PROJETO DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA

Data: 03.01.2002, horário: 09:30 horas – “A era da entregação?”

O Delegado Wilmar Domingues veio até a “Assistência Jurídica” para dar os parabéns em razão da passagem do ‘Natal’ e do ‘Ano Novo’.  Logo que deu os cumprimentos disse:

- “Viu, doutor, começou a ‘entregação’! Estão entregando todo o setor de comunicação da Polícia Civil, estão mandando tudo lá para a Polícia Militar, começou a era da ‘entregação!’” 

Ouvi aquilo e pedi para que Wilmar desse uma olhada na resolução do Conselho Superior de Segurança Pública que criou a câmara técnica para tratar dos currículos de ensino das Polícias Civil e Militar. Wilmar leu o documento enquanto eu fui até o banheiro. Quando retornei lancei a pergunta que já havia reservado:

- “Então, já leu? Estão entregando o sistema de comunicação e logo já vai ser também o nosso ensino policial civil, a nossa Academia,  vão entregar tudo para a Polícia Militar. Viu a composição da Câmara Técnica? Colocaram na presidência um Coronel e mais um outro, e da Polícia Civil colocaram o Douglas e mais um Inspetor.  Sim,  imagina como estamos bem representados?”

Wilmar ficou nervoso e comentou que tínhamos que fazer alguma coisa, começar a denunciar aquela política de “entregação”.  Como eu estava com pressa convidei-o a descer e ele interrompeu a ligação telefônica para cumprimentar “Jô Guedes”, em seguida  me acompanhou até o andar térreo, mantendo o tom de sua pretensão em começar a escrever algo contundente, também, contatar o  Mário Martins da Adepsc.

Horário: 15:00 horas – “Delegado Damásio Mendes de Brito” em ação”:

Liguei para a 1ª DP de Chapecó, eis que já tinha recebido recados que o Delegado Damásio queria muito conversar comigo.  Logo que me atendeu disse que tinha duas perguntas a fazer. A primeira era sobre a lei especial de promoções. Damásio argumentou que num critério os Delegados estudiosos eram os que seriam  beneficiados enquanto que os que estão em Delegacias trabalhando ficavam prejudicados.  Procurei argumentar que a avaliação indireta (planilhas de avaliação do desempenho no local de trabalho era por meio delas que se deveria compensar e corrigir quaisquer defasagens, mas que o erro não estava na legislação e sim nos homens que comandavam a Polícia Civil porque  não faziam as tais avaliações e esses pontos acabavam não sendo creditados, restando apenas o merecimento avaliado diretamente nos assentamentos individuais.  A segunda pergunta era sobre o embasamento legal para as convocações e designações de Delegados para responder por duas ou mais Delegacias de Polícia. Orientei que Damásio consultasse o artigo trinta e três do Decreto n. 4.196/94 e ele se disse preocupado porque já estava há um ano em Chapecó e que pretendia se inscrever no concurso de remoção horizontal ou promoção vertical para um lugar mais próximo do litoral. Na sequência, lançou mais uma pergunta:

- “Felipêêê tu ficaste aqui menos que um ano, não foi? Porra, eu já estou aqui há quase dois anos meu amigo, tu vais concordar comigo que essa lei de promoções é oitenta por cento boa, mas tem uns vinte por cento que tem que ser melhorada? O que vai acabar acontecendo é que esses promotores vão constatar que nós não temos nem condições de fazer uma promoção, é tanta incompetência, tu não achas? Veja bem Felipe, lá eles fazem as promoções direitinho, enquanto que nós aqui é essa bagunça!”

Concordei com Damásio  e externei a minha opinião:

- “Olha Damásio um dos problemas que eu vejo é que a cada ruptura de poder no governo mudam os comandos da Polícia Civil, os nossos colegas correm atrás de políticos para conseguirem cargos, só que eles estão acostumados com Delegacias,  desconhecem toda a dinâmica necessária para administrar a instituição, chegam aos cargos de comando com uma visão como se fosse administrar Delegacias, realizar serviços operacionais...,  eles desconhecem a legislação, como funciona os órgãos de atividade meio por dentro e acabam se omitindo e quem paga o preço somos todos nós, é a instituição. No final do governo é que eles começam a ter uma visão da coisa, mais aí já é tarde, quando vão haver novas mudanças e começa tudo de novo. O presidente da comissão encarregada da promoção dos Delegados é o Optemar, ele assumiu essa responsabilidade neste governo, e eu te pergunto o que quê ele sabia antes sobre promoção? Então meu amigo a coisa é assim,   precisamos de uma nova ordem, de uma nova ética, uma nova doutrina, pois não há instituição que aguenta tudo isso!

