PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 04.06.2003, horário: 09:00 horas:

Resolvi subir até o quarto andar do prédio onde funcionava a Chefia de Polícia (anteriormente denominada de “Delegacia-Geral) para fazer a entrega da última redação do “anteprojeto”  ao pessoal do grupo.

Como não havia ninguém na sala resolvi deixar o material em cima da mesa de trabalho do Delegado Tim Omar e retornei à “Assistência Jurídica”.

Horário: 09:30 horas:

O Delegado Tim Omar me ligou e pude perceber que estava pedindo a minha presença na sua sala. Ao chegar estavam sentados Wilmar Domingues, Mauro Dutra e o Delegado  Valdir que dizia:

- “O doutor Felipe hoje vai ter ‘quórum’”.

Uma brincadeira que começou outro dia com Valquir, mas que tinha um quê meio pejorativo, não parecia algo sadio considerando a importância dos assuntos, especialmente, do “anteprojeto”.  Tim pediu que fosse lida a ata com a declaração de voto de Wilmar Domingues que votou contra a proposta do interstício na entrância (três anos numa Delegacia de Polícia de Comarca para que o Delegado pudesse ser promovido). Senti que Wilmar estava um pouco arredio e entramos logo na discussão do anteprojeto. Na medida em que pisávamos no acelerador Wilmar mudava de cor e com a voz embargada e mais grave que o normal disse:

- “Eu estou comunicando que em caráter irrevogável estou deixando este grupo. Não concordo com esse ‘projeto’. É em caráter irrevogável. Não quero compactuar com esse tipo de ‘projeto’. Não faz parte da minha índole. Não vou assinar isso daí. Estou avisando que estou me desligando do grupo. Não é pelo meu filho. Todos sabem que não é pelo meu filho!”

Um silêncio tomou conta do ambiente, todos perceberam o que se passava, já conheciam a índole de Wilmar Domingues, messiânico, catastrófico, beligerante..., a opção adotada pelos pares foi  deixar Wilmar desabafar.

Mauro Dutra imediatamente foi tentando amenizar o quadro:

- “Eu votei com o Wilmar...”.

Lamentei a atitude de Mauro Dutra pois havia alterado o anteprojeto em razão do voto dele que no último encontro havia dito que não concordava com a ideia em razão da redação que precisava especificar que “os Delegados de Polícia somente poderiam ser promovidos se permanecessem três anos em comarca compatível com sua graduação”.

Na redação anterior não constava expressamente que se tratava dos “Delegados”, um detalhe, digamos que poderia ser até um capricho do colega. Agora Mauro Dutra deixava claro que estava votando com Wilmar Domingues porque preferia o sistema de ingerências políticas... Wilmar argumentou:

- “Isso é contra a instituição. Vamos penalizar os Delegados que não têm interstício, onde já se viu uma coisa dessas, nunca isso foi necessário, sempre foi assim, porque agora querem penalizar os Delegados?” 

Valdir Batista ficou quieto, dava a impressão que já tinha captado o espírito da coisa e preferiu não se manifestar mais.  Mauro Dutra voltou a carga e tentou com argumentos prolixos dar algum reforço moral a Wilmar, dando a impressão de era favorável a ideia de flexibilização, especialmente, citando como exemplo o Judiciário e Ministério Público que não estão obrigados a cumprir interstício algum para serem promovidos. Sim, ele só não falou que lá magistrados e Promotores não têm interstício porque são obrigados a permaneceram durante todos os anos na comarca até os concursos de remoção horizontal e promoção, mais, ainda, lá não existem ingerências políticas externas, a corrida por cargos comissionados, apadrinhamentos... “Êta Mauro Velho!”, pensei. Wilmar Domingues retornou à carga e argumentou:

- “Eu vejo pelo meu irmão, lá no Ministério Público o pessoal é promovido rapidamente ao final da carreira, ele já faz tempo que é Procurador, não precisou nada disso”.

Procurei intervir novamente:

- “Tudo bem. Mas só que tem uma diferença enorme, no Judiciário e Ministério Público não há necessidade de interstício porque Juízes e Promotores são obrigados a permanecer o tempo todo em comarcas compatíveis com suas graduações. Imagina que absurdo isso, nós estamos estabelecendo um interstício de três anos para que os Delegados permaneçam em comarcas compatíveis com suas graduações. Depois dos três anos eles não precisam mais permanecer. Isso parece brincadeira gente.  O problema é que nós temos muitos Delegados que vão atrás de padrinhos políticos e assim conseguem designações para o litoral, cargos comissionados, funções gratificadas, eles acabam passando por  cima da lei e sobra para quem? Sim, para os que não têm padrinhos políticos, são éticos....”.

Wilmar intercedeu:

- “Eu acho é que nós temos é que mudar a lei de promoções. Não concordo com a Lei de Promoções!”

Argumentei que antes da Lei de Promoções existia o Estatuto da Polícia Civil. Fui mais além, ainda, dizendo que a lei orgânica da Polícia Civil até aquele momento era letra morta no parágrafo único do art. 105 da Constituição do Estado. Percebendo que a conversa tomava um rumo imprevisível e esse assunto já havia sido votado inúmeras vezes, optei por um caminho mais diplomático e fui argumentando:

- “Sinceramente, eu não sei como a gente pode resolver esse impasse. Acho que vou pensar, mas qualquer hipótese vai acabar sendo ‘draconiana’ porque se no Judiciário e Ministério Público Juízes e Promotores têm que ficar o tempo todo em comarcas compatíveis com sua lotação, lá não existem interstícios...,  sinceramente doutor Tim eu sugiro que façamos uma reunião na segunda-feira com todo o pessoal para rediscutirmos essa questão novamente, assim o pessoal vai ter um tempo para refrescar a mente...”.

