PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 10.09.2002, horário: 09:30 horas:

Resolvi sair para tomar meu café no meio da manhã. Antes, porém, resolvi dar uma “chegadinha” no gabinete do Delegado Braga. Logo que abri a porta percebi que estavam sentados bem na sua frente o Escrivão de Policia Milton (Sché) Neves (ex-Chefe de Gabinete do Deputado Heitor Sché na Alesc, entre 1999 e 2001) e mais um policial civil da Gerência de Fiscalização de Jogos e Diversões, cujo nome desconhecia. O assunto parecia bem interessante e resolvi intervir:

- “Ué, pelo jeito devem estar sambando política por aqui!”

“Miltão” logo que percebeu a minha chegada se levantou e confirmou:

- “Tem coisa melhor? É o momento!”

Tive que concordar para poder interagir melhor, pois realmente era ano eleitoral e se respira política por todos os lugares naquele momento, lembrando o ano de 1998 com outras figuras que deixaram saudades (Escrivão Osnelito Souza, Walter Gomes, “Rosângela-Guinevere”...). Vendo de perto, pude reparar o quanto “Miltão” lembrava fisicamente seu tio Heitor Sché. Era aquele estilo italiano grandalhão, pele clara, cabelos quase cor de mel, barriga saliente e o timbre da voz grave que externava otimismo e abundância de “egos”, especialmente em se tratando de assuntos políticos. Soube naquele momento que “Miltão” estava trabalhando para o Delegado Mário Martins, candidato à Câmara Federal, como também era seu conselheiro.  E Braga, cruzando os braços atrás da cabeça, ao mesmo tempo se reclinava na cadeira, relembrou:

- “É, quem começou tudo isso foi o Felipe.  Esse negócio de nós termos um representante em Brasília, como é importante termos um Deputado Federal, quem começou tudo isso foi o Felipe. Ele teve quatro mil duzentos e dezesseis votos, não foi Felipe?”

Surpreso com aquela colocação fixei meu olhar para Braga, e já  um pouco mais à vontade porque agora estava percebendo que poderia ser verdadeira aquela sua análise, respondi:

- É, acredito que foi isso mesmo, perto de quatro mil votos. Na época quem deveria realmente sair candidato à Deputado Federal era o teu tio. O Heitor era quem deveria ter se lançado a Deputado Federal. Ele teria se elegido. Como ele não se lançou, então, resolvi eu me lançar porque entendia que era importante naquele momento os policiais terem um candidato à constituinte”.

“Miltão” argumentou parecendo surpreso:

- “Puxa, quatro mil, foi bastante para aquela época!”.

Arrisquei um palpite:

- “Hoje acho  que equivaleria a uns vinte mil votos, mas fiquei bem longe...”.

“Miltão” argumentou:

- “Mas, mas, imagina!”.

Perguntei:

- “Quantos votos tu achas que o Mário vai fazer?”

“Miltão” respondeu:

- “Ele deve fazer entre quinze e vinte mil votos. Ele tem que fazer isso para pegar a segunda suplência. O discurso para cima do pessoal tem que ser esse. Eu tenho dito isso para o Mário: ‘Vamos chegar lá, o importante é fazer uma votação para chegar à segunda suplência’. Tem que dizer para o pessoal que estamos chegando lá. O que não pode ocorrer é de repente ficar  se nivelando com o Zachi. Não pode acontecer isso. Qual vai ser a leitura do governador se o Mário fizer dois, três mil votos, a mesma votação do Zachi? O Amin vai pensar: ‘mas que classe desunida. Só dois candidatos à federal, e o candidato do partido do governo fez dois, três mil votos, o mesmo que o outro candidato? Isso não pode acontecer, o Mário tem que fazer bem mais...”.

Braga aproveitou para interromper para relembrar um fato envolvendo o Delegado Zachi: 

- “Olha pessoal outro dia o Zachi esteve aqui e eu ouvi falando com os policiais ali da portaria, ele disse que não queria os votos dos Delegados. Ele dizia que queria se eleger com os votos dos policiais. Eu fui ali e conversei com os policiais... Depois teve uma reunião do Conselho Superior e o Zachi veio tirar satisfação comigo. Olha, precisa ver, ele disse que não era bem assim, que não disse aquilo...”.

