PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 21.05.2003, horário: 09:00 horas:

Retornei à sala do Delegado Tim Omar. Na noite anterior e naquela  manhã  havia trabalhado intensivamente para ultimar nosso principal “projeto”, com o objetivo de incluir as atribuições do “Procurador-Geral de Polícia”, a criação do cargo de Procurador-Geral Adjunto... De posse do material já impresso conversei reservadamente com Tim, procurando orientá-lo acerca dessas inclusões. Tim sinalizou que concordava com essas alterações. Justifiquei que não ficaria com o grupo porque tinha muitas atividades pendentes na “Assistência Jurídica”, mas que qualquer dúvida era para me chamar.  Evitei ficar me expondo, porém, fiquei curioso para saber qual seria o resultado da reunião, pois tinha aumentado consideravelmente o número de propostas. 

Data: 22.05.2003, horário: 09:15 horas:

Já estava na sala do Delegado Tim Omar para a reunião do “grupo”. Estava curioso para saber se o pessoal havia estudado a nova “proposta” (com as novas inclusões). Sentei ao lado de Valquir e observei que estavam presentes Valdir, Wilmar e Tim (Braga e Mauro Dutra ausentes). Quando tomei pé da situação Valquir comentava acerca do Delegado José Klock de Pomerode, argumentando que ele deveria ser sindicado. Estranhei a acidez de Valquir, parecia algo fora do lugar. Procurei me inteirar do que se tratava e ele reprisou seus argumentos pedindo minha atenção especial:

- “Aparece a foto de um preso no jornal pulando a janela da Delegacia. Como é que ele bota um preso para cuidar da Delegacia, heim? Ele que obrigasse os policiais a trabalhar vinte e quatro por vinte quatro. Toca sindicância neles se não quiserem trabalhar, e pronto!”  Valdir e Wilmar pareceram meio que contaminados pela eloquência dos argumentos expendidos por Valquir. Enquanto isso Tim permanecia neutro,  não tomando partido nessa discussão. Quanto a mim, argumentei:

- “Eu não sou tão radical assim. Tudo isso acontece em razão da falta de efetivo. Coloquem-se no lugar do Delegado. Tu conhece o José Klock, Valquir?”

Ele respondeu que não conhecia. Lembrei que era um Delegado magro, alto, meio calvo, sua irmão era casada com o Delegado Altair Muchalski.  Valquir logo respondeu mais contido depois que fiz meus comentários:

- “Ah, já sei quem é...”.

Continuei:

- “O último governo foi terrível para a Policia Civil. Não tivemos aumento de efetivo. Vocês têm que se imaginar no lugar de um Delegado desses, numa comarca cheia de serviços, que você precisa contar vinte e quatro horas com os poucos policiais que têm... Acabam entrando em desespero com tantas cobranças, e se pessoal ficar doente não tem como repor...”.

Valquir intercedeu novamente:

- “Então que ele colocasse os policiais para trabalhar vinte e quatro por vinte e quatro, porra!”

Discordei de Valquir, nem que os policiais fossem morar na repartição policial, e disse que eles não poderiam ser penalizados pelas omissões dos governos:

- “Assim fica fácil. É por isso que nós estamos nessa ‘m’. Sempre achamos um jeitinho para aliviar o lado da cúpula... Ninguém quer bater de frente com o governo. É mais fácil ir em cima dos fracos. Só que isso é que nem um elástico...”.

Acabei lembrando uma nota que saiu no jornal “A Notícia” daquele dia que mostrava presos morando dentro de um camburão da Polícia Civil na Delegacia de Polícia de Palhoça e comentei:

- “Na época da Lúcia aceitaram que a Polícia Civil recebesse presos do sistema prisional. Eu fui contra. Sabia que tínhamos que resistir. Mas eles preferiram fazer média com o Governador Paulo Afonso, com o Judiciário... Depois, no governo Amin, o Lourival foi para a imprensa reclamar que os policiais civis estavam sendo transformados em ‘babá de presos’ lá na Segunda DP de São José, e que ele e o ‘Sala’ estavam tristes... Agora ele assumiu a Delegacia Regional de São José e será que vai reclamar de alguma coisa? Nada contra a pessoa deles, mas eu pergunto: ‘Por que a Lúcia não exigiu que os presos fossem levados para a Polícia Militar que tem mais estrutura e pessoal que a Polícia Civil? Por que não fizeram isso? Será que foi porque era mais interessante fazer média com o governador?” 

