CAPÍTULO 2

 

AS MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BAIRRO PRCI

 

2.1 O Descaso do Poder Público

 

“Pode-se dizer que os movimentos sociais (...) tem por origem, contra-

dições sociais que afetam a população trabalhadora (...) tais condições

não efêmeras, pois, decorrem do modo como a vida social da cidade

está organizada”.

(Paul Singer)

 

O grande problema do setor habitacional 49 em São Paulo é o descaso do poder público, principalmente em relação às áreas periféricas. O drama das sub-moradias é vivido por milhares de pessoas, que sem condições sócio-econômicas se sujeitam a uma condição sub-humana. A falta de infra-estrutura e uma política de melhoria das condições de vida das pessoas que moram em áreas restritas e de risco, não parecem ser prioridades do poder público, pelo contrário, as pessoas que tem uma melhor condição financeira, geralmente são mais privilegiadas; enquanto que a classe menos favorecida sócio-economicamente é praticamente esquecida pelos órgãos públicos e se não fosse os “gritos” dessa população, reivindicando seus direitos, como uma vida digna, o qual, aliás, é um direito de todo ser humano, e um bom lugar para moradia com uma infra-estrutura que lhe proporcione um modo de vida salutar garantidos na Constituição Brasileira.

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49 Segundo dados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, um milhão e 900 mil pessoas moram em favelas em São Paulo, um milhão em cortiços, cerca de três milhões vivem em moradias precárias (FIPE, 94). Esta realidade se agrava a cada ano que passa. O número de favelados evoluiu de um milhão e duzentos mil, em 1990, para quase dois milhões no ano de 2000. O número de cortiços também aumentou. As moradias precárias nas periferias (áreas não urbanizadas) cresceram assustadoramente. A população de rua atinge quase 15 mil pessoas e devido a uma série de fatores como: baixos salários; desemprego e especulação imobiliária, este último fator, inclusive, impede o acesso dos trabalhadores de baixa renda à moradia, que ocorre devido aos preços extorsivos das terras e imóveis (estes preços inviabilizavam a construção de moradias), acabam excluindo os trabalhadores sem-teto das regiões urbanizadas, onde são “empurrados” para a periferia, que não pode ser considerada área rural e nem espaço urbano, pois, não é nem uma coisa, nem outra, na maioria dos casos, são áreas de mananciais. Segundo Manoel Del Rio (advogado e assessor do Movimento Sem Teto do Centro), esses dados estatísticos também revelam que os trabalhadores de baixa renda não tem acesso à moradia digna e, por conseqüência, estão excluídos das regiões urbanizadas. Ligado ao fenômeno da “expulsão” dos trabalhadores de baixa renda das regiões urbanizadas, acompanha o processo de construção de grandes bolsões de moradias precárias, que são cortiços e favelas, ou seja, os trabalhadores são forçados a sair de uma situação razoável e, para fugir do aluguel, vão morar nas favelas, à beira de rios, áreas de risco ou em habitações completamente degradadas. Embora estas moradias encontrarem-se na cidade, os trabalhadores vivem amontoados e sem as mínimas condições de usufruir da vida urbana e também os Programas Habitacionais existentes não atendem às famílias com renda de até 3 salários mínimos. Deste modo, os trabalhadores de baixa renda não são atendidos e continuam sendo expulsos das regiões urbanizadas.

Analisaremos o descaso do poder público em relação às necessidades da po- pulação das áreas periféricas com base nos depoimentos e também no documento da SAB que traz um breve relato da História do PRCI, mencionando ainda as grandes dificuldades que a população local enfrentava desde o início da década de 1980.

 

O Sr. Francisco Costa menciona que o povoamento do bairro PRCI teve um crescimento acentuado aproximadamente em 1985, com uma crescente vinda de pessoas para morar no PRCI, mesmo porque, o bairro já estava sendo habitado desde a sua fragmentação para a venda dos terrenos. Em 1985 as condições de vida no bairro PRCI ainda eram precárias, era praticamente um bairro esquecido pelas autoridades constituídas e foi nesse período que o prefeito de São Paulo na época, Jânio Quadros veio ao bairro, não com o intuito de trazer os benefícios públicos para o bairro, porque o prefeito “não sabia” das condições precárias de vida que a população local estava enfrentando. O prefeito Jânio Quadros veio ao bairro com o objetivo de multar ou até fechar a SAB do PRCI, como relata o Sr. Francisco Costa “o Jânio Quadros veio ao bairro com o objetivo de multar ou fechar a Associação dos moradores do PRCI, se não fosse verdade o ofício com aquela chantagem barata”.

