PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 30.10.2001, horário: 09:20 horas:

Estava de passagem pela portaria da Delegacia-Geral em direção ao café no “Ceisa Center”  e encontrei de saída o Delegado Eduardo Senna. Logo que me viu perguntou:

-“Ô Felipe e as promoções? Estais sabendo alguma coisa?” 

Sena estava com uma camisa xadrez e parecia mais magro, o que valorizava a sua altura.  Mantinha aquele seu olhar profundo e seu jeito destemido, personalidade forte e com um quê de  sangue revolucionário, cheio de fluídos que se dissipavam ante as resistências naturais do cotidiano. Respondi:

- “Que eu saiba já foram publicadas, mas quando irão sair não sei...”. 

(...)

Já rente à calçada de pedestre, ainda no primeiro degrau encontramos o Delegado Luciano Bottini que estava chegando com sua pastinha, era bem provável que estivesse malhando em seu apartamento que ficava próximo (ou caminhando na Beira Mar Norte...) e chegava aquela hora bastante “adrenado”, sinceramente, não saberia qual a opção.  Logo que nos viu o Delegado Sena ao meu lado cumprimentou-o dando algumas explicações acerca de um assunto policial que já estava em curso e de interesse de  ambos. Enquanto se cumprimentavam lembrei da minha “gafe” dias atrás e lastimei, afinal, quem era eu para julgar o Delegado Bottini, um vencedor, foi um momento de infelicidade minha, justamente ele que nunca me fez mal, sempre foi muito educado e cortes comigo.  Bottini se virou para mim e parecendo um pouco tenso disse algumas coisas de pouca importância. Enquanto isso se juntava ao grupo o Delegado Valdir Batista e o assunto voltou a ser as “promoções”.  Valdir Batista disse que a administração estava trancando as últimas promoções,   mandou para a Secretaria o processo e o Gerente de Recursos Humanos (Anselmo) estaria emperrando sob a justificativa que não era bem assim, que a legislação de promoções era um pouco complicada.  Procurei me controlar e preferi ouvir, na verdade eles queriam coisas simples, não tinham tempo nem vontade de estudar a legislação.  Bottini disse que já tinha pedido para sair da comissão porque era muito difícil trabalhar com tanta enrolação.  Imediatamente, enquanto conversavam, pensei no novo “Estatuto do Servidor” e  logo me veio na cabeça a seguinte ideia: “será que não estavam querendo acabar com todo o sistema de promoções dos policiais civis, colocando o pessoal na vala comum e era por isso que já estavam começando a segurar as promoções? Sim, e o discurso da legislação complicada caia bem para justificar os atrasos nos processos. Realmente, esse discurso que a legislação era muito complicada parecia ser pano de fundo. Bottini ainda disse que o sistema estava todo pronto, era só alimentar com dados. O Delegado. Certamente que havia indícios muito fortes que iriam querer simplificar tudo, que iriam colocar na calada da noite os policiais civis na vala comum, tinha quase certeza que Lipinski estava lavando as mãos já que a coisa vinha de cima, então prá que resistir? A estratégia parecia ser a mesma adotada na aprovação da Lei Orgânica do Ministério Público, quando o pessoal se desse conta já estaria tudo aprovado e todos aceitariam a coisa mansa e pacificamente, por bem ou por mal, e se alguém perguntasse alguma coisa ficaria falando sozinho.  Mas existia aquela máxima: “cada povo tem o governo que merece” e a situação dos policiais civis não era diferente.  Enquanto estava concentrado, percebi uma “jamanta” descendo a escadaria pelo canto, vindo de encontro ao meu corpo que obstava o caminho, bem rente ao canto esquerdo (de quem descia). Era uma pessoa com um corpo avantajado e vendo ele se lançar contra mim logo imaginei que haveria uma colisão, realmente não pude evitar que o bólido que vinha de encontro me projetasse escada abaixo. Fui lançado para frente com o impacto  e reconheci que se tratava do médico-legista Maurício Ortiga. Atrás dele vinha o Delegado-Geral Lipinski que teve que desviar pelo outro lado em razão do congestionamento que se formou na entrada do prédio. Procurei me controlar ainda mais, era muita gente para o meu gosto e ficar parado na frente do prédio da Delegacia-Geral sempre gerava uma energia carregada. Porém, não tinha como bater em retirada, era os amigos Delegados, mais um amigo do meu irmão que estudaram juntos na Ufsc no mesmo curso de medicina. Ortiga ficou parado bem na frente do meu corpo, estava mais cheio e sua face havia inchado ainda mais, apresentava papadas e cabelos brancos.  Acabei lembrando a década de setenta quando morávamos no Bairro Coqueiros, aquele Passat verde novinho que ficava estacionado lá em frente da casa de meus pais (o carro foi um presente do Coronel Ortiga por ter ingressado no curso disputado da Federal).  Na conversa Ortiga comentou que iria fazer curso de doutorado na Espanha, ele e a esposa (Roseli, também médica-legista, todos colegas de turma na faculdade).  Disse que esteve procurando Lipinski para ver se liberava ele com remuneração.  O Delegado-Geral disse que iria pensar e depois daria uma resposta.  Ortiga estava preocupado e disse que em noventa e quatro foi fazer residência no Rio de Janeiro com vencimentos de Técnico em Necrópsia  (ele e meu irmão ingressaram na carreira na época que faziam medicina), ficou dois anos lá recebendo mensalmente os seus salários e estava ansiando por um tratamento igual no seu doutorado, e fez o seguinte registro:

