PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 29.01.2003, horário: 10:30 horas:

Deixei a Delegacia-Geral para ir tomar um cafezinho nas proximidades. Na Portaria da Delegacia-Geral perguntei para o policial Claudionor se estava havendo alguma reunião no “sala de reuniões” (auditório) da Delegacia-Geral. Claudionor avisou que era uma reunião com os futuros Delegados Regionais.  No caminho fui pensando: “quem seriam agora aqueles que foram atrás de políticos para conseguirem uma Delegacia Regional..., quem seriam  aqueles que iriam resistir... e defender projetos para mais um governo que certamente iria impor mais retrocessos institucionais, privilegiando “esquemas” politiqueiros no preenchimento de cargos em detrimento da meritocracia e de princípios necessários à higidez policial e à qualidade dos serviços prestados à sociedade...?”

Horário: 11:00 horas:

Estava retornando do café no “Ceisa Center” e já no primeiro andar da Delegacia-Geral encontrei a Psicóloga Clarice fazendo “fumaça”. Logo que me viu perguntou:

- “Posso fazer uma pergunta?”

Respondi que só se fossem duas.  Ela perguntou se três meses antes e três meses depois das eleições o policial poderia ser removido de um setor para outro? No meio da resposta uma surpresa: saiu da “sala de reuniões”, em cujo local os futuros Delegados Regionais estavam reunidos, o “ex-Assessor de Imprensa” Hélio Costa. 

Logo que o vi fiquei me perguntando: “Não, será que o Hélio vai continuar aqui dentro, ocupando cargos comissionados, obtendo informações privilegiadas, atuando na exploração de jogos premiados?”   Não dava para acreditar, mas tudo parecia possível naquele início de governo. Em seguida outra surpresa, chegou também o Delegado Leonísio certamente cacifado politicamente para retornar ao cargo de Delegado Regional de São Bento do Sul. 

Lembrei que Leonísio sempre foi um Delegado bastante discreto (desde os tempos do Delegado Brasiliano – DRP de São Bento do Sul), desconhecia que tivesse se envolvido em questões políticas-institucionais, nunca teceu críticas à ordem vigente, muito menos que se posicionou ideologicamente contra o poder instituído (muito embora se envolvesse em atividade político-partidária), também, não saberia informar se chegou a defender abertamente algum projeto de interesse institucional. 

Logo que me viu Leonísio veio me cumprimentar. Sempre o considerei uma pessoa de difícil acesso, muito embora tivesse com ele uma boa relação e prezava sua amizade porque o considerava ético, honesto e confiável.  Leonísio sentou-se ao lado de Hélio Costa que ficou prestando atenção nas minhas observações. Depois de ter dado as explicações retornei para a “Assistência Jurídica” e Clarice tomou rumo inverso, ou seja, retornou para o Setor de Recursos Humanos. 

Horário: 12:00 horas:

Estava deixando a Delegacia-Geral no meu horário de almoço e logo que alcancei a frente do prédio encontrei o Delegado Paulo Freyslebem, novo Delegado Regional de Balneário Camboriú. Deduzi que o mesmo também estava participando da reunião com os novos Delegados Regionais e que provavelmente deveria assumir àquela “DRP”.  Procurei cruzar a pista na faixa de pedestre existente bem na esquina em frente a farmácia...

Do outro lado estava descendo a avenida Osmar Cunha o Delegado Especial Valquir Sgambatto com uma sacolinha de plástico na mão,  andando bem devagar.  Como meus passos eram apressados, andei alguns metros e o alcancei. Ao pegar a sua dianteira procurei cumprimenta-lo, porém, sem deter minha marcha:

- “E daí, tudo bem Valquir?”

Não andei mais que dois metros e ele me chamou:

- “O Felipe tu visses essas mudanças aí que estão fazendo?”

Não entendi bem e procurei reduzir meus passos de maneira a ficar corpo-a-corpo. Valquir continuou: “Eu estava falando com o Nilton (Andrade) agora. Ele disse que está preocupado porque a Corregedoria-Geral está indo para o Gabinete do Secretário”.

Pensei: “E ele aceitou o cargo de Corregedor-Geral mesmo sabendo disso? Por que Nilton teria aceitado?” Valquir continuou:

- “Eu queria falar contigo. Eu acho que nós temos que marcar um encontro. Vamos reunir o pessoal”.

