PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 15.01.2003, horáriio: 09:30 horas:

Resolvi dar uma chegada no Protocolo da Delegacia-Geral que ainda ficava localizado no andar térreo (ao lado da Gerência de Fiscalização de Armas e Munições). Logo que ganhei constatei a presença do Delegado Wilmar Domingues esperando a chegada do elevador. Quando me viu perguntou: 

- “Como vai doutor?” 

Enquanto abria a porta que dava acesso ao protocolo-geral respondi que estava tudo bem. Wilmar deixou um olhar de interrogação dando a impressão que queria saber das novidades, que queria saber como seria o futuro. Logo que fechei a porta observei um grupo formado por Milton Sché, pelos Delegados Valdir Batista e Bottini e as policiais Flávia...  Não consegui saber sobre o que conversavam, apenas que Bottini discursava com certa impostação de voz e gestos. Valdir reiterou aquele olhar de curiosidade que já tinha visto noutros dias, dava a impressão que estava ansioso por novidades. Seu olhar deixava transparecer um misto de dúvida sobre o futuro, para onde iríamos, o que iria acontecer, quem vai seria quem no tabuleiro... Segui meu destino tranquilamente  e cheguei no protocolo onde a Escrevente Raquel estava me esperando com um sorriso expressivo.  Pedi que ela substituísse a folha numa informação que antes havia entregue, o que ela fez prontamente. 

E, pensei: “Pobre instituição,  pobre sociedade:

“Abriu mão - O vereador Zulmar Valverde recebe hoje à noite o novo diretor-geral da Polícia Civil no Estado, Dirceu da Silveira, para uma caranguejada e um futebol na sede recreativa dos despachantes. Em tempo: Valverde, em nome da unidade da segurança pública de Joinville, disse que abriu mão de disputar a indicação para a regional”  (A Notícia, Antonio Neves – Alça de Mira, 15.1.2003). 

O Delegado Mário Martins da Adpesc, mais Lipinski, Rachadel... e outros próceres do governo anterior ora poderiam dizer: “Ah,mas sempre foi assim!”

Era verdade que sempre foi assim porque a Polícia Civil possuía muitas pessoas fracas, apequenadas, pobres de espírito... e que quando estavam em cargos comissionados tratavam de agradar políticos e empurrar com a barriga qualquer coisa que pudesse queimar seus filmes perante a elite governante:

“Prioridade - Novo delegado regional de Polícia de Joinville, Marco Aurélio Marcucci disse ontem que uma de suas prioridades será o combate às drogas e ao roubo, principalmente arrombamento de residências. Espera contar com o apoio dos conselhos de segurança nos bairros da cidade”  (A Notícia,  Antonio Neves – Alça de Mira, 17.1.2003).  

“Levou - Deputado Nilson Gonçalves apoiou, desde o início, o nome do delegado Marco Aurélio Marcucci para a Delegacia Regional de Polícia. Nomeou também um diretor do porto de São Francisco do Sul e tenta colocar na Casan de Garuva mais um indicado” (A Notícia,  Antonio Neves – Alça de Mira, 17.1.2003). 

Durante os últimos quatro anos de governo Amin os policiais civis foram sacrificados, tinham que se desdobrar, enquanto a criminalidade aumentava consideravelmente nos últimos anos. Nesse cenário a Polícia Militar se aproveitava da situação fazendo incursões nos espaços da Polícia Civil,  enquanto policiais civis eram demitidos, exonerados, afastados, até o colunista Cacau Menezes (DC) entrou no circuito para tentar viabilizar alguma coisa do legado “Lipinskiano”:

“Esperando - Aproximadamente 400 policiais formados pela Acadepol (Academia de Polícia Civil) em vários cargos: delegados, escrivães, etc... estão esperando apenas a assinatura do governador Luiz Henrique da Silveira para começar a trabalhar”  (DC, Cacau Menezes, 20.1.2003).

Segundo cálculos de uma década atrás o efetivo da Polícia Civil deveria ser no mínimo seis mil policiais efetivos, e segundo informações levantadas nos  bastidores naquele momento estava um pouco acima de dois mil, muitos desgastados, cansados, doentes, envelhecidos, frustrados, revoltados, se sentindo enganados, desesperançados...  E para piorar, o reajuste salarial que um dia Lipinski teria dito que viria, na verdade nunca veio...e as perdas salariais não foram compensadas,  e que era para todo mundo ficar sossegado porque era natural o governo dar aumentos. Plantando essa esperança os Delegados e policiais permaneceram quatro anos com os salários praticamente congelados, esperando... Certamente que Lipinski jogou bem porque superou a primeira fase de cobranças e o pessoal esqueceu o que foi dito, escrito, prometido...

