PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 01.06.2003, horário: 14:00 horas:

Estava sentado tomando um café na confeitaria “Chuvisco” da Beira-Mar Norte com uma amiga e quando olhei pela janela percebi um Fiat Pálio aguardando liberar o trânsito na frente para tomar a avenida principal. No interior veículo que deveria ser uma viatura descaracterizada percebi que o motorista olhava para mim fazendo sinal com uma cara de “gozação”. Sim, era Mário Martins que tinha a seu lado Moacir Rachadel que gesticulava com as mão numa conversação com  Mário... Acabei meu café com tranquilidade e fiquei com aquela imagem de Mário Martins e Rachadel, com o pensamento voltado para o vento que varria as lembranças do passado, trazia o esquecimento... e fazia com que todos nós voltássemos a velha “polícia dos comuns”.

Horário : 16:00 horas:

O Delegado krieger me telefonou:

- “Sim, alô, quem é?”

Do outro lado da linha ele respondeu:

- “É o Delegado Krieger!” 

Em tom efusivo falei:

- “Ah, sim, o homem que está ficando famoso!”

Krieger respondeu:

- “Não é bem assim. Não tão famoso”.

E antes que ele falasse alguma coisa mais fui me adiantando e disse que estava defendendo ele muito. Parecia até brincadeira minha, mas não era. Nas reuniões do “grupo” o pessoal não tinha  perdoado ele, a começar por Tim Omar. E eu argumentei:

- “Mas o Tim falou que mandou um convite para ti ir até o grupo de Delegados Especiais prestar alguns esclarecimentos, mas tu não aparecesses”.

Krieger argumentou que nesse dia tinha um compromisso inadiável e que não pôde ir.  Depois registrou:

- “É esse pessoal que não quer entender a política nacional de segurança pública e ficam aí criando resistências ao governo, são uns passados!”

Ao ouvir aquilo argumentei:

