PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 06.03.2003, horário: 17:00 horas:

Encontrei o Delegado Sena na Av. Osmar Cunha e logo que me viu saiu do interior da Casa do Suco e me chamou para um bate-papo:

- “Fui chamado hoje, o Valério conversou comigo e disse que aquele meu negócio foi deferido. O Valério é o Chefe de Gabinete do Delegado-Geral, mas não é o Peixoto? O que faz o Peixoto?” 

Primeiramente fiquei contente em saber das boas novas e de ver Sena mais otimista, satisfeito, estimulado... e ele fez uma advertência final que pesou:

- “Ah, Felipe, não deixa o pessoal lembrar mais de mim, quero que me esqueçam!”

Acabei fazendo alguns comentários com o
amigo Comissário Arno Vieira que me fazia companhia nesse encontro com o Delegado Sena (estávamos tratando do Clube Social dos Policiais Civis – Fecapoc - e retornávamos do Cartório Farias/Centro da Capital) a respeito de quem aquele Delegado e o quanto uma instituição como a Polícia Civil oprimia, castrava e isolava seus membros. Lembrei o Delegado Rachadel e a questão do “Sena Aviador” que fez com que a Corregedoria exigisse correição, penalização exemplar... Relatei que o Delegado Sena era estilo militar e que veio para a Polícia Civil sem saber o que o esperava. Arno apenas riu quando eu comentei que Sena tinha mania de se referir aos policiais subordinados como “os meus homens”, “a minha tropa” (sem exageros da minha conta, se bem que ele logo iria se adaptar...).

Era incrível, mas na Polícia Civil os Delegados Especiais fossem  tratados com descaso, como se fossem um entrave para os mais novos que estavam sempre ávidos por cargos comissionados, promoções, lotações.... Enfim, os Delegados Especiais eram  praticamente ignorados. No Ministério Público, apesar de todo avanço institucional, os Procuradores de Justiça pareciam que estavam sujeitos a algum tipo de instabilidade institucional. De qualquer maneira, tudo indicava que num futuro bem próximo a eleição do Procurador-Geral de Justiça ocorreria por meio de eleição interna, acabando com a listra tríplice:

Favorito - Se a Justiça assegurar a participação do promotor Gercino Gomes Neto na eleição do Ministério Público Estadual, marcada para o dia 21, a fatura já estará liquidada. Não apenas porque são 264 promotores contra 36 procuradores no colégio eleitoral, mas também porque Gercino circula com desenvoltura no meio. Outra: dificilmente o governador deixaria de nomear o mais votado, na lista tríplice a ser encaminhada pela Procuradoria-geral de Justiça”  (A Notícia, Cláudio Prisco, 6.3.2003).

Data: 10.03.2003, horário: 09:30 horas:

A Investigadora Policial Khristian que passou a atuar comigo na “Assistência Jurídica” substituindo  “Jô Guedes” e “Myriam Isabel Lisboa Mulller” avisou que ouviu vozes na “sala de reuniões” ao lado e que parecia o Delegado Peixoto estava falando. Argumentei que não poderia ser, mas resolvi ir até o “auditório” verificar se o “Grupo Especial” estava realmente reunido. Logo que fui entrando percebi que eram os Delegados Tim e Valquir Sgambatto que conversavam. Acabei me juntando a eles já que também integrava aquele novo “Grupo” que foi criado pelo Delegado-Geral Dirceu Silveira. Em determinado momento da conversa Valquir e Tim olhavam para a parede e relembravam velhos tempos, com quais trabalharam com aqueles os ex-Chefes de Polícia, cujas fotos estavam na parede. Valquir relatou que entrou na época do Coronel Perét, depois trabalhou com os Coronéis Paulo Mendes de Carvalho e Ary Oliveira. Lá pelas tantas resolvi dizer que já havia analisado os dos anteprojetos de leis que Peixoto havia me repassado. O Delegado Tim questionou:

- “O Peixoto andava atrás dos dois projetos, perguntou onde é que estavam, não sabia, então tu já analisasses, puxa, que rápido!”

 Perguntei o que eles estavam fazendo e Valquir respondeu que Peixoto pediu para que dessem uma olhada na legislação que tratou da “Reforma Administrativa”. A seguir foi fazendo os seguintes comentários enquanto anotava alguns tópicos:

- “Temos que ver esses dispositivos que tratam da polícia técnica, também tem a situação da Polícia Militar”.

