PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 10.06.2002, horário: 15:40 horas:

O Delegado Braga veio até a “Assistência Jurídica” (Delegacia-Geral da Polícia Civil) e eu estava conversando ao telefone com o Delegado João da 2a DP de São José, quando concluí dizendo:

- “Lamentavelmente nossos Delegados não têm tempo para pensar institucionalmente, acabam pensando operacionalmente, isso é o que mais o Ministério Público quer. Eles não querem o fortalecimento institucional da Polícia Civil, dos Delegados, o que eles querem é que sejamos apenas executores, obedientes, cegos, cumpridores de ordens, que não ofusquemos o brilho deles, não querem que tenhamos o ‘status’ de carreira essencial à Justiça. E o pior é que nossos Delegados acabam mergulhando no mundo operacional de tal forma, caso contrário acabam tendo que responder por prevaricação, procedimentos administrativos, representações da Justiça. A cobrança é muito grande, de um lado a mídia, do outro a sociedade, as vítimas, o Ministério Público. Se o Judiciário atrasa processos durante um, cinco  ou dez anos, eles não estão nem aí, acham normal ou têm sempre uma saída, estão fora de controle externo. Agora vai um Delegado deixar de lavrar um flagrante, de cumprir uma diligência requisitada, não concluir um inquérito, aí pode deixar que eles já vêm em cima. É preciso que o nosso pessoal se conscientize disso, todos, os Delegados e os policiais têm que entender que a força da Polícia Civil está nos Delegados. É o exemplo da Revolução Francesa, quiseram tanto acabar com o rei que conseguiram, só que a dose foi cavalar e os efeitos colaterais também. Eles têm que enxergar que se acabarem com os Delegados acabam com a Polícia Civil como ela é.  Os Oficiais da Polícia Militar fazem o jogo porque são operacionais e querem ocupar espaços já que são pressionados cada vez mais por guardas civis.... Eles acabam sendo obedientes, cegos... para atrair a simpatia do Ministério Público.   Na verdade muita gente do Ministério Público não gosta de Delegados com funções jurisdicionais, presidindo  inquéritos, lavrando flagrante, tendo poder decisão... nem dos militares. O problema é que os Delegados se constituem carreira jurídica, fazem sombra, disputam poder dentro da trilogia Juiz, Promotor e Delegado.  Já os Oficiais são cumpridores de ordens, estão fora dessa trilogia. O que eles querem é nivelar os Delegados aos Oficiais e ficarem só eles e Juízes no mesmo patamar, se fosse para formar um bloco só tudo bem,  mais isso para eles é incogitável, o primeiro ‘status’ é o deles, depois vêm nós, mas num segundo nível. Só eles têm perspectivas de ascender ao segundo grau nas carreiras e tribunais, enquanto que nós estamos confinados no primeiro grau!”

(...)”.

Como Braga  estava impaciente e eu queria conversar um pouco em ele, acabei abreviando o diálogo com meu interlocutor.  Braga ficou curioso para saber com quem eu estava conversando. Disse que era com o Delegado João e que estava tratando com ele da história do embate entre o “mar e o rochedo” (leia-se Judiciário e Ministério Público) sempre que leva a pior eram os policiais... e a sociedade.  Perguntei como estavam indo as coisas e Braga disse que acabou de conversar com o Delegado Mauro Dutra:

- “Ele manda em todas as Delegacias da Capital, acabei de tomar um café com ele. Sabe qual é o maior defeito do Mauro?  Ele só pensa em cargo, ele faz qualquer coisa para pegar um cargo.  Justamente num momento em que nós estávamos nos contrapondo a aceitar cargo. Assim não dá”.

Acabei mudando de assunto:

- “Tu visses esse negócio de Delegacia Virtual?  De registro de ocorrência via Internet?”

Braga respondeu:

- “Essa ideia é antiga. Desde a época da Lúcia que eles já estavam trabalhando nisso. O Thomé defendia esse projeto, o pessoal não precisaria ir até a Delegacia registrar uma ocorrência, faria de casa”.