Damásio ainda me perguntou sobre o princípio da hierarquia. Na verdade ele   queria saber onde constava que numa repartição havendo dois ou mais Delegados de mesmo nível o mais antigo teria precedência hierárquica. Pedi que ele lesse o artigo sétimo do Estatuto da Polícia Civil. Damásio acabou comentando acerca do famigerado parágrafo único que tratava sobre a prevalência da hierarquia da função sobre a hierarquia do cargo. Argumentei que isso se aplicava só quando se tratasse de Delegados de mesma entrância e que a partir das LCs 55/92 e 98/93 se passou a exigir que para fins de lotação se devesse levar em conta a compatibilidade da hierarquia da comarca com a graduação do Delegado.  Assim, numa cidade como Chapecó o Delegado Regional teria que ser obrigatoriamente de quarta entrância. Citei o exemplo do Delegado Alex Boff que era de 1a Entrância e estava atuando numa comarca incompatível com a sua graduação (Chapecó), jamais poderia ser nomeado para aquele cargo de Delegado Regional, inclusive, que a cúpula sempre soube disso, a Associação dos Delegados também, mas fizeram vistas grossas porque era mais conveniente, sendo que do contrário teriam que se contrapor a interesses políticos e seria melhor varrer tudo para baixo do tapete e deixar tudo quieto! Argumentei que poderia ser nomeado um Delegado mais novo, mas desde que também fosse de Quarta Entrância e que o princípio da hierarquia não poderia sofrer restrições daquele tipo, como no caso de se pretender  privilegiar o Delegado Alex. Também, aproveitei para afirmar que não seria racional e ético se colocar um Investigador num cargo comissionado para dar ordens a um Delegado.  Citei o Exemplo do Coronel Valmir Lemos que era o Coronel mais novo no Governo Paulo Afonso (1995 – 1998) e foi nomeado Comandante-Geral da Polícia Militar, também, o exemplo do Desembargador Amaral e Silva que passou o Desembargador Francisco de Oliveira (o “Chicão”) para trás na Presidência do Tribunal de Justiça do Estado.  Damásio então finalizou dizendo:

- “Entendi, então é uma bagunça mesmo, entendi a tua explicação!”.

Eu concluí:

- “Pois é, imagina Damásio, o pessoal não conhece as nossas leis,  se deixa levar pelas pressões políticas, a Lúcia fez isso, priorizou outros projetos ao invés de exigir o cumprimento de nossas leis e aperfeiçoar todo o sistema. Ela deveria ter dado exemplo como Delegada e Secretária, mas não fez e agora a bagunça continua, qualquer vereador, prefeito, político se quiser pede a cabeça de Delegado da cidade se não fizer o jogo, pode isso?”

Falei ainda do meu livro (Estatuto da Polícia Civil), da importância para a imagem da instituição e Damásio se mostrou interessado em adquirir o material.

Data: 04.01.2001, horário: 09:30 horas – “Ele veste ou não veste?”

“Jô Guedes”  recebeu o Diário Oficial e quase que deu um grito:

- “Alteraram o artigo treze do Estatuto, viu, já sabia?” 

Sim, eu sabia que havia alguma coisa estava tramitando na Assembleia Legislativa com objetivo de alterar as regras que regem o concurso da Polícia Civil, porém, não conhecia a extensão, o conteúdo e procurei me controlar. Pedi para que “Jô Guedes”  desse uma olhadinha e confrontasse as redações para saber o que mudou.   “Jô Guedes”  começou ler o dispositivo e foi dizendo:

- “Fizeram constar o convênio. Ah, também acabaram com o psicotécnico e suprimiram o parágrafo que dizia que o Delegado-Geral homologaria os concursos da Polícia Civil, agora não tem mais homologação, acabou!” 