Na sequência recebi o disquete com a exposição de motivos, sem que Wilmar Domingues tivesse feito as alterações que havia suscitado. Aí começou uma nova discussão, tendo Tim Omar argumentado:

- “Eu acho que nós não devemos tirar aquela frase, é importante...”.

Tim estava se referindo a um parágrafo na exposição de motivos que fiz a leitura:

- “...Proporcionar avanços institucionais a partir de filtros que possibilitem o arrefecimento de ingerências políticas deletérias que sempre permearam principalmente as nomeações para cargos de provimento em comissão no âmbito da instituição...”.

Wilmar insistiu que nós devêssemos fazer um documento que não fosse pesado, que não contivesse termos que provocasse o governo atual, que já criasse resistências. Valdir rapidamente concordou com Wilmar manifestando-se no sentido de se suprimir do texto frases naquele sentido. Tim Omar insistiu que não. Mauro Dutra também concordou com Wilmar e Valdir. Fiz uso da palavra e fui dizendo:

- “Pessoal,  quanto a essa frase, muito pelo contrário, em momento algum está atacando o governo atual, o Secretário, o Chefe de Polícia. Nós estamos entregando uma proposta de ruptura. Quem vai alavancar essas mudanças é o governo atual. É isso que estamos propondo”.

Tim do outro lado reiterou:

- “Se não fizerem vai servir o chapéu”.

Confirmei:

- “Sim, se este governo engavetar a nosso proposta isso significa que prefere que continue tudo como está, que continuem as ingerências políticas... Mas o nosso papel aqui é apresentar uma proposta capaz de mudar esse estado de coisas. Imagina, o governo receber um ‘projeto’ desses? Que maravilha, como eu gostaria de ter um grupo que me entregasse um projeto assim, isso não existe!”

Voltei a falar do anteprojeto e chamei atenção para alguns pontos, afirmando que achava que o nome correto deveria ser “Procuradoria-Geral de Polícia” e não “Procuradoria-Geral da Polícia Civil”.

Valdir intercedeu dizendo que alguém já havia questionado esse item.  Novamente entramos na questão dos “três anos”  e Wilmar já mais calmo e até sorrindo, com ares de conquistador, voltou a defender sua posição. Fiz uma indagação:

- “Espera um pouco, vamos ver o que o doutor Valdir tem a dizer sobre isso. Doutor Valdir o senhor acha que é bom ingerência política na Polícia Civil?”

Valdir imediatamente foi dizendo:

- “Doutor, não me comprometa. O doutor Felipe utilizou-se de um sofisma para fazer uma pergunta? Logo pensei: “que sofisma? Não tem nada de sofisma, meu!” pensei. 

Imediatamente fui rebatendo:

- “O doutor Valdir disse que eu fiz uma pergunta usando de um sofisma. Tudo bem, está se referindo que eu estaria querendo mascarar ou confundir uma verdade? Não doutor Valdir. Eu perguntei para o senhor se concordava com ingerências políticas no caso dos Delegados, da Polícia Civil, se isso é saudável, bom para nós? É bem isso que nós estamos discutindo. No Judiciário e Ministério Público Juízes e Promotores não precisam de interstício porque possuem garantias. Também existem as leis, existe uma consciência. Cada um assume o seu lugar e ninguém vai atrás de políticos para se garantir... Já os Delegados... O senhor concorda que a gente mantenha essa realidade que não é de hoje?”

Mauro Dutra ficou prestando a atenção quieto, dando a impressão que esperava uma brecha para se manifestar mais uma vez favorável aos argumentos de Wilmar. 

A seguir, comuniquei aos presentes que no dia doze próximo havia convidado o Delegado Krieger para estar conosco, especialmente, para dar explicações acerca do “Sistema Unificado de Segurança”. Avisei, também, que Krieger havia dito que o pessoal do “grupo” era ‘passado’, e que eu havia replicado dizendo que se defender a Polícia Civil era ser ‘passado’ eu também me incluía nesse rol. Tim Omar pareceu contente com essa minha comunicação e lembrou que já havia convidado Krieger, mas ele não veio. Alguém disse que no dia da reunião ele teve uma audiência com o Secretário Blasi.

Fiquei esperançoso que Krieger não falhasse dessa vez e argumentei:

- “O Krieger é uma pessoa muito boa. Ele só tem aquele jeito de burguês, mas é uma pessoa excelente por dentro. Acho que é importante dar essa oportunidade para que ele venha aqui e mostre quem ele é, suas ideias, explique o ‘plano’!”. 

A reunião acabou e o pessoal foi saindo. Ficamos somente eu e Tim Omar na sala e aproveitei para confidenciar:

- “Olha Tim, o Wilmar está agindo emocionalmente. Ele se preocupa demais com o filho dele. Meu Deus, como ele é protetor, podes ter certeza, eu até entendo o Wilmar... Ainda bem que o Valdir parece que já entendeu esse radicalismo todo, acho que já está acordando, no início deve ter tido alguma dificuldade de entender, mas acho que agora ele já viu que não era assim.  Mas tu visses o Mauro Dutra? Ele ontem disse que votava com o Wilmar, depois que eu coloquei os meus argumentos ele disse que faltava dizer que se tratava dos Delegados de Polícia. Aí eu mudei a redação do dispositivo por causa dele. Tudo bem. Só que hoje ele veio aqui e votou novamente com o Wilmar...”.

Tim botou a mão na cabeça e vaticinou:

- “Ah, meu Deus, agora eu lembro. Na hora que eu fiz a ata eu não me lembrei desse detalhe. Puxa, mas amanhã eu falo com ele. Ah, não vou deixar passar em branco, foi bom tu teres me lembrado desse detalhe!”