PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 09.01.2001:

No início da manhã encaminhei a CI n. 012/01 para o Delegado-Geral Lipinski renunciando ao meu mandato na suplência do Conselho Superior da Polícia Civil. Depois disso fiquei bem mais aliviado pois parecia que novos horizontes se abririam e eu com sabedoria poderia me dedicar mais à “Assistência Jurídica”, me libertaria daquelas discussões que não levavam a lugar algum, era o fim de ser testemunha de disputas pelo poder...

Data: 11.01.2001, horário: 07:05 horas:

Encontrei Lipinski chegando na Delegacia-Geral, era o seu horário de chegada costumeiro, entretanto, quase nunca nos víamos porque o meu horário era bem antes das sete da manhã e quando chegava ninguém me via (a exceção era Walter nos velhos tempo...), mesmo porque me dirigia diretamente à “Assistência Jurídica”. Já Lipinski quando chegava naquele horário às vezes ficava conversando com a telefonista (Emília) que chega também por volta das sete.  Nesse nosso encontro falei pouco, reclamei do sol de verão dos últimos dias, muito “terrorífico”... Enquanto subia as escadas Lipinski completou dizendo que pior para nós que somos mais cheios e que todo mundo conseguia emagrecer, só ele que não, o que parecia lhe incomodar bastante a mim também!

Ao chegar na “Assistência Jurídica” lembrei que era dia da posse do novo “Conselho Superior da Polícia Civil”, o que não me dizia mais respeito porque por meio da CI n. 12/AJPC/DGPC/SSP/2001 havia renunciado ao meu mandato. Lembrei da conversa que tive ontem à tarde com “Jô Guedes” que com seu instinto farejador exacerbado descobriu o arquivo da minha comunicação Interna no computador, porém, não fez muito alarde. Aproveitei para externar que minha decisão se deveu apenas porque os suplentes eram convocados aleatoriamente, não havia critérios e muitos titulares que foram eleitos não apareciam nas reuniões por qualquer justificativa barata, e aí se chama os tais suplentes, também, porque não faria falta o décimo quarto suplente... “Jô Guedes” reclamou que eu havia tomado aquela decisão sem a consultar primeiro e pensei: “... sim, eu sabia que ela gostava de mim...”. 

Argumentei para “Jô Guedes” que depositava minha confiança nos Delegados Braga e Wilmar Domingues que certamente fariam  oposição dentro do Conselho, muito embora ultimamente Braga tenha dito que tinha medo de sair da Gerência de Jogos e Diversões, que Rachadel pretendia colocar um gerente nomeado.  Comentei que o Delegado Braga foi aquinhoado com uma viatura  Renault Scénic e que os policiais Carlos e Marlon tinham suas viaturas para ir para casa.  Também relatei que a situação do Delegado Wilmar Domingues poderia ter ficado comprometida porque finalmente seu filho Wilter conseguiu vir para perto da Capital (Palhoça) e que essa tinha sido uma luta constante de pai e filho, razão porque aceitou participar do Conselho.  De qualquer maneira Braga era membro titular e Wilmar Domingues o segundo suplente, certamente que seria convocado para substituir membros titulares, considerando as eleições de Maurício Eskudlark, Rachadel e Optemar como membros titulares, porém, eram também membros natos em razão de ocuparem cargos de direção superior na Polícia Civil.

Depois dessas recordações voltou nos meus pensamentos a conversa que também tivemos acerca da existência de Deus e   pude conhecer um pouco mais de “Jô Guedes”, para quem a vida era muito provável que terminasse com a morte, só isso, enquanto que eu acreditava numa vida superior, não sei como, narrei para ela o artigo de Heitor Cony na “Folha” de São Paulo sobre a existência de Deus a seu tempo e a seu modo, em cuja crônica o colunista dizia que acredita na existência de “cangurus”, muito embora nunca tenha visto um animal desses, assim como acreditava em Deus – que seria um humorista - sem nunca tê-lo visto, a seu tempo e a seu modo.  Então, lancei a pergunta sobre o que pensaria Lipinski a respeito da existência de Deus? Talvez nunca conversaremos sobre isso, justamente e talvez porque ele não existisse a seu tempo e a seu modo.

Data: 11.01.01, horário: 17:00 horas:

Estava conversando com o Delegado Braga na “Assistência Jurídica”, e ele veio me relatar que foi a posse do Conselho Superior no período da manhã e que Lipinski teria dado conhecimento a respeito do meu pedido de renúncia... Braga disse que lamentou essa minha iniciativa porque eu sempre fui um defensor do órgão. Apresentei minhas justificativas e ele deixou escapar que já tinha também o seu pedido de renúncia pronto na sua gaveta e caso as coisas não funcionassem bem iria proceder da mesma forma. Braga lamentou que ultimamente não tinha quase tempo para ler um livro e fez uma relação de obras que tinha lido, desde a “Mauá”, “Olga” (“Jô Guedes”  do outro lado ouvindo  nossa conversa quase que bradou que tinha lido também e que havia chorado muito...), obras de Sidney Sheldon (Braga disse que era  vidrado nas obras desse autor), “Notícias do Planalto” (que adorou) e etc. Lembrou que ainda não havia lido “Chatô”, “Ramsés”..., o último livro de Fernando Moraes sobre os japoneses em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial...  Argumentei que Péricles Prade estava lançando o contraponto a essa obra, isto é, fazia uma abordagem a respeito da visão dos japoneses que não mataram os povos de sua raça em razão da queda do Japão no confronto para os EUA...