Logo que ela terminou seu comentário foi a vez do meu:

- “Acabaram com a homologação? Não. Dá uma olhadinha no decreto quatorze e vê se não consta lá  a delegação de competência do governador ao Secretário para homologar concursos da Polícia Civil?  Só que a competência do Delegado-Geral constava de Lei e a delegação de competência do Secretário constava de decreto, então prevaleceria a prerrogativa do Delegado-Geral.  Então ‘Jô’ o Secretário Chinato deve ter percebido isso e tratou de dar uma rasteira no Lipinski que depois vem dizer que o Secretário veste a camisa da Polícia Civil, olha só que retrocesso,  estão esvaziando o comando da Polícia Civil, será que ele está cego?”

“Jô Guedes”  completou:

- “Veste a camisa? Sim ele veste a camisa , mas do avesso, é assim que ele veste a camisa, do avesso!” 

Passado alguns minutos “Jô Guedes”  foi verificar o tal decreto quatorze que tratava da delegação de competência do Governador para o Secretário de Segurança Pública e quase que deu outro grito:

- “É indelegável!  O Secretário não pode nem delegar essa competência ao Delegado-Geral!”

Argumentei:

- “Pois é, antes havia a disposição estatutária. Será que o Secretário fez a coisa bem quietinho, deu uma rasteira no Delegado-Geral  que tá cada vez mais operacional, acaba não decidindo mais nada, só é um executor?”

(...)”.

 O que se percebia era que “devagarinho” estavam retirando todo o poder de decisão política e institucional do comando da Polícia Civil, era o esvaziamento, inversamente proporcional ao que fazia o Ministério Público. A questão era que não havia qualquer resistência, nem da Delegacia-Geral e nem da Adpesc, muito pelo contrário. E, o ano velho estava se indo e o novo entrando...

 

Data: 07.01.2002, horário: 17:00 horas – “’Jô Guedes’ e o seu cinco de janeiro’”:

Vieram até a “Assistência Jurídica” os Delegados Ademar Rezende, Lauro Braga que queriam comer o bolo que “Jô Guedes” trouxe em comemoração ao seu aniversário que transcorreu no último Sábado (dia cinco).  Primeiro Ademar elogiou “Jô Guedes” e eu até brinquei.  Depois, falou sobre o concurso para a Polícia Civil e disse:

- “Eu estava vindo e encontrei um Delegado, não vou declinar o nome dele, mas ele chegou para mim dizendo que os últimos três concursos que foram feitos na Academia tiveram problemas, eu disse para esse cara que se tiveram irregularidades que ele provasse, eu disse para ele: ‘quero que alguém prove que houve alguma irregularidade!’ Mas tu vê rapaz, essas alterações que eles fizeram... será que já saiu a lei alterando o Estatuto?”

Respondi que sim. e falei que abrir mão principalmente do concurso para Delegados foi muito errado. Argumentei que nem a magistratura e nem o Ministério Público fez isso. Ademar lembrou que no âmbito da Polícia Militar também, isto é, eles não abriram  mão dos concursos e cursos que continuavam a ser realizados pela própria Polícia Militar.  Passei a LC 216/2001 para que Ademar desse uma lida, fazendo a observação de que a partir da vigência dessa legislação competia ao Titular da Pasta homologar os concursos da Polícia Civil.  Ademar se mostrou indignado e foi ler a lei para comentar:

- “Olha aqui Felipe, não mudaram não! O Delegado-Geral continua com a prerrogativa de homologar os concursos. Tá aqui! Não mudaram não! Foi mantido!” 

Fui ler mais atentamente a lei e constatei que era verdade. “Menos mal!” pensei.  Me faltou atenção em ler o conteúdo da lei, acho que fiquei um pouco condicionado às críticas de “Jô Guedes”  e pela minha impaciência em compulsar a legislação acabou passando  batido.

No final do dia, depois que deixei a Delegacia-Geral e estava caminhando para apanhar meu carro no estacionamento, fiquei pensando no pessoal do "triunvirato", será que era isso que eles realmente esperavam? Seriam uns ingênuos ou pobres inocentes? Estavam dispostos a impor que a instituição pagasse um alto preço para que pudessem realizar suas ambições pessoais ocupando postos de comando?