Aproveitei para ponderar:

- “Mas o que é isso Braga? Nós temos que nos colocar contra esse projeto, onde já se viu, só se fosse para perda de documentos. Querem é tirar força da Polícia Civil, dos Delegados.  O nosso trabalho principal é de investigação, é importante que o cidadão vá até a repartição policial registrar sua ocorrência, deixar sua impressão, repassar detalhes... ele é a fonte de informações sobre a ocorrência e o contato com o policial frente à frente é fundamental. A presença do comunicante e de testemunhas na Delegacia perante os policiais é fundamental, faz parte das investigações, a não ser que criassem o sistema de ‘teleconferência’, mesmo assim não dispensaria do comunicante em alguns casos. É aí que os policiais formarão sua  opinião sobre os fatos. Agora um boletim de ocorrência via Internet é uma coisa muito distante, a não ser que fosse uma denúncia. E hoje eu ouvi o Secretário dizendo na televisão que não só a Polícia Civil vai fazer registro de ocorrência, mas também a Polícia Militar vai poder realizar registros.  Ora, tu sabes, o Governo não faz concursos, desse jeito vai asfixiando a Polícia Civil aos poucos. E chegará o momento em que numa cidade que não tem policiais civis  o cidadão vai ter que registrar sua ocorrência  onde? Na Polícia Militar, obviamente, que vai providenciar as investigações sob pena de se perder elementos probatórios  importantes... A atuação dos militares vai ocorrer dentro de uma visão meramente operacional... E tu sabes que a Justiça acaba recepcionando o serviço deles, depois requisitando de nós a complementação das investigações especificadas, tolhendo toda a nossa liberdade de planejamento, controle, execução de diligências. É como naquela história do uso da denominação ‘autoridade policial’. Veio o Judiciário e disse que ‘autoridade policial’ era tanto os Delegados como os Oficiais, e daí? Vai acontecer o mesmo, o cidadão vai se dirigir à Polícia Militar que é mais estruturada, tem maior efetivo, onde poderá também registrar uma ocorrência e se a  Polícia Civil for questionar no Judiciário sabes o que vão dizer?  Vão dizer que está certo, que a Polícia Militar pode investigar, apurar.  Esse negócio de integração vai funcionar assim, vão matando a Polícia Civil aos poucos, minando os Delegados, qualquer cego pode ver isso. Eu não sei como é que o Lipinski não vê uma coisa dessas? Aprovaram um negócio desses, aí o Conselho Superior não se manifesta,  nunca sabe de nada, e ficam discutindo sobre diplomas para promoção...”.

Braga fez seu comentário:

- “Que Lipinski? Que Lipinski? Ele não existe, ele está sem prestígio nenhum perante a classe, nem os Delegados Regionais obedecem mais ele.  Vem cá o Alex foi exonerado?”

Respondi que ele havia pedido exoneração do cargo em Chapecó e que segundo o Delegado Natal  ele e a esposa montaram uma empresa particular e iriam se dedicar a isso.  Braga quase que não acreditava e repetiu:

- “É, o problema é que o Lipinski não manda nada”. 

Fiz meu comentário:

- “Mas tu visses o desembargador Amaral e Silva com esse negócio do duodécimo o que ele fez? Ele pegou o presidente da Associação dos Magistrados pelo braço e foi para a Assembleia, foi para o Palácio, está lutando para conseguir o aumento do repasse de seis para sete ponto dois por cento. O Alberton no Ministério Público faz a mesma coisa...”.

Braga argumentou:

- “Felipe vamos colocar isso no papel, é importante. Acho que nós temos que colocar isso no papel. Por que não colocamos no papel isso agora? Alguém tem que fazer alguma coisa? Eu escrevi aquele artigo no jornal da Adpesc e deve ter incomodado, o próprio Maurício Noronha me telefonou pedindo para que eu assinasse um documento autorizando a publicação. Eu disse para ele: ‘pode publicar isso aí mesmo que eu escrevi’!”

Acabei lembrando:

- “Estais certo. Eu fico lembrando daquele nosso grupo: onde é que anda o Garcez, onde é que estão o Sena, o Wilmar, o Braga, o Cláudio, o Jorge Xavier? Estão todos divididos, quanto mais fragmentados melhor. Imagina se nós estivéssemos juntos, unidos até hoje, muita coisa poderia ter sido evitada, não achas?”

Braga concordou, num jeito meio “amarelado”, até que telefonaram para ele que teve que ir...