Certamente que os comandos das entidades de classe no âmbito policial civil (Adpesc, Acrisc e Fecapoc) deram sua contribuição, fizeram o jogo do poder. Agora com o PMDB no governo do Estado – após o “brinde” da vitória – já começavam a se mostrar intrépidos como nunca foram antes,  jamais! 

Data: 23.01.2003, horário: 10:00 horas:

O Delegado Ilson Silva apareceu na “Assistência Jurídica” cumprindo o que havia me dito ontem. Trouxe nas mãos o “PAD” que resultou na sua punição de quinze dias de suspensão disciplinar.  Ilson Silva aparentava sinais na sua face, no olhar, nas palavras... de uma dor aguda decorrente de uma grande injustiça. Nas mãos trazia cópia da papelada dos autos e foi dizendo:

- “Genovez eu não entendo, pra quê parecer jurídico, pra quê se ouvir juristas se na hora de decidir não levam nada em conta? Eu não entendo, pra quê parecer então?” 

Fiquei meio sem jeito e quase que dei de ombros, me senti pequeno para tentar justificar a realidade do nosso mundo, as “categorias” do Delegado-Geral Lipinski e Ilson me fez uma confidência:

- “Agora tu vê, aqui entre nós, eu fui convidado para ser Corregedor-Geral, disseram que eu fui punido, então como é que poderiam me nomear com essa punição? Genovez o Blasi disse que me escolheria Corregedor-Geral, ele é meu amigo, foi meu advogado. Olha só a minha situação Genovez!”

Lamentei o fato e externei meus sentimentos para Ilson Silva, meu conhecido desde o início dos  anos oitenta, ele que não merecia nada daquilo que estava passando, me sentia péssimo ver nos seus olhos as marcas da crueldade, do amargor, da injustiça, também observei um certo cansaço no seu corpo, a lentidão dos seus movimentos, dava a impressão que andava desnorteado... Também, pude reparar seu nervosismo, tensão, voz trêmula... e soube das suas noites mal dormidas e da sua insônia.  Naquilo tudo eu me sentia próximo dele e solidário. Acabei deixando meus pensamentos com ele dizendo:

- “Genovez, dá uma olhadinha no meu processo?”

Imediatamente peguei o volumoso material nas mãos e passei a folhear as partes principais. Na medida em que fazia a leitura dinâmica fui tecendo alguns comentários. Enquanto isso Ilson Silva reiterou:

- “Eu não entendo porque o Edelson (Nachweng) deu dois parecerres aí dentro, o primeiro parecer dele foi brincadeira Genovez. O Ademar Rezende pediu para o Nilton uma certidão da decisão do Governador no meu recurso e tu sabias que o Nilton (Andrade) negou? Ele negou Genovez!”

 Na medida em que estava tomando conhecimento dos autos fui argumentando:

- “Eu quero ver onde é que foi juntada a minha Informação. Tu tinhas dito que o Ademar anexou a minha Informação ao recurso dirigido ao Governador? Pois é, só pode ter sido a ‘Jô’ que deu sub-repticiamente a minha Informação para o Ademar porque eu já tinha te dito que o Lipinski não juntou nos autos. Ele arquivou a Informação no arquivo pessoal dele lá em cima, lembra disso?”

Ilson Silva aproveitou para fazer um desabafo:

- “Isso foi ruim. Foi ruim o Ademar ter juntado a tua Informação no recurso, não deveria”.

Fiquei curioso e argumentei:

- “Sei, tu queres dizer que era melhor peticionar depois questionando sobre o documento, aí seria um fato grave porque o Lipinski não poderia suprimir peças do processo, o documento não era dele, era um documento oficial, não é isso?” 

Ilson concordou e prossegui na minha leitura:

- “Olha o que o Nachweng  escreveu aqui, brincadeira. Com todo o respeito a ele, olha só! Eu conversei com o meu advogado que é da maçonaria e é amigo dele. Ele disse que iria conversar com o Nachweng, que eles eram amigos e eu mostrei o parecer dele: ‘olha só o que o teu amigo escreveu aqui neste parecer, olha!” 