Interrompi:

- “Tem que se revisar muita coisa, a começar por essa mentira de que a Polícia Militar foi colocada dentro da Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão. Isso foi uma enganação, pode olhar para ver se a Polícia Militar está aí dentro da Segurança Pública. Outra coisa, que tratamento é esse que deram à Polícia Civil? O Chefe da Polícia Civil passou a ganhar três mil e o Comandante-Geral da Polícia Militar seis mil, isso é tratamento justo? Uma verdadeira enganação!” Valquir passou os olhos pela Lei Complementar 243/2003 e disse:

- “Vocês viram o tamanho que ficou a Casa Militar? Meu Deus, é brincadeira, guarda pessoal da família do governador, vice...”.

Aproveitei para perguntar:

- “Eu fico pensando é em quem fez isso?  Ninguém sabe, fica escondido, não aparece”.

Valquir argumentou parecendo áspero com as palavras:

- “Fizeram isso a quatro paredes!”

Continuei:

- “Eu estava conversando com alguém, o Aroldo Soster, o Braga me disse que conversou com ele que lamentava que o Thomé ficou sozinho naquela comissão com um monte de Coronéis da PM. Eu perguntei para o Braga: ‘mas como é que o Thomé ficou sozinho com um monte de Coronéis? Por que ele não convidou outros Delegados? Poderia ter conversado aqui com o Valquir, com o Tïm, com o Felipe Genovez. Tantos Delegados do PMDB, a Lúcia, o Lourival, tanta gente, por que ele quis ir sozinho? Esse negócio de Chefia da Polícia Civil foi outra esculhambação. O Thomé quis empurrar aqui para Santa Catarina a mesma Chefia da Polícia Civil que tem no Rio Grande do Sul, foi isso!”

Tim interferiu para dizer:

- “Que coisa mais retrógrada, então quer dizer que retornaram à época da ‘Chefatura’, voltaram ao início do século passado, será que não viram?”

 Argumentei:

- “Eu acho que Delegacia-Geral é mais condizente com a Polícia Civil, mais próxima dos Delegados, valoriza mais a categoria”.

Todos concordaram, a Delegacia-Geral era bem mais interessante e Valquir fez uma observação:

- “São Paulo é Delegacia-Geral!”  

Tim emendou:

- “O Paraná também é!”

 Valquir perguntou:

- “E o Detran? De quem é o Detran? Onde é que tem na Constituição do Estado? Deixa eu ver, onde é que tem?”

Tim disse que não havia Constituição do Estado por ali, dizendo:

- “Pergunta para o Felipe que ele sabe!”

Valquir perguntou:

- “O que diz a Constituição do Estado sobre o Detran?”

Respondi que competia à Polícia Civil exercer a execução das atividades administrativas de trânsito. Valquir reiterou a indagação:

- “Por que o Detran não está mais na Polícia Civil?”

Tim revelou sua preocupação com a Academia da Polícia Civil, afirmando que conversou com o pessoal da Polícia Civil de São Paulo que recomendou que nós não aceitássemos a criação de uma Fundação de ensino aqui. Valquir confirmou que com a nova legislação já havia sido criada a Fundação e que quem iria  comandar esse órgão não seria um Delegado de Polícia. Argumentei:

- “Eu fico preocupado com o Dirceu, com o tamanho que ficou a Polícia Civil. Olha que o Dirceu é baixinho e agora que a Polícia Civil ficou reduzida a esse tamanho, meu Deus!”

Tim faz uma revelação:

- “Eu aceitei esse cargo, estou aqui, mas tu sabes Valquir que eu estou perdendo dinheiro. Tenho meu negócio de tiro lá e de manhã tenho que ficar aqui e já estou perdendo dinheiro, mas eu disse que quero colaborar”.

Procurei introduzir mais uma vez os dois anteprojetos de leis que Peixoto me deu para analisar e fui avisando:

- “É um retrocesso, já mandei meu parecer”.

Tim interrompeu para perguntar:

- “Sim, mas era para mandar para o Peixoto, tu mandastes para o Dirceu, não era para o Dirceu!”

Valquir veio em meu socorro:

- “Era sim, o Dirceu pediu, o Felipe está certo, era para mandar direto para o Dirceu!”

Sinceramente, àquelas alturas fiquei em dúvida, mas estava consciente que fiz o que era para ser feito, especialmente depois daquela proposta de nova redação ao decreto quatro mil cento e noventa e seis que tratava da divisão administrativa da Polícia Civil  que foi interceptado no meio do caminho e transformada num dos anteprojetos de lei complementar que analisei.  Voltei a mostrar minha preocupação com a nova proposta de reestruturação da carreira de Delegado de Polícia que passava a ter apenas cinco níveis:

- “Eu não posso ser favorável a isso que querem fazer. Isso poderá ter sérios reflexos no futuro. No Judiciário são seis níveis, a começar por juiz substituto. No Ministério Público também são seis níveis e na Polícia Militar começa com segundo Tenente, são seis níveis. Esse negócio de colocar os Delegados Especiais como Delegados da Capital é brincadeira, depois que o cara está velho, cansado vai ser Delegado de uma das Delegacias da Capital, dá licença! Tudo começou no governo passado com o Lipinski e o Rachadel, baixaram aquele Decreto, certamente que a pedido deles, mas o problema é que um decreto não pode revogar uma lei complementar. O parágrafo terceiro do artigo quarenta e um da lei complementar noventa e oito é claro: ‘os Delegados Especiais serão lotados na Delegacia-Geral’”.