Na sequência, Braga externou sua desconfiança para com algumas pessoas que atuavam no seu setor, pois havia indícios claros de enriquecimento ilícito, ligações com donos de estabelecimentos ligados a jogos e diversões...  e que se sentia vigiado, controlado, acuado..., mas que não podia fazer nada, pois havia notícias de que recebiam dinheiro em espécie, o que dificultava qualquer ação. Braga ainda confidenciou que corria muito dinheiro nesse negócio, mas que ultimamente, a partir da sua chegada naquela gerência, que não estava dando espaços para esses policiais que já andavam meio ressabiados com ele. Braga relatou que esses policiais atendiam as pessoas no corredor da gerência, pelas escadas... “Jô Guedes” do outro lado quase que gritou que achava esse pessoal muito folgado, entravam na sala dele como se fossem dono do pedaço. Braga argumentou que estava acabando com isso e que havia relatado tudo para Lipinski, nos  mínimos detalhes, entretanto, porém, o Delegado-Geral era muito amigo de um desses policiais sob suspeita....

Logo em seguida Lipinski nos surpreendeu entrando na “Assistência Jurídica”, pois estava à procura de Braga, além de vir falar sobre as Ufirs, veio dizer-lhe que a direção da Polícia Civil, o Secretário Chinato, todos estavam do seu lado na questão da “Choperia La Pedrera” e que o que ele decidisse teria o apoio da cúpula.  Lipinski disse também que as quatro decisões relativas a mandados de segurança daquele estabelecimento já tinham sido encaminhadas à Corregedoria-Geral da Justiça em razão do descalabro, muito embora achassem que não iria dar em nada.  Braga já havia conversado com Lipinski acerca da falta de legislação na área de jogos e diversões públicas e lembrou que eu já havia apresentado um trabalho nesse sentido há alguns anos.  Lipinski propôs que fosse feito um projeto de lei pequeno. Relatei sobre o trabalho da comissão que presidi e Braga lembrou que a matéria precisava passar por uma atualização. Fui até o armário e peguei a cópia da proposta que havia feito e mostrei para Lipinski que deu uma folheada e concluiu que era muito complexo, corria o risco de ser retaliado  na  Assembleia Legislativa. Lembrei que tínhamos que dar o passo conforme o tamanho da nossa perna, e se não tivéssemos condições de apresentar uma projeto completo que seria o ideal deveríamos então apresentar algo mais sucinto como propugnava Lipinski, sendo que posteriormente poderíamos propôs a regulamentação da matéria por meio de resolução (argumentei que eu era um crítico dessa alternativa porque uma lei era uma lei..., mas tínhamos que ver o nosso tamanho e o jogo poderoso de interesses contra...). Lembrei que o regulamento de produtos controlados (Decreto n. 3.008/94 ) deveria também ter sido editado por meio de lei (cuja comissão foi também presidida por mim e havia feito a proposta nesse sentido...). Aliás, aproveitei para argumentar que não era de boa técnica um decreto regulamentar  disposição constitucional, como nos casos previstos no art. 106, incisos V e VI, CE-SC.  Braga lembrou que a proposta disciplinava o processo administrativo e instituía valores de multas...  Braga também lamentou a falta de hierarquia na Polícia Civil fazendo referência ao retrocesso causado por Heitor Sché. Lipinski pediu que fosse feito um projeto de lei pequeno sobre jogos e diversões.  Depois que Lipinski deixou a “Assistência Jurídica” Braga fez questão de lembrar o que já havia dito para ele, externando a seguinte frase:

- “...Eu disse para ele que não há mais hierarquia na Polícia Civil e isso atinge o Delegado-Geral que não é final de carreira...”.

Depois que Braga deixou o local “Jô Guedes” se disse surpreendida com o prestígio de Braga, pois onde já se viu o Delegado-Geral sair por aí correndo atrás dele, que o chamasse no seu gabinete e que isso deve ter ocorrido porque Braga era um Delegado Especial. Aproveitei para comentar que isso cheirava a política, pois segundo Braga até o Coronel Walmor Backes estaria intercedendo junto a Lipinski para que favorecesse o proprietário da “Choperia La Pedrera”.

