PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 05.03.2003, horário: 08:30 horas:

Fui até o setor de protocolo da “nova” Chefia da Polícia Civil (ex-Delegacia-Geral) e acabei encontrando o Delegado Sena que chegou depois de mim com um expediente nas mãos.  Parecia mais  magro, com aquele seu ar indefectível, seu estilo índio e guerreiro. Como sempre, entrou com a adrenalina acima do normal e me cumprimentou rapidamente como se não tivesse muito tempo ou porque aparentemente eu não era uma pessoa tão importante ou influente no atual momento. 

Acabei deixando o local, porém, quando o avistei novamente fui ter com ele e acabamos numa conversa amistosa. Sena comentou:

- “Eu lembro que um dia tu me falastes, nunca vou esquecer... “.

Sena estava se referindo a fazer apenas o normal, não se desgastar com excessos, não procurar sarna.  A bem da verdade o meu conselho era para que ele tivesse sensibilidade para perceber os momentos de avançar e de retroceder, desenvolver essa percepção. Argumentei:

- “Você para mim sempre foi uma promessa!”

Sena pareceu se encher de gás e vaticinou:

- “Mas Felipe eu já resolvi, não faça mais nada, absolutamente nada. Então, você não soube o que aconteceu comigo? No dia vinte e seis  de janeiro eu fui internado na SOS Cárdio, juro Felipe que eu pensei que iria morrer, achei que havia chegado o meu momento”.

Fiquei surpreso e sensibilizado e o convidei para subir  comigo até a “Assistência Jurídica”. Acabamos sentando frente à frente e eu preparei a minha máquina digital para obter algumas fotos dele. Sena foi pego de surpresa e na terceira foto acabou esboçando um sorriso inaudito que jamais tinha visto. Achei que havia sido privilegiado, ou que ele deveria estar me achando meio louco, algo que mexeu com alguma coisa e forçou aquele raro sorriso que eu só fui perceber quando carreguei as fotos no laptop.  Acabei rindo em silêncio vendo aquele sorriso espontâneo de Sena...

Ao retomar a conversa com Sena fiz uma cobrança:

- “E nosso o jornal quando é que vai sair, Sena?”

Ele me olhou meio sem jeito e contraditou:

- “Mas que jornal? Não estou sabendo de nada?”

Continuei:

- “Então tu não te lembras do nosso último encontro, do nosso grupo lá no Restaurante Candeias, lembra? Já fazem dois anos e até agora o jornal não saiu, como é que é, tu e o Garcez ficaram responsáveis, lembra?”

Sena interrompeu novamente com aquele seu olhar intrigante:

- “Sinceramente eu não sei de nada, estou por fora, não lembro mais o que ficou deliberado”.

Continuei:

- “No nosso último encontro tu e o Garcez ficaram de gerenciar o jornal do grupo, lembra? O Braga de vez enquanto me cobra isso.  Naquele último encontro eu apresentei a proposta de que nós devêssemos lançar um jornal do grupo que não fosse tão radical, que começasse mais ‘light’. A proposta era que o jornal deveria começar a tratar de diversos assuntos, como doutrinas, jurisprudências, entretenimento e matérias de cunho ideológico. O Garcez que dificilmente comparecia aos encontros naquele dia se entusiasmou e disse que não poderia ser assim, que tínhamos que radicalizar, tínhamos que sentar fogo contra tudo que estava errado e que não deveríamos perder tempo com outros assuntos banais, sociais... Moral da história, tu entrastes no jogo do Garcez e acabasses dando apoio a proposta do Garcez. Bom, daí ficou acertado que então vocês dois gerenciariam o jornal e o pessoal está até hoje esperando o jornal de vocês, tu não lembras disso?” Sena sem saber o que dizer argumentou:

- “Olha Felipe eu nem me lembrava mais disso. Eu sou filho e neto de militares, para mim a coisa funciona na base da doutrina militar. Aqui na Polícia Civil a coisa não funciona assim.   Eu sozinho tocando a 9a DP sozinho, trabalhando que nem um louco, pedi licença-prêmio e não me responderam. Felipe eu até queria te perguntar, foi bom ter te encontrado, um requerimento não respondido dentro do prazo de trinta dias significa que foi deferido pelo silêncio da administração? Eu queria saber se tem alguma legislação que trata sobre isso? É impossível, eu tenho direito a licença-prêmio e requeri, só que eles não respondem. Reiterei duas vezes esse meu pedido. Olha, acabei no dia vinte e seis na ‘SOS Cárdio’,  completamente estressado e com problemas cardíacos. Depois do dia vinte e seis já reiterei meu pedido de licença-prêmio e até agora nada! Eu estou de licença médica, se eles não me derem uma resposta eu vou continuar de licença. Não queria fazer isso. Eu estava trabalhando que nem um louco, eu e o Escrivão Alexandro que é um excelente policial e acabei assim, o Escrivão Alexandro também ficou doente, está afastado. Olha Felipe eu sou do estilo militar e errei querendo mostrar serviço em busca do reconhecimento. Só que na Polícia Civil isso não existe, muito pelo contrário, os negos querem é te ferrar. Eu trabalhava direto, até de madrugada e a minha mulher me chamava a atenção, acabei ficando doente e ninguém da administração telefonou para minha residência para saber como é que eu estava. Muito pelo contrário, telefonaram para a Delegacia querendo saber quando é que eu voltava a trabalhar”.

Acabei interrompendo Sena:

- “Mas tu não tinhas um agenda?  Olha Sena eu acho que o grande erro dos Delegados reside justamente nisso aí. Veja bem, os juízes e promotores têm agenda, eles não se desgastam. Cumprem o horário e não estão nem aí. Eu estava hoje de manhã passando pela Beira Mar Norte e encontrei um conhecido que é Promotor  andando de bicicleta, no feriado estava correndo... Enquanto isso os Delegados se matam trabalhando, isso é uma loucura!”

Sena me interrompeu:

 “Felipe tu sabes que um Corregedor pode acabar com a tua vida. Um Corregedor vai até a tua Delegacia e pode destruir a tua vida. Esse temor é muito ruim. Eu já pensei na agenda, mas tu sabes que quando eles querem te ferrar eles inventam pretextos”.

Acabei concordando com Sena, lamentei que isso funcionasse assim e fiz uma observação:

- “É, eu estava ontem conversando com um médico esclarecido sobre Polícia, Delegados... e sabe o que ele me disse? Ele falou que os Delegados são ainda um reflexo da ditadura militar”.

Sena não gostou e logo foi defendendo os militares. Eu acabei pensando: “Puxa vida, como esse cara sofreu influência militar, acho que está na instituição errada, deveria ter feito carreira militar. Quanto a mim, acho que deveria ter feito carreira noutra instituição, ou não?”.