Lembrei da época de “Jorge Xavier”  e novamente fiquei pensando: “Esse Valquir é fogo, de tempos em tempos dá um acesso de indignação e depois acaba tudo serenando, foi assim na época do Jorge...”. Voltei a nossa fala e fui argumentando:

- “Estamos perdendo a Corregedoria-Geral, parece que a ideia é colocar um magistrado ou um advogado lá. Estamos perdendo também a Academia e a Polícia Técnica... Estão até levando a ‘DPI’ para  Curitibanos, tu sabias? O Henrique reside em Curitibanos e é apadrinhado do Deputado Onofre Agostini, tu sabias?”

 Valquir enfatizou:

- “Pois é, eu acho que nós temos que marcar uma reunião. Eu estava conversando com o Nilton, imagina o tamanho que vai ficar a Polícia Civil? Vai comandar o quê? E como é que vai ficar o Conselho Superior da Polícia Civil? Vai ser formado só por três membros? Por isso é que eu estou dizendo que nós temos que reunir o pessoal, tu não achas?”

Imediatamente respondi:

- “Olha Valquir eu não sei como é que vai ficar o Conselho. Onde é que anda o Mário Martins nessas horas? Tudo começou no governo passado. Eles aceitaram o Celito na Polícia Técnica quando deveria ser um Delegado. Colocaram o Artur Sell na Academia quando deveria ser um Delegado da ativa, o Lipinski assumiu a Delegacia-Geral sem ser final de carreira... Como tu vê, tudo começou no governo passado...”. Valquir interrompeu:

- “O Heitor Sché também foi o grande culpado. Ele apresentou aquela emenda constitucional e aí deu merda. Acabou conosco. Só retrocedemos!”

Concordei que Heitor Sché também teve sua parcela de culpa nesse processo e lembrei que a ‘Adpesc’ e a ‘Fecapoc’ estiveram o tempo todo em silêncio, dando a impressão de subserviência... Aproveitei para argumentar:

- “Hoje de manhã estavam lá reunidos os novos Delegados Regionais que vão assumir agora, tu precisavas ver como estão faceiros, contentes..., só não sei com o quê? Sempre foi assim, a cada mudança de governo o que a gente vê é essa corrida atrás de cargos, esse clima de festa para os que vão entrar. No Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Militar isso não acontece, só na Polícia Civil. Então como é que os Delegados vão querer reclamar... é muito triste. Olha só a situação dos Delegados Especiais, estão sendo ignorados, o que manda é o cacife político”.

Valquir fez um desabafo:

- “É por essa e outras que eu só estou esperando a minha aposentadoria...”.

Argumentei:

- “Não é por aí Valquir, mesmo aposentado tu vais continuar dependendo da instituição, do seu prestígio, da qualidade dos serviços...”.

Valquir fez um questionamento:

- “Instituição? Tu achas que nós vamos ter instituição até lá? Desse jeito eu duvido”.

Acabei concordando em parte e quando me dei por conta já estávamos na Avenida Rio Branco (centro de Florianópolis) e nos despedimos no meio daquele sol quente de verão. 

Horário: 14:30 horas:

Estava chegando na “Assistência Jurídica” e senti que o ambiente estava bastante carregado no “auditório” ao lado, a movimentação era intensa. Os futuros Delegados Regionais deveriam estar aguardando o prosseguimento da reunião que havia começado no período da manhã. Procurei manter meus óculos escuros, fixei uma tangente e fui abrindo caminho entre os Delegados que formavam vários grupos, falavam em voz alta, davam risadas, tagarelavam...

No trajeto até a “Assistência Jurídica” percebi a presença de Paulo Freyslebem e o cumprimentei rapidamente para não ter que parar para conversar, estava cheio de coisas na cabeça para fazer...

Já recolhido no meu local de trabalho fiquei ouvindo aquelas vozerio que vinha do hall de entrada e acabei me sentindo como um daqueles inquisidores da terra do nunca..., que coisa triste aquela clima de festa!  

Enfim, todas aquelas imagens pareciam paradoxais, surreais e pensei: “Como é que essas pessoas podem estar felizes sabendo o que está prestes a ocorrer com a Polícia Civil? Essa era a pergunta que não queria calar...!”