- “Passados? Se for assim também me considero um ‘passado’. Não concordo com essa política nacional de segurança pública. Nem tudo que vem de Brasília, que vem dos Estados Unidos é bom para nós. Eu acho que nós temos que nos resguardar. Polícia Civil é Polícia Civil e a Polícia Militar é Polícia Militar, cada um no seu quadrado. No governo passado o Lipinski já havia permitido que o nosso serviço de rádio fosse parar lá dentro da Polícia Militar. Tem aquele projeto da qual tu participasses que é os policiais civis serem atendidos no Hospital da Polícia Militar. Desse jeito, daqui a pouco nós não teremos mais nada que argumentar em nossa causa, pois vai estar tudo dominado. Imagina, ninguém sabe onde vai dar essa história de unificação? E os Oficiais da PM daqui a pouco vão dizer para o governo, políticos, autoridades que a Polícia Civil já não existe mais e que muita coisa já funciona dentro da Polícia Militar, dá licença!  Entre nós e os Oficiais existe uma diferença muito grande. Os Delegados detêm o poder de decidir. Decidem se lavram o auto de prisão em flagrante, decidem se instauram o inquérito policial, se requerem prisões.  Já os Oficiais da PM são responsáveis pela polícia ostensiva, são reativos e  operacionais, cumpridores de ordens do governador para garantia da ordem pública. As duas polícias no final se complementam. Nesse sentido é tudo que os Promotores querem, ou seja, que sejamos mero cumpridores de ordens, sem nada questionar, sem nada decidir na área da Justiça, a exemplo do perfil da PM. Isso é um verdadeiro ‘ovo da serpente’, eu não sei se tu visses nos jornais que o novo Procurador-Geral de Justiça começou sua gestão mandando os Promotores colocarem em prática o controle externo, só que não é só da Polícia civil, também é da Polícia Militar. Isso me lembra um pouco a Revolução Francesa. Lá tivemos os três estados. Quando o terceiro  estado se uniu com o segundo, conseguiram acabar com o rei que era o “primeiro estado”, só que esqueceram que quando fizeram isso mataram o representante da  divindade e o povo passou a não respeitar mais a nobreza como um todo, ou seja, o segundo e o primeiro estado foram pro ‘saco’. Fazendo uma analogia, nós Delegados e os Oficiais, junto com todos os policiais, somos o terceiro estado. Os Promotores o segundo e os magistrados o primeiro estado. No terceiro estado é onde está o povão, no caso os policiais. Lá estão os Delegados que procuram manter o elo de ligação com os segundo e primeiro estado, numa atitude de participação das decisões judiciais..., seja buscamos atender requisições e equilíbrio de forças com os Promotores, especialmente, com relação as conclusões nos inquéritos policiais e investigações, mas sempre servindo ao primeiro estado. O que os Promotores querem abocanhar todo o terceiro estado para sejam suporte operacional deles, não para servir os magistrados, mas, isto sim, a eles que assim se  fortalecem ainda mais institucionalmente e não deixam o pessoal de baixo ocupar espaços. Os Oficiais ao invés de ficarem do nosso lado para fortalecerem o terceiro estado e buscar equilíbrio de forças, sem noção, acabam querendo sabotar quem? Justamente nós que estamos juntos..., numa situação rivalidade e  subserviência, só que eles não sabem que se houver uma reforma no terceiro estado, certamente que quem saíra fortalecido não seremos nós, muito pelo contrário... Todos nós do terceiro estado sairemos perdendo, não ficará pedra sobre pedra... Enquanto isso, como ficará a sociedade? Vamos ter um modelo de Polícia institucionalmente fraco, sem respaldo constitucional, prerrogativas..., totalmente dependente de Promotores de Justiça. Temos que lembrar que os três estados não se misturam: Judiciário é Poder, Ministério Público é Poder e Polícia não é poder, serve aos governos, sem independência... Na minha visão os três estados teriam que atuar em equilíbrio, independência, autonomia, cada um cumprindo sua missão, com prerrogativas constitucionais para atender os interesses da sociedade. Na Revolução Francesa o segundo Estado se uniu ao Clero e a burguesia para derrotar o rei e conseguiram. Guardadas as devidas proporções, no que estou tentando te demonstrar, não é interesse do Ministério Público aniquilar o Judiciário, mas estabelecer uma relação de forças e peso político igualitário. Para isso, não interessa para eles um um modelo de Polícia forte. Então, a luta deles não é contra o primeiro estado, como ocorreu na Revolução Francesa, a luta é para diminuir o peso do terceiro estado que somos nós. Mas, interessa para a sociedade uma Polícia fraca,  subserviente, desencorajada, sem autoridade, sem prerrogativas...? Olha, krieger, por exemplo o Secretário está com essa onda de ‘CPP’, inclusive, com a participação de magistrados, Promotores e Oficiais da PM. Então, outro dia eu perguntei para o Dirceu se esse novo ‘CPP’ era um órgão da Polícia Civil. E ele respondeu que sim. Então eu argumentei que iriam colocar os Delegados numa ‘cama de gato’, porque tu sabes que num órgão desses se houver a presença de magistrados e Promotores, certamente que um órgão da Polícia Civil não será mais comandado por Delegados. E os Oficiais, com a estrutura que têm a sua disposição, vão acabar fazendo diligências, investigações por determinação de quem? Tudo o que for requisitado vai direto para quem tem competência e efetivo para isso, e podes ter certeza que eles vão mover mundos para que seja assim, para que seja vistos, ocupem espaços... Já os policiais civis vão acabar cuidando de presos, serão responsáveis por diligências comuns, relativas a crimes de menor potencial ofensivo que resultaram em flagrante delito, registros de ocorrências..., tudo isso até que haja uma mudança constitucional, liderada por quem? Sim, pelo Ministério Público outra vez, como ocorreu em 1988”.

