PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 10.06.2003, horário: 09:30 horas:

Estávamos na sala do Delegado Tim Omar e para minha surpresa estava lá sentado Wilmar Domingues (misto de alegria e emoção contida tomou conta do meu interior, nosso grande amigo havia retornado ao grupo). Estava com a redação final do projeto (e anexos) nas mãos e mais a exposição de motivos. Depois de conter minha surpresa fui comunicando que estava trazendo a redação final para ser entregue a Dirceu Silveira. Tim parecia ansioso e animado. Comecei a olhar o projeto e percebi que Khristian Celly havia feito a impressão da exposição de motivos com uma falha na última página.  Avisei para Tim que teria que descer para tirar uma nova impressão da última página. Wilmar ficou desconfiado e veio olhar a página na minha frente. Mostrei que havia um erro. Para minha sorte o nome do Wilmar ainda constava na relação do grupo que deveria assinar o documento. Pelo que conversamos preliminarmente entendi que Wilmar estava resolvido a assinar junto com o pessoal e fui correndo tirar a impressão. Quando retornei, coloquei o documento em cima da mesa (três vias) e pedi que Wilmar fosse o primeiro a assinar. Para minha surpresa ele foi dizendo que não assinaria nada e que não fazia mais parte do grupo.

Contive minha decepção e pedi licença para Tim e retornei até a “Assistência Jurídica” para retificar a última página suprimindo o nome de Wilmar. Ao retornar eu, Tim,  Valquir e Braga assinamos o documento. Wilmar estava sentado à mesa argumentando que achava viável que o Dirceu Silveira ficasse até a sua exoneração, mas não concordava que o restante do pessoal ocupante de cargo comissionado pudesse permanecer. Reiterei que esse era um preço que teríamos que pagar para viabilizar nosso projeto. Tim concordou, como já havia reiterado em outras oportunidades. Como Wilmar insistia no assunto acabei soltando uma para deixá-lo mais à vontade:

- “O que Wilmar? Mas tu não integras mais o grupo, como é que queres ainda opinar?”

Wilmar pareceu desconcertado e eu logo flexibilizei dizendo que estava brincando.  Wilmar me perguntou:

- “Quanto tempo tu atuasses em Delegacias de Polícia, heim?”

Entendi o recado e respondi:

- “Fiquei um ano na Décima Delegacia da Lagoa, depois mais um ano na Segunda Delegacia do Saco dos Limões com o Bahia...”.

Wilmar tentou me interromper:

“Ta bom, ta bom! Mas o doutor não realizou relevantes serviços na área  jurídica? Não foi importante ficar tantos anos na área jurídica?”.

Argumentei:

- “Ah, antes eu atuei em Chapecó, depois um ano em Blumenau...”.

Wilmar continuou fazendo uso da palavra:

- “Eu vou citar o exemplo do doutor Renato à frente da ‘Antissequestros’. O Renato tem esses anos todos realizado um excelente serviço na ‘Antissequestro’. Ele tem descoberto todos esses sequestros por aí...”.

Interrompi:

- “A não Wilmar, eu não concordo. Não é isso. É o mesmo que tu citares o Wanderley Redondo e dizer que ele também tem excelentes serviços prestados à sociedade...”.

Wilmar interrompeu para dizer:

- “O quê? Não pode se estabelecer um parâmetro entre os dois. Não concordo. Então o doutor não concorda que o doutor Renato...”.

Balancei a cabeça. Não era bem isso que eu queria dizer. Na verdade eu queria argumentar que Redondo também tem méritos profissionais e que o Renato se acomodou muitos anos naqueles serviços, quando poderia ter atuado em outras frentes. Resolvi simplificar:

- “Eu não vou falar da situação do Renato porque o caso dele não é institucional...”.

Wilmar veio novamente com tudo:

- “Ta bom, então eu vou citar o caso do Nilton Andrade. Ele tem feito um bom trabalho na Corregedoria da Polícia Civil, então...”.

Novamente balancei a cabeça em sinal de que não concordava. Wilmar olhou meio desapontado:

- “O que? Quer dizer que não concordas que o doutor Nilton tem feito um bom trabalho lá...?”