“Miltão” interveio:

- “É, o que não pode acontecer é o Mário ficar no mesmo nível do outro candidato. Do PFL vai o César Souza. Ficou bom para o Heitor porque o Marquetti desistiu lá em Ibirama e o Gervásio Maciel também desistiu. Eles passaram a apoiar o Heitor. Agora ficou bom. O Heitor sai na região do Alto Vale com quatorze mil votos, mas ele faz menos nas outras regiões. Da Polícia Civil deve se eleger o Heitor e o  Mauricio Esckudlark. São os dois que têm chances. O João Rosa não vai. Ele é do PTB e não vai fazer mais votos que o Parizotto.   Outro que também não vai é o Mantelli pelo PDT.  Imagina se ele vai fazer mais voto que o José Hulse, ex-vice-governador do Paulo Afonso? Pelo PPB vai o Celestino, com certeza, vai ser um dos mais votados. Vai o ‘Vieirão’ também...”.

Interrompi:

- “É, para nós isso é ruim. Imagina o Amin ganhar as eleições num primeiro turno e ainda fazer maioria na Assembleia Legislativa, aí nós vamos ficar mal.  Logo o Celestino que vai comandar a tropa de choque na Assembleia. Eles estão com o projeto de reforma previdenciária pronto. Têm pronto os estudos para unificar os estatutos dos servidores públicos. Vão querer acabar com nossos triênios, licenças-prêmios... O Amin não poderia ganhar essas eleições no primeiro turno. Ah, e o Julio Teixeira, heim?”. 

“Miltão” revelou uma visão superior sobre tudo e disse:

- “É, mas os servidores não sabem dos propósitos do governo. Nem param para pensar nisso. O povo não quer nem saber, e eles acabam votando no homem. Mas o Amin não poderia ganhar no primeiro turno. Ele tem condições de ganhar num segundo turno. O pessoal tem medo que não, mas ele ganharia também  num segundo turno”.

Ponderei:

“É, torcer para eles não fazerem maioria...”.

“Miltão” voltou à carga:

- “Maioria eles não fazem. Devem eleger uns dezenove deputados”.

Emendei:

- “O bom seria se o governo elegesse só uns quinze ou dezesseis”.

“Miltão”:

“Não. Eles fazem tranquilamente dezenove e compram mais dois deputados e têm maioria. O problema do Julio Teixeira é que ele se arrombou quando aceitou o cargo de Secretário Adjunto dos Transportes. Ali ele se acabou!”. Braga concordou que o governo não poderia fazer maioria e interrompeu:

- “Dizem que o homem forte para ser Delegado-Geral é o Ademir Serafim. O quê Felipe, tu não sabes? O Ademir é amigo do Amin. O governador gosta muito dele. Todo mundo comenta que se o Lipinski sair da Delegacia-Geral quem vai entrar vai ser o Ademir Serafim. Bom entre um Rachadel da vida e um Ademir Serafim eu não tenho dúvida. Eu gosto do Ademir, ele é operacional, veste a camisa e é uma pessoa acessível, diplomática”. 

Interrompi:

- “Ele é habilidoso também. O problema Braga é que nós precisamos de um Delegado-Geral que seja institucional e operacional. Você é um exemplo Braga, és uma Delegado operacional, mas também és institucional”.

Braga interrompeu:

- “O problema do Ademir Serafim é que ele não é final de carreira”.

Continuei:

- “Pois é Braga, vamos ficar mais quatro anos administrando a Polícia Civil assim..., adeus aos nossos projetos , aos nossos princípios..., vão ser mais quatro anos perdidos, tu achas justo isso? Não, eu não concordo!”

Braga continuou:

- “É, o problema do Ademir é esse, ele não é final de carreira. Mas eu gosto dele. Eu trabalharia com ele se houvesse um convite. Tu achas que eu prefiro um Rachadel grosso. Não, não dá!”

Depois daquilo eu nem quis considerar que Rachadel fosse Delegado Especial e parecia inacreditável ver Braga antes tão defensor da hierarquia agora dizendo que prefere Ademir Serafim a Rachadel. Preferi não entrar na dialética  e Braga continuou:

- “Outro que está bem cotado é o Paulo Koerich. Ele é amigo do Governador. Vocês sabiam disso? O Amin fala com ele normalmente.  Outro dia eu fui até o gabinete do Secretário tratar de um assunto envolvendo o ‘Clube Doze’ e advinha quem é que saiu do gabinete do Secretário? Nós chegamos para a audiência e saiu lá de dentro o Paulo Koerich, ele conversava normalmente com o Secretário. Ele é amigo do Secretário...”.