 

Ao analisarmos o documento da SAB, percebemos que se não houvesse uma “provocação” da população e do Sr. Cláudio Cânon que era o presidente da SAB na época e que fez um panfleto com críticas ao prefeito Jânio Quadros, o bairro não sairia da situação em que se encontrava, sem água encanada, luz elétrica, asfalto, enfim, sem uma infra-estrutura que pudesse dar o mínimo de conforto aos moradores que residiam no bairro PRCI. O documento da SAB registra que somente a partir do ano de 1984 que se inicia a urbanização do bairro, mais de forma ainda muito tímida, mas, já era uma conquista da população que até então, não tinham nenhuma assistência dos políticos da época.

 

A partir do ano de 1984, veio o cascalhamento e regularização das

ruas, a iluminação nas ruas com luz de mercúrio, na qual na sua inau-

guração o então prefeito Mário Covas, visitou nosso bairro, nesse mes-

mo ano foi implantada a primeira linha de ônibus servida pela viação

Bola Branca, mas, só atendia de manhã e a tarde até às 20:00 hs” 50.

 

Geralmente quando se propaga venda de terrenos ou apartamentos em locais centralizados, ou seja, em locais que facilitem o acesso dos moradores aos benefícios públicos

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50 Documento em anexo da SAB (Sociedade Amigos de Bairro), que conta a história do bairro PRCI.

que um bairro urbanizado oferece, como: acesso fácil ao trabalho (deslocamento), aos princi-

pais shoppings centers, supermercados, escolas, teatros, cinemas, restaurantes etc. Percebe-se que há uma preocupação do poder público em beneficiar tais regiões, por considerarem esses lugares como “áreas nobres” de São Paulo. São nessas regiões que geralmente moram os próprios políticos, banqueiros, industriais e empresários.

 

Por outro lado, a classe trabalhadora e de baixa renda continua sendo “desprezada” pelos dos governantes que se preocupam apenas em atender os seus próprios interesses, não tem dado a mínima importância para a população que vive em favelas, nos barrancos e em verdadeiras “choupanas” 51, correndo o risco a qualquer momento, de seus “barracos” desabarem sobre as suas cabeças, sem contar ainda com as doenças infecto-contagiosas, por conta de não haver serviços de saneamento básico nesses lugares.

 

Ao entrevistarmos o Sr. Jamiro podemos juntos voltar aquele período de angústia vivido pelos primeiros habitantes do PRCI, devido ao descaso do poder público e a situação precária que eles viveram. Com as seguintes palavras, o Sr. Jamiro descreve o descaso do poder público, “nós alugávamos ônibus e íamos para frente do Palácio do Governo, secretarias, para reivindicar benefícios”.

 

Podemos inferir, que não havia nem sequer uma resposta urgente por parte dos governantes para atender as reivindicações dessa população que por muitas vezes ao “relento”, ficavam horas à fio em frente ao Palácio do Governo do Estado de São Paulo e de secretarias reivindicando melhorias para o bairro, algo que deveria ser o inverso, pois, não é a população que tem que ir até ao poder público e sim, os próprios políticos, que nas eleições prometem uma “política séria” para beneficiar à população, deveriam ouvir esta nas suas necessidades, priorizando a infra-estrutura básica para melhorar as condições de vida dessa gente mais carente.

 

O Sr. Cláudio Cânon destaca também a falta de compromisso dos governan-tes no que se refere as melhorias para o bairro e das vezes que teve que se sujeitar a vontade dos políticos, pelo fato de ser presidente da SAB da época e por ser um “porta-voz” da população do PRCI, aonde ia ao poder público, em busca de benefícios para o bairro. Ele co-

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51 Habitação rústica e pobre; cabana, choça.

menta na entrevista sobre uma característica muito peculiar da população do PRCI na época, que era uma população que não desistia dos seus ideais e que lutavam pelo bairro e para o bairro, “com certeza, a gente tomava um “chá de cadeira”, o pessoal dos órgãos públicos não atendia, mas, como o povo do Cocaia era unido, o povo participava, por isso, conseguiu os benefícios”.