O que todo mundo já sabia, só desconheciam que providências estavam sendo adotadas:

“Delegado suspende investigações no 6o DP – Maioria dos inquéritos está parada devido à falta de efetivo – O delegado Zulmar Valverde afirmou ontem que vai suspender as investigações devido a falta de policiais. Segundo ele, conta somente com seis agentes, sendo dois por plantão, e apenas uma escrivão. Ele diz que dos 500 inquéritos, 90% estão parados por falta de efetivo (...). Devido ao alto número de ocorrências e à falta de pessoal, o delegado diz que não vai mais investigar. ‘A partir de agora vou encaminhar os casos mais graves, como assalto e furto de veículos, à delegada regional, para que ela os encaminhe à Divisão de Operações Policiais (DOP)’, afirma. Ele observa que já levou o fato ao conhecimento da delegada regional de polícia Marilisa Boehm de Lima, mas nenhuma providência foi tomada. ‘A partir de agora, nenhum crime ocorrido na área do 6o DP vai ser investigado aqui. Espero que a comunidade entenda, mas não dá para trabalhar sem efetivo’, avisa (...)” (A Notícia, 3.2.2001).

Data: 13.02.2001, horário: 11:00 horas:

Recebi a visita do Delegado Baltazar Garcia na “Assistência Jurídica”. No transcorrer da conversa descobri que na verdade o seu interesse estava voltado a conseguir um exemplar do Estatuto da Polícia Civil.  Baltazar passou a integrar o Conselho Superior da Polícia Civil em razão da renúncia de Wilmar Domingues. Depois de alguma conversa, de matar a saudade do amigo e de fazer alguns relatos a respeito de meus trabalhos que ainda não foram publicados Baltazar fez um desabafo com  a sua nova função de conselheiro. A seguir me mostrou uma proposta de formulário para fins de parecer nos casos de requerimento de contagem de pontos para fins de diplomas/certificados  por conclusão de cursos realizados por policiais para fins de promoções. Argumentei que isso não deveria ser da competência do Conselho que tinha função homologatória, sendo que os diplomas/certificados deveriam ser encaminhados ao Setor de Pessoal e passar por uma primeira triagem, posteriormente, deveria ser encaminhado às respectivas comissões de promoções. Baltazar ao seu estilo fez o seguinte comentário:

“Mas ‘pomba-rola’, rapaz, a gente lá no interior acha que o Conselho vai decidir sobre questões da maior relevância  e pelo que vi até agora ficamos tratando de coisinhas aqui...! Mas que barbaridade, eu venho lá de Lages para as reuniões todas as terças-feiras no meu Golzinho mil, estou pagando as prestações do consórcio, tenho que pagar o combustível com dinheiro do meu bolso e não recebo ajuda nenhuma, fui falar com o pessoal e me disseram que se trata de uma função relevante, os bacanas me mostram lá na lei que se trata de uma função de relevância para a Polícia Civil e que por isso não tenho direito a ajuda alguma, e tenho que arcar com as despesas com transporte, viagem, alimentação com os meus próprios recursos...”.

Fiquei sensibilizado, inclusive, um pouco com a inocência de Baltazar e me solidarizei com ele porque realmente aquilo não era justo. Relatei que na Capital tínhamos  Diretores,  Delegados e policiais usando diariamente veículos oficiais, alguns com direito a motoristas, recebimento de diárias... e que à noite percebia que a garagem da Delegacia-Geral ficava  vazia, simplesmente as viaturas oficiais sumiam, entretanto, enquanto isso Baltazar era convocado para as reuniões do Conselho  sendo obrigado a se deslocar de Lages sem receber nada, e que aquilo era o fim.  Disse, também, que a falta de uma pauta para as reuniões do Conselho era outro ponto que levava os conselheiros a tergiversar e lancei uma pergunta: “a quem interessa isso?”  Continuei argumentando que o presidente conduzia as reuniões do jeito que queria e relatei que as reuniões no ano passado nem chegaram a ser realizadas, a não ser nestes meus escritos. Baltazar concordou com minhas observações e aproveitei para adicionar que os conselheiros discutiam coisas do cotidiano policial, esquivando-se, omitindo-se, negligenciando questões infinitamente mais relevantes tais como:  os desafios da Polícia Civil para o novo milênio, propostas de reformas ao Código de Processo Penal, apresentação de um projeto de Lei Orgânica, discussão sobre a falta de atribuições e prerrogativas aos integrantes das carreiras policiais, a questão sobre o atraso nas promoções,  uma visão críticas sobre a qualidade das investigações criminais e a criação de mecanismos de controle, acompanhamento a respeito dos avanços de outras instituições, a reação à “politicagem” no preenchimento de cargos, o desrespeito aos princípios que regiam a instituição (hierarquia/disciplina...), a questão da aposentadoria policial, a necessidade de se adotar uma legislação sobre fiscalização de jogos e diversões públicas, as ilegalidades no preenchimento de cargos em comissão na Secretaria de Segurança Pública, as prioridades da Polícia Civil, a questão da criminalidade (sonegação fiscal; crimes contra: a ordem econômica, financeira, tributária, defesa do consumidor; narcotráfico; presos em Delegacias de Polícia; jogos eletrônicos, cassinos e etc.). No final da conversa argumentei que a impressão era que os conselheiros emulavam um exacerbado apego a seus “egos” e a falar sobre a vida alheia (leia-se: dos colegas), como se fossem donos da Polícia, da Justiça, do bem, do mal, de tudo que estava apenas a meio metro de seus olhos...