Todos concordaram com meu raciocínio. Valquir lembrou que sempre teve um bom relacionamento com Lipinski e eu fui fazendo o contraponto:

-“O problema do Lipinski foi o legado que o ‘triunvirato’ deixou para trás. O efetivo da Polícia Civil tá desse jeito e por quê? Os policiais civis estão cada vez mais sacrificados, por quê? Aí veio aquela Lei Orgânica do Ministério Público submetendo os policiais a mais estresse e cobranças, e eles disseram o quê? O Lipinski ficava dizendo nas reuniões do Conselho Superior (esqueci de lembrar que Lipinski praticamente ignorou/acabou com o Conselho...) que o Chinato vestia a camisa da Polícia Civil, quando essa lei orgânica tramitava na surdina, e ele fez o quê (esqueci de citar o Delegado Mário Martins na Adpesc)? Aí veio a ‘porrada’ nos Delegados Especiais que perderam a lotação na Delegacia-Geral, por quê? A hierarquia praticamente deixou de existir por completo, nem no faz de conta, por quê? E, olha o tamanho das ilegalidades praticadas, colocaram o Celito na Polícia Técnica e o Sell na Academia de Polícia? Foi uma esculhambação, e isso deu no quê?  O Lipinski mandou uma circular para todas as repartições policiais tentando esvaziar aquele movimento reivindicatório, lembram? Os policiais reivindicavam melhores salários. Ele mandou uma circular para todo mundo dizendo que voltassem ao trabalho porque aumentos viriam normalmente, e veio o quê? Bom, os Delegados não tiveram aumento. Também, investimentos foram quase todos federais em razão do ‘Plano Nacional de Segurança Pública’. Se preocupavam em inspecionar mesas, portas, fechaduras... Imagina, ele e o Moacir viviam para baixo e para cima inspecionando mesas, cadeiras, armários, paredes... Então doutor Valdir, sinceramente, foi uma época muito difícil para a Polícia Civil... Foi uma época que a gente viu mentira, enganações, faz de conta, empurra com a barriga, caça aos fracos e vulneráveis, privilégios, blindagens, apadrinhamentos... por todos os lugares, mas isso sempre foi assim, entra governo e sai governo e para mais ou para menos isso sempre foi assim!”

Valdir  permaneceu em silêncio fazendo sinal de reflexão e eu  emendei:

- “Olha Valdir a minha visão de polícia é institucional, que pensa e age, depois é que vem a operacional, que executa sem pensar..., não o contrário. Não tenho nada pessoalmente contra eles, muito pelo contrário, mas profissionalmente foi um desastre, um retrocesso...”.

Valquir aproveitou para fazer uma incursão:

- “Vocês não sabem o que me aconteceu. Deixa eu contar. Eu estava batalhando uma ‘FECs’ para a Denise que trabalhava há anos comigo ali no Setor de Horas Extras. Falei com o Dirceu e eles disseram que não haviam mais ‘FECs’ disponíveis. Bom, eu estava olhando o Diário Oficial ali e imagina, foram publicadas a concessão de duas ‘FECs’. Uma para a Noeli, tudo bem uma pessoa boa e a outra advinhem para quem? Quem? Quem? Para a mulher do Salum, aquele repórter. Sim, senhores, a mulher do Comissário Roberto Salum, repórter da televisão e que não trabalha há anos. Sabe quanto tempo ela trabalhou no governo passado? Ela vivia afastada, ninguém sabe o que ela fez, onde trabalhou,  Brincadeira”.