 

O período que compreende entre o início da ocupação do bairro (1981) e a sua expansão, isto é, quando ocorreu a chegada de muitas pessoas para habitar o bairro, que aconteceu em meados de 1984, foi um tempo de muitas adversidades para a população do bairro, com isso podemos perceber o descaso dos órgãos públicos em relação às regiões periféricas como o bairro PRCI, que durante um longo período teve que conviver com uma situação difícil e assim continuariam se não fosse a luta da população frente aos órgãos públicos através de manifestações populares, que detalharemos no tópico seguinte.

 

2.2 A Luta dos Moradores pelos Benefícios Públicos

 

A situação do bairro PRCI, em meados da década de 1980 era tão grave, devido principalmente à falta de infra-estrutura no bairro, que a solução encontrada pelos moradores foi buscar os benefícios públicos através de manifestações populares.

 

Foi fundamental a participação da população do bairro nas manifestações, pois, todos estavam enfrentando as mesmas dificuldades e isso possibilitou a organização desses moradores em torno de uma causa comum que foi a busca por infra-estrutura para o bairro, tornando um bairro com melhores condições de vida como destaca Cicília Peruzzo:

 

As pessoas passam a reconhecerem-se como partícipes de situações

semelhantes, a partir de carências e problemas vividos em comum....

Os movimentos populares organizam-se segundo o lugar de trabalho

ou de moradia, segundo algum princípio comunitário que os agrega,

sem distinção de qualquer natureza” 52.

 

Uma característica importante que deu origem aos movimentos populares no caso específico do bairro PRCI, foi a carência de benefícios públicos já citados no capítulo anterior, envolvendo desde operários aos comerciantes da região. Então, se percebe que a __________________________

52 PERUZZO, Cicília M. Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares. 2.ª Ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 60.

força conjunta da população tem mais força na luta com o poder público, do que esforços individuais como observa Cicília Peruzzo:

 

Os movimentos populares envolvem desde o operário, que também faz

luta no bairro, até funcionários públicos, subempregados, donas-de-

casa, trabalhadores autônomos etc. As diferenças diluem-se ao se agru-

parem princípios e necessidades comunitárias. O motivo aglutinador

pode ser, por exemplo, a falta de uma escola no bairro” 53.

 

Outra importante observação relacionada aos movimentos sociais é a partici-pação coletiva e política da população no usufruto da cidadania, buscando igualdades nas condições de vida, através de opiniões e decisões num objetivo comum como aponta Eunice Durham:

 

Os movimentos sociais forjam a cidadania e unificam os interesses e

as lutas da população heterogênea. A vivência em situação de igualda-

de ou de cunho comunitário, tanto pelas condições de vida que atingem

a todos quanto pela participação de cada um, seja falando, opinando

ou decidindo, está favorecendo a constituição da pessoa no plano pú-

blico” 54.

 

Em linhas gerais, nos movimentos sociais se percebe que estes surgem a par-tir de determinadas contradições em que primeiramente, um grupo menor toma consciência de problemas locais, por exemplo, num bairro, e a partir desse pequeno grupo as idéias vão se expandindo a um grupo maior que vai aumentando, podendo até ganhar âmbito nacional, como destaca Paul Singer, “por iniciativa deste pequeno grupo se inicia um processo de mobilização, que vai paulatinamente se ampliando, seja entre os membros de um sindicato, os moradores de um bairro, os fiéis de uma paróquia ou pessoas ideologicamente motivadas para se engajar em determinados tipos de luta” 55.

 

A partir da expansão das idéias, quando a mobilização já consegue reunir um número significativo de pessoas no movimento, busca-se formular as reivindicações, que sur-

gem a partir das necessidades específicas, no caso da população do bairro PRCI foram as necessidades básicas de moradia, e após serem formuladas as reivindicações, aglutinam-se

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53 Idem, ibidem.