Recomendei que Ilson Silva tivesse cuidado com a língua e ao mesmo tempo fui lendo o segundo parecer de Nachweng, a certa altura ele se contrapôs à minha informação. Tratava-se de uma frase atacando a parte em que eu questionava que os membros da Comissão de Processo Disciplinar na Polícia Civil e que atuaram no seu caso eram de graduação inferior a do acusado, cuja circunstância afrontava princípios que regiam a instituição.  Edelson Nachweng  externou a opinião de que eu não teria observado o parágrafo único do artigo sétimo do Estatuto da Polícia Civil (Lei n. 6.843/86) que estabelecia que “a hierarquia do cargo prevalecia sobre a hierarquia da função” (certamente que subestimou propositalmente meu conhecimento...). Sobre isso fui argumentando:

- “Como exemplo, imagina Ilson se nós dois fôssemos Delegados de quarta entrância, sendo você mais antigo que eu nessa graduação.  Segundo meu entendimento, nada impediria que eu fosse nomeado para um cargo de Delegado Regional, muito embora na comarca você fosse mais antigo que eu, entendes? O que não poderia se admitir é que um Delegado de terceira entrância, um substituto fosse nomeado Delegado Regional, pois isso seria uma violência ao princípio da hierarquia, tu não achas?  Na verdade Ilson existe uma perspectiva institucional e uma perspectiva política. A minha informação teve caráter técnico e institucional. Eu defendi que a prevalência da hierarquia da função somente poderá ocorrer dentro da mesma graduação, entre policiais de mesmo nível, podendo somente nessas circunstâncias ser deixado de lado a antiguidade. E olha que isso já é uma violência. Pensa bem, você sendo um Delegado de quarta entrância há dez anos, pronto para ser promovido para Especial e eu acabei de ser promovido à quarta entrância. De repente me apego a políticos, amigos, empresários e consigo a nomeação para uma Delegacia Regional. Pronto, vou comandar o doutor Ilson. Tu não achas isso uma afronta ao princípio da hierarquia? Pois é, na minha visão isso é possível ocorrer, mas somente nesses casos é que a hierarquia da função pode prevalecer sobre a hierarquia do cargo o que mesmo assim não deve ser a regra. Já o Edelson teve uma visão política. Ele acha que a prevalência da função se aplica em quaisquer circunstâncias. Segundo essa ótica pode-se colocar até um policial de outra carreira, desde que esteja num cargo comissionado, pronto, poderá integrar uma comissão de processo disciplinar contra Delegado.  Tu sabes que não há disposição legal que diga que os cargos de Delegados Regionais são privativos de Delegados de Polícia de carreira. Bom, na época do Edelson levaram os cargos de ‘Assistente Jurídicos’  para a Consultoria Jurídica da SSP e colocaram um Investigador e uma Escrevente... Esses cargos sempre foram da Delegacia-Geral e eram tradicionalmente ocupados por Delegados. Então é evidente que o Edelson tinha que defender os interesses políticos, teve que servir às forças que comandavam a Secretaria. Se a minha opinião jurídica preponderasse teriam que exonerar um monte de gente, iriam encontrar muitas dificuldades políticas.  Lamentavelmente a Polícia Civil sempre foi  assim. Bom, imagina o Lipinski era Delegado de quarta entrância e assumiu o comando da Delegacia-Geral. Agora está aí o Dirceu. Não é uma violência ao princípio da hierarquia?”  Orientei Ilson Silva a entrar com um mandado de segurança porque a sua decisão ainda não havia transitado em julgado.  Sugeri que ele peticionasse à direção da Polícia Civil com o objetivo de obter informações acerca da decisão de seu recurso que ainda não tinha vindo e segundo constava não houve encaminhamento ao Governador do Estado.  Orientei também que ele argumentasse que a punição teve conotação política em razão das ligações com Lúcia Stefanovich, com o PMDB e que Lipinski não gostava da ex-Secretária de Segurança. Ilson lembrou que Lipinski no passado deixou dezenas de inquéritos policiais atrasados na Delegacia e não aconteceu nada.  Dei um Estatuto da Polícia Civil para Ilson com uma dedicatória  e no final lamentei a situação dos Delegados novos que se apegavam a políticos em busca de cargos de direção. Lembrei que isso não ocorria na magistratura, Ministério Público e na Polícia Militar e que era preciso acabar com isso. Fiz um desafio:

- “Olha Ilson,  tu dizes que concordas com a minha visão institucional e que é o meu parecer que deveria preponderar, mas a verdade só apareceria se tu viesses a ser convidado para ser Delegado-Geral, como o Dirceu. Aí seria mesmo a prova dos noves. O homem estaria entre a razão e a emoção, estaria em jogo a ambição, vaidades pessoais, orgulho, interesses... Neste momento tu és a favor do meu parecer institucional, mas será que se tu fosses guindado ao cargo de Delegado-Geral não serias a favor do parecer político do Edelson? Essa seria uma grande prova, mas deixa pra lá... Seria mais ou menos assim: ‘com poder eu penso de um jeito e sem poder eu penso de outro jeito bem diferente, não achas?”.

Acompanhei Ilson até a porta e ele fez uma importante revelação:

- “Olha Genovez muita gente que já foi nomeada, muita gente que está buscando cargo vai cair do cavalo. Eles já estão revendo nomeações, indicações, vão mudar um monte de gente, podes esperar!”