Depois de ouvir aquele desabafo de Valquir soltei uma:

- “’C.’!” 

Tim que mais permanecia de pé e prestava atenção em tudo olhou para mim com certa surpresa:

- “Puxa doutor, que termo, heim?”

Eu insisti:

- “Depois de ouvir uma coisa dessas só tenho que dizer: ‘c’! Tô errado?”

Lembrei que Roberto Salum na verdade conseguiu a sua disposição para Udesc no governo Amin e estava trabalhando para a emissora da Igreja Universal do Reino de Deus ganhando seus salários rigorosamente em dia, e mais o por fora.. Não tinha como esquecer o ‘triunvirato’ e o próprio Secretário Chinato que permitiram uma coisa dessas, ou seja, enquanto os fracos trabalhavam, os apadrinhados tinham a mesa farta...  Lembrei também o caso do jornalista Hélio Costa que desde o governo passado estava ocupando cargo comissionado da Polícia Civil e todo mundo sabia do seu interesse em estar bem informado sobre tudo e sobre todos dentro da instituição... Sim, mexer com esse pessoal poderia trazer sérias consequências, como num efeito elástico, e que poderia sobrar para quem?

Passando esse momento de exaltação acabamos discutindo um pouco sobre uma das minhas propostas que previa que o Delegado para ser promovido para Procurador teria que comprovar quinze anos à frente de uma Delegacia de Polícia de comarca. Wilmar já havia dado sinal positivo à proposta, mas Valdir mantinha-se irredutível. Acabamos por citar os nomes de Delegados que seriam vetados na promoção para final de carreira porque ficaram quase que toda a vida funcional em cargos comissionados. Olhei seriamente para o pessoal do “grupo”, especialmente, para Tim e   pensei no nosso projeto da “Procuradoria-Geral” e me perguntei se eles tinham estudados a matéria? Como não tive retorno, me senti pequeno e não externei mais nada, apenas o meu silêncio.... Mas uma vez estava em teste um mesmo “projeto”, só que agora com um novo encaminhamento. Lembrei de Jorge Xavier, de Julio Teixeira e Gilmar Knaesel... 

No final da reunião ficou acertado que retomaríamos na segunda-feira às discussões. Procurei recuperar meu otimismo e argumentei que se conseguíssemos aprovar nosso “projeto” marcaríamos história, mesmo me sentindo um “tolo” ao dizer aquilo porque sabia que o projeto já estava morto e eles davam a impressão queriam era gastar tempo, no entanto acreditei que aquele foi mais uma  parte da história de lutas...

Acabei externando o meu porquê de ser contra a unificação das polícias. Tim declinou que era favorável e lembrou um episódio envolvendo o Delegado Valdir Batista que juntamente com Dirceu Silveira não quiseram assinar um abaixo-assinado em prol de reivindicações na área de armas e munições da Polícia Civil, o que estaria a demonstrar que era uma pessoa um tanto radical nas suas convicções. Valdir antes de deixar o recinto disse:

- “Doutor, eu estou aqui fazendo o papel de advogado do diabo”.

No retorno à “Assistência Jurídica” relembrei os lances da reunião e fiquei impressionado com o discernimento do pessoal do grupo,  ninguém parecia querer resistir às adversidades no plano institucional... A nova cúpula pós-triunvirato (leia-se: Lipinski,  Rachadel e Redondo) parecia igualmente subserviente ao “status quo”. Já as lideranças classistas se mostravam absurdamente rendidas, a começar pela Adpesc com Maurício Noronha preocupado agora com CPPs (Centrais de Plantão Policial). Comentava-se que o líder classistas Delegado Maurício Noronha  viajou para Brasília no último final de semana (na companhia do Delegado Artur Regis, fiel escudeiro) para se inteirar da “ação dos Delegados sobre isonomia”. Lembrei que os Oficiais por aqui conseguiram isonomia durante o Comando-Geral de Valmor, independentemente de qualquer demanda judicial, numa negociação pura e simples de bastidores, tendo como discurso a conquista dos Delegados...