Krieger me interrompeu para dizer:

- “Mas esse ‘Dirceuzinho’ está fazendo o que? Ele não se impõe, fica calado no canto dele?”

Fiquei sem saber o que dizer, apenas disse que critiquei a ideia dos CPPs. Krieger argumentou:

- “Eu acho que tinha que formar uma comissão e conversar com o Secretário. Temos que ver qual o posicionamento do Secretário”.

Lembrei que o pessoal do grupo havia dito que Krieger iria fazer o que o Secretário Blasi mandar, então, argumentei:

- “Eu não conheço esse Secretário, nunca conversei com ele. Aliás, conversei com ele umas duas ou três vezes quando ele ligou lá para a Penitenciária,  eu era o Diretor, ele estava atrás do Pamplona”.

Quando falei para Krieger que era contra a proposta de atendimento de policiais civis pelo Hospital da Polícia Militar ele tentou argumentar que seria bom para o Hospital que estava precisando de caixa e estava na ociosidade. Argumentei:

- “Sim, Krieger, mas eles sempre estiveram na ociosidade e nunca antes propuseram que os policiais civis fossem atendidos no Hospital da PM, e por que justamente agora? Eu sinceramente acho que nós não devemos aceitar presentes da PM. O momento não está para isso, temos que primeiro ter uma agenda comum com eles de lutas por interesses nossos. Já começou no governo passado a ‘entregação’, desse jeito nós vamos chegar ao final sem ter o que dizer”.

Krieger intercedeu:

-  “Eu justamente estou telefonando para saber do convênio. Tu não tens uma minuta do convênio?”

Respondi que sim e que mandei a minuta para o Chefe de Polícia. Além da minuta mandei uma informação jurídica dizendo que não concordava com aquele convênio neste momento. Krieger argumentou:

- “Eu preciso da minuta porque o Diretor do ‘Deap’ também vai assinar”.

Interrompi:

- “Olha Krieger na minha proposta coloquei que quem tem que assinar o convênio é o Secretário de Segurança. Assim , todos os servidores serão beneficiados. Além do mais a lei complementar duzentos e quarenta e três determina que somente os titulares das Secretarias de Estado possam assinar convênios com outros órgãos. A Polícia Militar é uma outra Secretaria de Estado, não é?”

Krieger novamente intercedeu:

- “Não. Agora a PM está na Secretaria da Segurança”.

Argumentei:

- “A Constituição do Estado dispõe que ela é subordinada ao Governador. E cadê a estrutura da Polícia Militar na lei complementar duzentos e quarenta e três? Não consta. Por que, heim?”

Krieger pareceu ficar sem argumentos e insistiu em mandar um pessoa pegar em disquete uma cópia da minuta que fiz. Acabei cedendo, muito embora dissesse que era importante pegar a minha informação jurídica e o despacho do chefe de Polícia. Achei que krieger estava mais ligado ao Gabinete de Blasi e que o Chefe de Polícia havia ficado pequeno para ele. Talvez uma impressão, mas o fato era que ele não mostrou interesse algum em conversar com o Gabinete do Chefe de Polícia, preferiu recorrer diretamente a mim. Argumentei, ao final:

- “Mas eu acho importante que tu venhas até o grupo e preste alguns esclarecimentos sobre o ‘plano’ nacional de segurança. Acho que vai ser uma atitude humilde da tua parte que vai demonstrar grandiosidade”.

Krieger acabou concordando com meu raciocínio e agendou para dia doze de junto, próxima quinta-feira. Argumentei, mais uma vez:

- “Tu podes vir às nove horas da manhã aqui na ‘Assistência Jurídica’  que nós vamos juntos para a reunião, o que tu achas?”

krieger respondeu:

- “Ta bom. Eu passo aí às nove. Então até dia doze”. 

Respondi com um “até”, sem muita convicção, mas que iria ser bom se ele viesse para dissipar dúvidas.