Incursionei:

- “É, eu não posso concordar. O Paulo Koerich é um Delegado início de carreira e está ocupando todo esse espaço, não posso concordar, é tudo político. Desse jeito nós nunca vamos resolver os nossos problemas, sempre vai haver essas ingerências políticas e esses ‘monstrengos’ criados ao arrepio...”.

Braga continuou:

- “Mas Felipe tu precisas ver o Paulo Koerich é um cara bacana. Depois tem outra, nós temos que ter um Delegado-Geral que seja amigo do governador. O que adianta colocar alguém que não tem acesso ao governador? Não vai conseguir nada!”

Fiquei beirando ao desespero com aquela avaliação, parecia um retrato do estado de pré-falência e Braga continuou:

- “Outro também que me impressionou muito é o ‘Dirceuzinho’. Olha, ele tem sido muito coerente. Nas reuniões do Conselho ele sempre apóia as minhas posições...”.

Perguntei:

- “Mas e o Lipinski? Ele também não é amigo do Amin?”

Braga esboçou um certo resmungo, um certo amargor...:

- “Ah, não! O Lipinski é um mero administrador da massa falida, na verdade nós estamos em extinção, e o papel do Lipinski é esse: ‘administrar a massa falida’...”.

Era ridícula essa passionalidade de Braga, ao invés de irradiar otimismo, de falar em luta... optava por um discurso derrotista..., era muito triste. A Polícia Civil e os Delegados eram muito fortes, não tinham noção disso..., sem contar a previsão constitucional, havia as legislações federal e estadual..., então, era só arregaçar as mangas e ir à luta, trabalhar, organizar, unir, difundir ideias..., era lamentável porque ele era uma liderança, mas se comportava como uma criança em determinados momentos... Optei pelo silêncio e não quis polemizar, fazendo uma observação que soava jocosa, mas teria que se perceber nas entrelinhas:

- “É, está aí a palavra chave: ‘massa falida’. Braga foi a coisa mais importante que tu dissesses hoje, parabéns!”

Enquanto Braga mais uma vez comentava que o esquema de Lipinski era com Celestino Secco para preparar a sua estrada no próximo governo, fiquei imaginando o Delegado Ademir Serfim no comando da Polícia Civil. Afinal, se isso realmente viesse acontecer seriam mais quatro anos perdidos e Braga argumentou:

- “Eu estava vendo, o projeto de unificação das polícias ficou para a próxima legislatura. O deputado Morroni Torgan que também é Delegado disse que o assunto é muito complexo para ser tratado assim e vai ficar para o próximo ano”.

Braga relatou também que soube que o Heitor Sché deveria ser o próximo Secretário de Segurança Pública. “Miltão” argumentou que seu tio não deverá aceitar porque iria perder dinheiro e o momento era outro. Disse que caso Heitor viesse assumir a Segurança Pública, mantendo aquele seu velho estilo, certamente que não iria dar certo porque encontraria muitas resistências. 

Argumentei:

- “Esse 'oba-oba' de que o Heitor vai ser o Secretário da Segurança a gente já ouviu no início deste governo. E depois não deu em nada!”.

Perguntei para “Miltão” se ele sabia o porquê do distanciamento do Delegado aposentado Pedrão Benedeck Bardio (“Pedrão”) do Heitor Sché e ele me respondeu:

- “Ali foi que o “Pedrão” esperava alguma coisa e acabou não vindo nada, ele ficou descontente...”.

Braga interrompeu para relatar que no jantar do Delegado Mário Martins que ocorreu na sede do DER (embaixo da Ponte Colombo Salles) na semana anterior “Pedrão” perguntou numa conversa ao  pé do ouvido se ele iria votar “naquele cara”, sendo que inicialmente Braga achava que ele estaria falando do Delegado Ademir Serafim, mas  “Pedrão” esclareceu: “Não! Braga tu não vais votar no Heitor, vais?”.

“Miltão”, depois de ouvir isso esboçou um sorriso. Já no final da conversa perguntei se alguém sabia qual seria o destino do Delegado Wanderley Redondo? Fiquei impressionado que “Miltão” não sabia que Redondo havia assinado ficha no PFL, apenas disse:

- “É, puxaram o tapete dele lá no Detran, só não se sabe se ele bateu de frente com o Celestino ou com o Dotta? Uns dizem que o problema dele foi com o Celestino já outros dizem que foi com o Dotta, e que ele queria mandar mais...”.

Braga ainda revelou que Redondo estava fazendo pós-graduação... “Miltão”  fez um questionamento querendo saber qual era a repercussão em termos de votos de  Redondo ter ingressado no PFL...?