deputados Heitor Sché e João Rosa e, também, havia o Delegado Wanderley Redondo colocado à disposição da Assembleia Legislativa, depois que sofreu a queda da direção do Detran).

Horário: 19:10 horas:

Walter Gomes (o “Guarda Chuva Velho”) me chamou quando estava de saída da Delegacia-Geral, já era hora de ir embora (pedi que me avisasse por causa da portaria que passou a ser fechada mais cedo, e tinha que acessar a saída por meio da garagem que fica também trancafiada...).  Logo que me viu aproximar Walter comentou que Lipinski ainda continua lá encima, sendo que naquele momento estava despachando com a Corregedora Cristina Schaffer.  Walter, com aquele seu “azedume” já conhecido (Walter parecia que não gostava que Lipinski ficasse até mais tarde, pois tinha também que ficar esperando a sua saída...) disse:

- “Ele agora se tranca com ela lá encima e só saí tarde...”. 

Lembrei que o advogado Edson Konell Cabral dias atrás, no seu escritório, havia me confidenciado que esteve conversando com Lipinski no final do seu expediente e teve que fazer um malabarismo mental danado para se livrar dele, porque não aguentava mais a chatice da conversa, justamente porque o Delegado-Geral era muito bom nisso.

Depois fui fazer meu trajeto de sempre para chegar ao meu carro e fiquei pensando na cúpula do governo passado, na sua quietude, no seu silêncio... Lúcia Stefanovich, a combativa e crítica de governos que não fossem do PMDB estava enclausurada na 5ª DP da Capital, localizada bem próxima de sua residência (e de sua genitora), sem que até aquele momento tivesse subescrito qualquer manifesto, participado de mobilizações, também, não escreveu artigos, participou de reuniões, procurou a Adpesc... para reivindicar ou denunciar possíveis desmandos das atuais cúpulas da Segurança Pública e da Polícia Civil. O mesmo comportamento estava sendo apresentado pelo ácido Delegado Lourival Matos, que se intitulava peemedebista radical, um crítico contumaz de qualquer governo que não fosse do PMDB e seus aliados, além disso também mantinha um silêncio sepulcral, a começar por não botar a boca no trombone contra o Diretor da Academia da Polícia Civil (Delegado José Antonio Peixoto), como fez com outros colegas em tempos não remotos, porque ocupava o mesmo cargo desde a época que comandaram a Segurança Pública no governo Paulo Afonso... Lourival dizia aos quatro cantos que Delegados com esse perfil eram “traidores”, só que no caso do Delegado Peixoto, muito pelo contrário, não disse nada, não escreveu nada, não produziu qualquer manifesto nas reuniões do Conselho Superior... e os outros diretores ou detentores de cargos comissionados também permaneciam quietos, silenciosos, camuflados... e me perguntei: “teriam medo de atirar pedras?” “por que não faziam oposição? “seria por causa do último concurso realizado pela Academia de Polícia e que deu tanto ‘bafafá’ que não deu em nada?”

Obviamente que existiam também os processos licitatórios para construções e reformas de prédios, aquisições de viaturas, armas e tantas outras coisas, tudo hermeticamente fechado, sem controle, discussão, participação das entidades classistas e de representantes de outros órgãos do governo, além da falta de divulgação interna, apesar de que não houveram denúncias nessa área tipo "caixa-preta", entretanto, parecia que o Ministério Público, Tribunal de Contas... estavam satisfeitos e não teriam nada a objetar... 

Sinceramente, essa quietude, esse agir nas sombras... tudo isso só revelava o grande número de inimigos invisíveis que tínhamos dentro da instituição, criados, mortos e ressuscitados... E, pensei no futuro, será que Lipinski, Rachadel, Redondo e Moacir Bernardino também iriam seguir esse mesmo caminho? Talvez apostem numa variável temporal em que o tempo é o maior consumidor de tudo, inclusive, das nossas memórias...