- “Eu pedi numa boa que me concedesse a licença, para eu e para a Roseli, foi um trabalho para conseguir o doutorado, precisavas ver,  até eles aprovarem a documentação, agora eu disse para ele se me negar que o faça por escrito!”

Ortiga me perguntou o que deveria fazer caso fosse negado o pedido e que  estava disposto a pedir até exoneração do cargo e que depois faria concurso novamente. Disse para ele tirar isso da cabeça, primeiro deveria insistir no afastamento remunerado, depois, tentar a licença-prêmio e,  por último, uma licença não remunerada.  Ortiga argumentou que se seu pedido fosse negado por Lipinski iria entrar com mandado de segurança. Disse para ele que isso era muito relativo,   que talvez não adiantasse, que quando eles queriam negar não tinha ninguém que segurava, pois era acerto com o andar de  cima.  Ortiga perguntou-me com que político deveria conversar sobre seu pleito.  Pensei um pouco e disse:

- “Bom, em primeiro lugar quem pode resolver o teu problema é o Amin!”

Ortiga acabou se decepcionando com a minha resposta e perguntou:

- “Sim, tá e quem mais depois dele?”

 - “Ah, depois dele, é a Prefeita da Capital”.

Ortiga novamente se decepcionou e pediu para que eu indicasse mais um e foi o que eu fiz:

-  “Bom, nessa hierarquia talvez o Gilmar Knaesel. Ele é do PPB e bem relacionado, mas eu vou te dizer uma coisa, outro dia eu conversei com uma Escrevente Policial que está tentando acertar a remoção dela de Tubarão para cá  e eu sei que ela disse que foi conversado com a Angela Amin que fez contato com o Chinato e não deu em nada, olha bem, uma simples remoção de Tubarão para Florianópolis!”

Ortiga se mostrou impaciente e perguntou:

- “Mas quem é que manda nisso?” 

-  “Quem manda?”

Antes que eu concluísse ele completou:

-  “Sei, é um Promotor”.

Continuei:

- “Quem está mandando na Secretaria de Segurança é o Ministério Público, e o Chinato não faz nada sem consultar o Lipinski, especialmente nessas questões administrativas.  Quando é para dizer não, no caso daquela Escrevente dizem que o Lipinski bateu o pé que ela iria ficar em Tubarão e nem a Angela Amin conseguiu resolver o problema, pelo menos não tenho notícias”.