54 DURHAM, Eunice. In: PERUZZO, Cicília. Comunicação nos Movimentos Populares. 2.ª Ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 60.

55 SINGER, Paul. Movimentos sociais em São Paulo: traços comuns e perspectivas. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinícius C. (Orgs.) São Paulo: O Povo em Movimento. SP: Vozes, 1983, p. 215.

mais pessoas nas lutas e geralmente conseguem-se vitórias importantes como à própria exis-tência e continuidade do movimento, apesar de fortes pressões em geral do poder público.

 

Estas reivindicações emanam, sem dúvida, das necessidades sentidas

pela categoria social em movimento, mas, são formuladas em termos de

um discurso ideológico, que é o patrimônio comum do grupo que tomou

a iniciativa e, geralmente, retém a liderança do movimento” 56.

 

Fazendo-se uma análise sobre o período histórico em que ocorreram as manifestações populares no PRCI, podemos observar que a própria conjuntura histórica favoreceu para que essas reivindicações das manifestações populares pudessem ter êxito, como ocorreu no caso, no bairro PRCI. Esse período (década de 1980) foi importante dentro da história das manifestações populares, pois, seguiram-se num período em que houvera nas décadas anteriores no Brasil (1970 e 1980), diversas manifestações populares.

 

O período que compreende o recorte da pesquisa (1981-1987) fora seguido por diversas manifestações populares, principalmente em São Paulo, iniciando-se em bairros e ampliando-se, ganhando âmbito nacional como foi o caso do movimento contra a carestia (MCC), onde se iniciou no bairro de Vila Remo (Zona Sul de São Paulo). Esse período (década de 1980) é chamado por muitos estudiosos como um período de transição entre o período do regime civil militar e a democratização com a escolha de um presidente civil pela população através do voto direto. Nesse período ocorrem diversos movimentos sociais urbanos com destaque para São Paulo e segundo Emir Sader os movimentos sociais em São Paulo se deram devido a algumas características como:

 

“A força dos movimentos sociais na resistência democrática, como é o

caso do movimento operário com as greves de 1978 e 1980, com o mo-

vimento feminista, os movimentos urbanos e as Comissões Eclesiais de

Base (...) a forma assumida pela transição democrática, passando do

governo Maluf ao de Montoro (...) a presença de forças motoras do mo-

vimento social, com especial ênfase para a Igreja e as Comunidades

Eclesiais de Base, o PT e a CUT (...) e por tratar-se de um Estado par-

ticularmente sensível às oscilações dos ciclos econômicos, como a re-

cessão de 83/84 e a recuperação de 85/86; com seus efeitos diretos so-

bre as questões do emprego e do salário” 57.

 

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56 Idem, Ibidem, p. 216.

57 SADER, Emir. (Org.) Movimentos Sociais na Transição Democrática. SP: Cortez, 1987, p. 8.

 

Segundo Emir Sader na década de 1980 havia uma forte pressão de setores da opinião pública e da imprensa, tendo em vista que principalmente na segunda metade da década de 1960 até o final da década de 1970 havia forte repressão policial contra as organizações sociais que buscavam através de manifestações sociais a solução de seus problemas. Com a crise econômica do início da década de 1980, onde o Estado não conseguia dar respostas rápidas às demandas dos setores mais afetados pela recessão, as medidas tomadas tornam-se praticamente insignificantes.

 

Dentre os grandes movimentos desse período podemos citar a greve dos operários do grande ABC, dentre outros que foram sementes que foram plantadas e que renascem em vários lugares onde há “fertilidade na terra”, ou seja, onde a conjuntura favorece, dada as necessidades objetivas e subjetivas 58, favoreceram os movimentos populares no final da década de 1970 e início da década de 1980, assim como, os movimentos urbanos, movimento negro e movimento feminista tiveram trajetórias diferentes de outros movimentos sociais como aponta Emir Sader:

 

“Os movimentos urbanos tiveram que se deparar com programas go-

vernamentais que abriam um espaço novo de intervenção e tentativas

de solução de seus problemas (...) quanto aos movimentos de bairro, fo-

ram afetados mais amplamente pelas políticas de educação, saúde,

transporte e segurança pública do governo do Estado. Políticas que em

geral primaram pelo caráter limitado da concepção de descentraliza-

ção do poder observado anteriormente (...) em vários casos esses movi-

mentos desembocaram em reivindicações aos governos no sentido de se

obter, por exemplo, mais iluminação” 59.