Argumentei que não concordava com a sua lógica:

- “Olha Wilmar, no governo passado o Nilton era Corregedor Policial e atuava com o Rachadel na Corregedoria. Eles cometeram muitas injustiças, perseguiram muitos policiais... Eu que atuei na ‘assistência jurídica’ vi vários casos que passaram por mim... Bom, tem o caso do Ilson Silva que agora está  como Delegado Regional em Palhoça e foi absolvido criminalmente, coitado, olha o que tentaram fazer com ele? Mas o Nilton ficou os quatro anos do governo passado dizendo amém a tudo. Eu não estou dizendo que ele como pessoa não é gente boa, estou falando do período que ele passou lá com o Rachadel...? Eu sei que tu vais dizer: ‘Ah, mas ele estava em cargo comissionado, tinha que ficar quieto, não poderia se expor...’. Mas vem cá Wilmar, eu que estava na ‘Assistência Jurídica’ de fato me expus várias vezes por não concordar, não aceitar, sofri as consequências, tu sabes muito bem disso, lembra do caso do meu irmão?”

Todos observavam atentamente nosso embate dialético e Wilmar foi mais além:

- “Mas doutor Felipe o senhor chegou ao final de carreira e praticamente não passou por todas as Delegacias, é isso que eu estou tentando lhe dizer. Está legislando pelos três anos porque não precisa passar mais por isso, porque do contrário também seria contra!.”  

Guardei minha perplexidade, contive minhas possíveis reações emocionais e contradisse:

- “O que Wilmar? Então tu não me conheces? Se eu ainda não fosse final de carreira e estivesse trabalhando nesse projeto com certeza seria favorável aos três anos. É justíssimo. Eu tenho certeza disso, então tu não me conheces! Eu sou uma pessoa de frente...”.

Tim do outro lado se introduziu:

- “Eu sou testemunha disso, eu sou testemunha disso! Eu, Elói, Acy, foi lá na Assembleia, naquela nossa luta pelas emendas ao Estatuto da Polícia Civil em 1986, nós vimos como o Felipe enfrentou o Heitor Sché, com todos os policiais que foram lá convocados pelo ‘Pedrão’ para fazer coro contra nós. O Heitor quae subiu em cima da mesa da Comissão de Justiça na frente de todo mundo, ele partiu para cima do Felipe, teve que ser segurado, ollha! Eu vi, eu estava lá, ele não teve medo, não se acovardou, numa época muito difícil, todo mundo tinha medo, não é como hoje que se respira a liberdade, naquela época de autoritarismo ou você era deles ou era inimigo e vigiado, monitorado, caçado...”.

Não imaginei que Tim tivesse cristalizado aquelas cenas em sua mente, Heitor Sché, hoje um senhorzinho bondoso, acessível, fraterno, irmão..., mas naqueles tempos estava mais para uma espécie de “Mus.”, um “Czar” e ai de quem fosse contra ele e a cúpula da Polícia Civil, coitado de quem desafiasse o seu poder. Tim teve que pedir disposição para a Secretaria de Estado da Saúde, Eloi Gonçalves de Azevedo conseguiu sua disposição para a Delegacia Regional do Trabalho na Capital, o Comissário Acy Evaldo Coelho,  Presidente de órgão classista (Acapoc) e no meu caso, Delegado da 10ª DP da Lagoa da Conceição, que todo dia tinha que abandonar meu local de trabalho (à tarde) para estar na Assembleia Legislativa defendendo mais de duzentas emendas, enquanto que a cúpula da Policia Civil mandava um Corregedor anotar meu abandono do serviço... (nessa época era Delegado Adjunto e o titular o ‘confiável e amigão’ Delegado Evaristo Nunes, que tudo via, informava...). Mas tudo bem, depois de anos tudo acaba virando matinê com direito a “sorvetes” e “pipocas”, isso quando os fatos não são varridos pelo tempo.

