PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 22.04.2003, horário: 08:30 horas:

A Investigadora Kristian chegou e já estava no computador fazendo uma pesquisa sobre incineração de documentos públicos enquanto eu procurava me readaptar de período de férias. Lancei uma pergunta para minha nova parceira:

- “Sim, e as novidades? Não têm?” 

Kristian respondeu que não havia nada de novo, então:

- “Eu tenho uma observação. Tiraram o banco ali do hall”.

Kristian não tinha se ligado na minha observação e perguntou:

- “Que banco?” 

Continuei:

- “Ali no hall, logo na entrada da ‘Assistência Jurídica’”.

Kristian respondeu:

- “Ah, sei, eles andaram reformando tudo ali no salão. O pessoal da Brasel (?) esteve um dia ali reunido e eles mudaram tudo. Agora doutor não é mais ‘salão vermelho’ (o local da ‘sala de reuniões’ ou ‘auditório’). É doutor, agora não é mais ‘salão vermelho’, viu!”

Aquele estilo de Kristian era totalmente diferente de “Myrian” e “Jô Guedes”, tinha uma pitada de irreverência nas palavras e nos seus trejeitos, cabeços lisos, loiro e solto, brincos, voz transitando entre um quase rouco e barítono, um quê de ‘soave’ na sua expressão corporal, enfim, parecia bem pragmática com o frescor de suas tiradas cheias de cores vibrantes e sentidos profanos que nos vivificava e, eu feliz por poder experimentar essas experiências e novos desafios rubros que exigiriam de minha parte meus contrafortes interiores:

- “Essa é boa! Mas que bom, vou anotar!”

Horário: 14:30 horas:

Estava na “Assistência Jurídica”  folheando o Diário Oficial do dia 12.03.2003 e fiz o seguinte comentário com Kristian:

- “Olha só que barbaridade, o Delegado Renato Heitor Teixeira estava lotado em Braço do Norte e foi designado para prestar serviços em Imaruí. Esse pessoal tem mania de Imaruí, a terra dos ‘Bittencourt’. Eu conheci um juiz amigo meu que também tinha mania de Imaruí...”.

Kristian argumentou:

- “Conheço ele, é irmão do marido de uma tia do meu marido. Ah, mais doutor ele só quis ficar mais pertinho de Florianópolis. Ele era de primeira entrância. Foi promovido para segunda e agora para terceira. Ele assumiu lá em Braço do Norte, mas ficou longe daqui e pediu para retornar, coitado”.

Contraditei afirmando:

- “Mas espera lá Kristian, Braço do Norte é terceira entrância e Imaruí é primeira, ele quis a promoção. Assim continua essa ‘esculhambação’, ninguém consegue consertar o sistema, ninguém vai resolver isso nunca!”.

Kristian fez uma cara de desapontamento, parecia que concordava só para me agradar ou porque não queria polemizar, enquanto isso fiz um comentário final:

- “É por isso que se eu tiver que dar um parecer dizendo o que tem que  ser feito, que este governo está descumprindo a lei, alguém acaba levando direto para o Luiz Henrique da Silveira e eu vou ter que me justificar novamente para o governador, pode? Se eu for dizer que isso é uma ilegalidade, uma esculhambação... que o Delegado-Geral, o Secretário de Segurança e o Governador poderiam ser responsabilizados acaba eu indo ter que responder...”. 

Depois disso fui transcrever o referido ato administrativo do Secretário Blasi que começava bem, isto é, cometendo uma flagrante ilegalidade, aliás, como os anteriores também fizeram:

“Portaria n. 0181/GAB/GEARH/SSP, de 24.02.2003: O secretário de Estado da Segurança Pública, de acordo com o art. 32, do Decreto n. 4.196, de 11.01.1994, DESIGNA RENATO HEITOR TEIXEIRA, matrícula n. 100.001-2, Delegado de Polícia de 2a Entrância, lotado na Delegacia de Polícia da Comarca de Braço do Norte,para prestar serviços na Delegacia de Polícia da Comarca de Imaruí’  (DOE n. 17.110, de 10.03.2003, p. 15).

Mais à frente encontrei outra demonstração da política da nova administração que repetia práticas deletérias anteriores:

“Portaria n. 0202/GAB/GEARH/SSP, de 12.02.2003: O Secretário de Estado da Segurança Pública, de acordo com o Art. 32, do Decreto n. 4.196, de 3.11. 01.1994, DESIGNA ALTAIR SEBASTIÃO MUCHALSKI, matrícula n. 205.636-4, Delegado de Polícia de 3a Entrância, lotado na Delegacia  de Polícia da Comarca de Timbó, para responder pela 3a Delegacia de Polícia da Comarca de Blumenau – João Henrique Blasi – Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão”  (DOE n. 10.3.2003, pág. 16).

Na verdade, desde que foi aprovada a LC 55 de 1992 (modificou a estrutura jurídica da carreira de Delegados de Polícia, nos mesmos padrões do Judiciário e Ministério Público) e o Decreto 4.196 de 1994 (criou a “Divisão Territorial de Policia Judiciária para viabilizar os concursos de remoção horizontal e promoção vertical e implantação do quatro lotacional) as direções que se revezaram no comando da Polícia Civil (e os Secretários de Segurança), no afã de não desagradarem políticos (e, também, como política interna), procuravam flexibilizar as lotações de Delegados, de acordo com a política do apadrinhamento ou favorecimento pessoal. No Judiciário e Ministério Público isso não ocorria e por quê? Bom, primeiramente, esses órgãos possuem independência funcional e institucional. No caso dos Delegados era diferente, estavam subordinados à Secretaria de Segurança Pública, cujo cargo tinha forte conotação político-partidária. Além disso, os Delegados-Gerais que se alternaram no comando da Polícia Civil não souberam (ou não quiseram) se impor, optaram por sucumbirem à sanha dos políticos ou a política do favorecimento para os amigos (enquanto que para os comuns ou inimigos exigiam exemplarmente os rigores da nova legislação, então...). Também, as lideranças de classe não “mexeram um centímetro” para cobrar o cumprimento da nova legislação. Só para se ter como exemplo, o Delegado Mário Martins permaneceu quase que sete anos à frente da Presidência da Associação dos Delegados (1996 a 2003) e se desconhece que tenha adotado durante todo esse seu longo mandato qualquer medida nesse sentido, muito pelo contrário, os fatos comprovam que sempre aceitou pacificamente essas violações e a “política do balcão dos negócios” nas promoções e lotações. Acredito que não quis se incompatibilizar com sócios da entidade (todos Delegados), mas o problema era que entre o principal (defender o novo sistema e as prerrogativas para o exercício da função que foram conquistadas) e o acessório (interesses pontuais geralmente dos apadrinhados), deveria ter feito a opção certa para entrar para a história e estancar a “sangria” decorrente da afronta à dignidade de todos os pares.