Ortiga então perguntou o que eu acharia dele conversar com o Deputado Heitor Sché. Afirmou que em Rio do Sul havia quatro médicos-legistas iriam fazer concurso para  colocar mais um em Ituporanga e que não havia trabalho para tantos médicos-legistas naquela região. Perguntei se ele se dava bem com Heitor Sché e ele confirmou positivamente, muito embora um pouco lacônico.  Argumentei que Heitor Sché não era um bom nome porque não tinha trânsito junto à direção da Segurança Pública e Polícia Civil.  Ortiga concordou e  perguntou o que eu acharia dele conversas com o Paulinho Bornhausen. Disse para ele que esse poderia ser um bom nome e novamente citei o caso da Escrevente Policial de Tubarão.  Ortiga argumentou:

-“Pois é, que situação heim!, Tudo porque eu sou do outro partido, ah, se fosse o Paulo Afonso no Governo, se o Luiz Henrique ganhasse, voltava todo o pessoal anterior”.

Discordei de Ortiga:

-“Não sei, eu acho que não! O Luiz Henrique tem experiência, já foi policial e sabe que se colocasse esse pessoal do Paulo Afonso novamente iria dar motivo para muitas críticas, acho que ele vai querer um pessoal novo”. 

Ortiga comentou que estava na presidência do clube de futebol de Rio do Sul, também. era diretor clínico daquela mesma cidade e que tinha ganho muito dinheiro, muito embora nas suas eleições para o parlamento estadual de 1998 teve que vender dois carros importados e que seu filho passou a reclamar que queria trocar de carro,  queria um importado novo.  Ortiga disse ainda que não havia recebido apoio algum quando quis ir a Nova York acompanhar de perto os trabalhos de resgate dos corpos nas torres do “WTC”. Ortiga disse que ficou indignado porque não recebeu apoio algum. Concordei  dizendo que seria importante para a Polícia Civil que um médico-legista fosse enviado para acompanhar os trabalhos periciais em Nova York... (o que você acharia disso? Sem palavras...). Acabei me despedindo de Ortiga pensando nos médicos-legistas (sempre aliados dos Delegados de Polícia nas questões institucionais..., desde que não mexessem com eles...) e na observação que havia feito para meu interlocutor antes que ele saísse:

-“Seria importante que a Polícia Civil tivesse um médico-legista lá!” (estava me referindo a New York...).   

Também, que me esqueci de perguntar se ele e a mulher cumpriam a jornada de trabalho de quarenta horas semanais no IML de Roio do Sul (duvidei...), certamente que nenhum médico-legista de Rio do Sul cumpria jornada alguma e talvez só o Secretário Chinato, a direção da Polícia Técnico-Científica (Celito Cordioli), e o Delegado-Geral Lipinski não soubessem disso.  

Mais tarde, quando retornei para “Assistência Jurídica”, uma das Inspetoras que trabalhava comigo disse que os Psicólogos estavam com um “cartaz muito grande com o Delegado-Geral”, chegaram a ganhar sofás novos, e que o Setor de Recursos Humanos tinha recebido visitas do chefe.

O Diário Oficial do Estado trouxe mais um exemplo de quebra na hierarquia na Polícia Civil, ou seja, por meio da Portaria n. 277/SSP/DGPC/CGPC/01, Lipinski utilizando a máxima de que a hierarquia da função prevalece sobre o cargo, mandou instaurar processo disciplinar para apurar supostas irregularidades atribuídas ao Delegado Especial aposentado Ademar Grubba, sendo a comissão constituída pelos “bacharéis” Delegados Nilton de Andrade, Acioni Souza Filho e Arilto Zanelatto (os três de hierarquia inferior ao acusado) (DOE n. 16.776, de 30.10.2001). Imagino a hora que começarem a colocar policiais civis comissionados de outras carreiras, servidores públicos, talvez até militares, para apurar faltas atribuídos aos Delegados, que precedente, heim, como é que se prestaram para isso?” Sim, era a proximidade do poder...

E na Polícia Militar coronéis eram prestigiados com cargos de direção:

“Apoio Logístico – O coronel Sérgio Walmer assumiu a diretoria de apoio logístico e financeiro da Polícia Militar de Santa Catarina”  (A Notícia, Moacir Pereira, 31.10.2001).