Wilmar não se dava por vencido e eu procurei controlar meus ânimos:

- “Não teria dúvida alguma Wilmar, poderia até ficar na Capital, sem promoção. Aceitaria tranquilamente as regras do jogo para  a saúde  da instituição. Mas certamente que eu iria para o interior e cumpriria os meus três anos porque certamente gostaria de chegar ao final da carreira”. 

Depois que Wilmar deixou o local Tim foi dizendo:

- “Puxa, parece que o Wilmar não entende mesmo! O Felipe tentou de tudo quanto foi jeito mudar de assunto, mas o Wilmar voltava à tecla, pois queria discutir ainda o projeto...”.

Valquir interrompeu:

- “Fostes polido”.

- Questionei:

- “O quê?”

Braga repetiu:

- “O Valquir disse que tu fostes polido”.

Valquir continuou:

- “Ele ainda teve a corajem de ir na minha sala querendo fazer a minha cabeça para que eu mudasse meu posicionamento”. 

Balancei a cabeça e disse:

“Tudo bem pessoal, tudo bem! É importante que haja pessoas no grupo que sejam contra, vamos fazer isso uma coisa salutar, toda unanimidade é burra, não é? Mas é claro que também tem limites. É o famoso ‘boreline’. Podemos discutir a matéria até esgotar, mas tudo tem limites!”.

Tim replicou: “Boreline? É fronteira!”

Continuei:

- “Sim, temos que estabelecer um limite, nossas fronteiras. Esse assunto do Wilmar já foi esgotado, deu!” 

Tim pegou um artigo do ano de 1998 publicado no jornal da Adpesc e mostrou para o pessoal perguntando:

- “Vocês leram essa matéria no jornal da Adpesc? Sabem quem escreveu? Foi assinada pelo Mário Martins, está muito boa mesmo essa matéria”.

Olhei o título e arrematei:

- “Tais brincando, né Tim?”

Ele disse que não e eu fui mais além:

- “Essa matéria o Mário encomendou para mim. Ainda tenho os originais”.

Tim reiterou:

- “Está muito boa. Não sei como é que ainda não entregaram uma medalha para o Emanuel Campos”.

Era um artigo onde eu abordei a importância da soberania da nossa legislação que materializava nossa maturidade institucional. Também, fiz uma incursão acerca do descumprimento da legislação policial civil por parte dos governos. Tim argumentou:

- “Eu logo vi que não era do Mário. Dava para perceber nitidamente”.

Havia recomendado que fosse feita a encadernação dos projetos para serem entregues para Dirceu Silveira. Tim entregou uma nota de vinte reais para o Comissário Adílio e pediu para que o mesmo fosse fazer a encadernação do material. Disse que dividiríamos as despesa depois. Tim ainda lembrou:

- “É um momento histórico, puxa!”

Fiquei satisfeito com o nível de consciência de Tim, pois apesar de seus interesses pessoais (haveriam?) ele se revelava um institucional histórico de qualidade, equilíbrio, discernimento, visão, comprometimento..., era a pessoa certa no lugar certo!  Conversei um pouco com Valquir sobre a aposentadoria dele e veio uma resposta amarga:

- “Olha Felipe eu não acredito mais na Justiça. Não acredito. Hoje eu sou um profissional frustrado, desmotivado. Fui vencido pelo cansaço. Não espero mais nada, a Justiça me venceu no cansaço!”

Entendi aquilo como uma dor e apenas tentei argumentar dizendo que não era bem assim e que deveríamos continuar seguindo nossa luta, sempre! Mas na verdade nossa situação realmente era muito triste, muitos desafios, muitas energias fluindo... Lembrei do Delegado Tim que estava conosco e se aposentou novo há mais de dez anos e ainda estava inteiro. Havia retornado para ocupar um cargo comissionado e estava ali cheio de vida e pronto para cobrar produtividade, criatividade, iniciativas... dar sua contribuição, fazer a diferença. Tudo aquilo poderia dar em nada, mas ninguém poderia dizer que não tentamos mudar as coisas... e no meu caso, mais uma vez começar a resgatar um “Plano” que não era mais macro, na verdade uma tentativa de plantar um projeto micro para ver se emplacava, cristalizava a ideia, difundia... e, talvez, um dia...