Valquir completou:

- “Onde prestarão exercício, porra!” 

Continuei:

- “Eu acho que os maiores prejudicados com essa proposta são os Delegados Especiais”.

Valquir olhou para os quadros com fotos dos ex-Chefes de Polícia e disse:

- “Tudo começou com o Heitor Sché, meu Deus o que esse cara fez pela Polícia Civil? Nada!”

Tim concordou, eu também, porém, aproveitei para afirmar:

- “Mas pelo menos na época que o Heitor foi Secretário da Segurança ele dobrou o efetivo da Polícia Civil, não foi?”

Valquir contraditou:

- “Mas a que preço? Mas a que preço ele fez isso?”

Acabei de braços abertos e dando um riso meio que sem-vergonha. Tim endossou as palavras de Valquir  e acabamos falando sobre Lúcia Stefanovich. Tim foi dizendo:

- “A Lúcia não fez nada, institucionalmente, o negócio dela era outro, era construir!”

Valquir referendou:

- “O negócio dela era construir, eu soube de uns negócios cabeludos dela, do marido dela, eles gostavam de construir casas...  Na época dela eu fui designado para ir a uma inauguração de uma Delegacias  dessas lá em Vidal Ramos, fui acompanhando o Paulo Afonso. Precisa ver a Delegacia que inauguraram, tinha tudo. Eram várias Delegacias, eu não me lembro o nome de todas...”.

Intercedi:

- “Eu acho que a Lúcia institucionalmente foi importante para a Polícia Civil, para o bem ou para o mal ela construiu muitos prédios que estão aí, a Polícia Civil estava precisando desse choque”.

Valquir não concordou com a minha linha de raciocínio e eu acabei fazendo uma leitura das administrações da Lúcia e do Heitor Sché, dizendo:

- “Espera aí, espera aí, eu acho que dá para fazer uma ponte entre as duas administrações: ‘Heitor na época dele tratou de duplicar o número de policiais civis, ele era candidato a reeleição e tinha que mostrar serviço. Já a Lúcia tratou de construir muitos prédios, passou a gastar dinheiro em abundância na construção de prédios. Então podemos dizer que o interesse do Sché era político e da Lúcia era...?”

Acabamos todos rindo e Valquir concordou dizendo:

- “Agora sim, essa é uma boa leitura para essas duas épocas, concordo, Felipe!”

Lembrei do ex-Delegado Jucélio Costa e que havia feito uma entrevista com ele antes de falecer. Relatei que também havia entrevistado o ex-Governador Ivo Silveira”. Tim se mostrou curioso e perguntou se os documentários que fiz eram em fita VHS. Respondi que alguns eram, outras eram em fitas pequenas. Acabamos falando sobre a história da Academia da Polícia Civil e Tim foi enfático em perguntar se nós conhecíamos a história do prédio da Acadepol. Respondi que sabia que foi o Delegado Mário Moretto (falecido) o homem que lutou muito para que a Academia saísse do Bairro Coqueiros e fosse para Canasvieiras. Tim acabou relatando o feito de Moretto, suas lutas e embates com o ex-Secretário da Administração Luiz Carlos Schmidt de Carvalho  (falecido quando era Secretário da Segurança Pública). Interrompi para fazer uma importante revelação:

- “A história daquele prédio vai muito mais além, transcende à  época do Jorge Xavier e do Sidney Pacheco (1991 a 1994). No ano de 1987 eu era ‘Procurador Policial’ e líder classistas, e nós precisávamos arranjar alojamento para o pessoal do interior aqui na Capital já que eu realizei um campeonato estadual de futebol de salão por regiões policiais. Eu entrei em contato com a Secretaria da Administração e descobri que havia aquele centro lá em Canasvieiras que estava praticamente abandonado. Conversei com o administrador do prédio ele me disse que o local era pouco utilizado, aquilo me marcou muito porque justamente nessa mesma época estávamos procurando um lugar para instalar nossa Academia de Policia que estava improvisada no Bairro Coqueiros. Bom, eu consegui com que os policiais fossem alojados em Canasvieiras. O Mário  Moretto era Delegado de Laguna, acabou vindo com a delegação que ficou hospedado naquele prédio da Secretaria de Administração. Depois de algum tempo, quando o Bahia era o Diretor da Acadepol, isso ainda na época do Bado (1988),  eu propus que nós lutássemos por aquela edificação para fins de instalar a Acadepol. Mas o Bahia já estava negociando aquele terreno onde hoje é o complexo de segurança lá em São José. Acabei ficando sozinho nessa minha proposta. Nessa época o Mário Moretto já era Diretor de Polícia Civil e soube da minha proposta para a Acadepol, as nossas salas eram vizinhas e eu conversei com ele também sobre o assunto. Pois bem, passados os anos, já na época do Jorge Xavier e do Sidney Pacheco, quando o Mário Moretto era o Diretor da Acadepol, ele acabou resgatando aquela minha velha ideia e foi a luta junto com o Sidney Pacheco e Jorge Xavier, conseguindo realizar aquele velho sonho.

Tim fez importantes revelações acerca da intrepidez de Moretto nessa luta pela posse do prédio da Acadepol em Canasvieiras, inclusive que na mudança ele chegou a ser advertido que poderia ser responsabilizado caso desaparecesse algum objeto existente naquele prédio.  Revelei que tinha uma fita da instalação da Academia em Canasvieiras (1992), cuja solenidade contou com a presença de familiares de Moretto, autoridades e amigos. Argumentei:

- “Mas isso não quer dizer muito, com a criação dessa Fundação, com esse negócio de unificação das Academias eu não duvido que daqui a pouco nossos policiais civis estejam fazendo curso na Academia da Polícia Militar lá na Trindade?”

Tim desconsiderou, dizendo:

- “Aquele prédio deles é muito ruim, está em péssimo estado”. 

Não concordei:

- “Acho que não é bem assim. Não vê o que eles fizeram com o nosso Sistema de Rádio? Pegaram o nosso Cepol e levaram para dentro da Polícia Militar e agora ninguém muda mais nada, onde é que estão o Lipinski e o Rachadel?”

Valquir faz uma memorável intervenção:

- “Alguns meses antes de terminar a administração anterior eu conversava com o Lipinski e ele veio me dizer que logo o Secretário iria passar para a Polícia Civil os serviços administrativos. Brincadeira, o Lipinski veio com essa conversa e eu disse que a cada quatro anos era essa mentirada, vêm com a conversa de que vão dar autonomia para a Polícia Civil. Vai ver agora onde é que o Lipinski anda? Continua tudo na mesma!”

Acabamos enveredando no campo da História por causa de Heitor Sché  e Valquir argumentou:

-  “Quando que um Delegado assumiu essa porra que nós fomos bem? Nunca que um Delegado assumiu a Secretaria que nós nos déssemos bem, fica tudo pior. A grande culpado disso tudo foi o Heitor Sché”.

Acabei – sem procuração – defendendo um pouco o ex-parlamentar, porém, Valquir tinha lá suas razões e continuou:

- “Ele só quis fazer política, tratou de acertar o lado dele, foi a primeira vez na história da Polícia que usaram a máquina para fazer política”.

Acabei dando um corte e fazendo um relato da passagem do Coronel Vieira da Rosa pelo comando da Polícia Militar no final da década de vinte, quando o Oficial Republicano quase foi candidato ao governo catarinense, usando a máquina pública, colocando muitos policiais sem concurso nas fileiras militares. 

Valquir e Tim achavam que eu estava falando do General Vieira da Rosa (General Rosinha) e acabamos dando boas risadas quando percebemos que estava havendo um mal entendido, pois se tratava de “Vieiras da Rosa” bem diferentes. Fiz relato rápido do porquê das fotos que tirei dos dois companheiros e fiz uma relato rápido acerca de alguns de meus livros que andava escrevendo. Depois fui buscar um livro ainda não editado de minha autoria que tratava sobre as origens históricas dos Delegados de Polícia.  Valquir começou a ler correspondências oficiais de Delegados de Polícia para Presidentes da Província, onde relatavam os embates, desavenças, conflitos... entre brancos e índios e que remontam ao século XIX...

Depois que retornei à "Assistência Jurídica" fique pensando no "grupo" de pensantes criado pelo Chefe de Polícia Dirceu Silveira, cuja finalidade seria prestar assessoramento e apresentar propostas para modernização da Polícia Civil. O problema era que tudo já estava praticamente definido, então, como é que poderíamos apresentar proposta que se contrapunham aquilo que o governo já havia definido como prioridade? Além disso, a reforma administrativa partir de Delegados que participaram de um projeto de governo, então, teria Dirceu Silveira cacife para mudar alguma coisa?