 

Essa situação causou uma inquietação nas populações metropolitanas, princi-palmente em São Paulo, onde houve saques, depredações de ônibus e como destaca Pedro R. Jacobi “em decorrência da crescente deterioração das condições de vida urbana e da reação dos que são mais afetados nos seus padrões mínimos de sobrevivência” 60.

 

Segundo Ruth Cardoso “os movimentos tem seu caráter magnificado quanto ao nível de participação popular, espontaneidade, sua independência das elites e dos partidos e __________________________

58 Segundo a teoria marxista, as condições objetivas são as condições materiais concretas e políticas da socieda-de e sua situação de dificuldade. As condições subjetivas são: a tomada da consciência de classe, onde os indiví-duos são sabedores da opressão que sofrem.

59 SADER, Idem, p. 9-10.

60 JACOBI, Pedro R. Movimentos sociais urbanos numa época de transição: limites e potencialidades. In: SADER, Emir. (Org.) Movimentos Sociais na Transição Democrática. SP: Cortez, 1987, p. 13.

o predomínio de uma concepção igualitária” 61. Nessa perspectiva de uma participação popular de caráter mobilizatório com suas bases urbanas que se contrapõe ao Estado, Pedro R. Jacobi aponta que:

 

“O Estado é visto a partir de uma matriz essencialista, inimigo autori-

tário contra qual se mobiliza a Sociedade Civil (...) isto decorre do fato

desses movimentos se constituírem numa resposta à própria violência

institucional do Estado que afeta principalmente os moradores dos

bairros periféricos na esfera do seu cotidiano” 62.

 

Por outro lado, com a eleição de Jânio Quadros 63 para prefeito de São Paulo no início da década de 1980, possibilitou uma nova situação como o próprio surgimento de manifestações populares urbanas, tendo um maior acesso às autoridades governamentais que não tinham em períodos anteriores.

 

“Por outro lado, o Estado, a partir de meados da década de 70, passa

a responder às demandas dos movimentos através da implementação de

políticas sociais que se consubstanciam em melhorias no plano dos ser-

viços de saneamento básico, saúde, sistemas de transportes, procuran-

do garantir uma certa legitimação pelo consenso passivo o que por sua

vez cria um potencial de ampliação das demandas” 64.

 

Na realidade, os movimentos populares não se deram de forma hegemônica, mas, devido às necessidades particulares das classes populares, cada um no âmbito de sua ação e localidades específicas. Esses movimentos nos anos 70 e 80 perpassavam na mentali-dade das classes populares de São Paulo, e a forma como se deram analisa Vinícius C. Brant:

 

A emergência dos movimentos populares em São Paulo na década de

70 deve-se de forma fragmentária. Em condições de repressão extrema-

da contra a expressão política dos interesses populares, tornou-se difí-

cil a centralização dos conflitos e mesmo a intercomunicação perma-

nente entre os movimentos sociais de âmbito diverso” 65.

 

Os movimentos geralmente aconteceram devido à repressão e o bloqueio das instituições que representam à população, e também por uma questão de sobrevivência, onde

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61 CARDOSO, Ruth. In: SADER, Emir. (Org.) Movimentos Sociais na Transição Democrática. SP: Cortez, 1987, p. 11.

62 JACOBI, Idem, p.11-12.

63 O político Jânio Quadros da Silva foi prefeito do município de São Paulo de 1985 a 1988.

64 JACOBI, Idem, p.12.

65 BRANT, Vinícius C. Da resistência aos movimentos sociais: a emergência das classes populares em São Paulo In: SINGER, Paul. (Org.) São Paulo: O Povo em Movimento SP: Vozes, 1983, p. 13.

ocorreu uma sensibilização entre a população, onde os laços de solidariedade e de grupo de pertença favoreceram as ações comunitárias que culminaram nesses movimentos populares, como argumenta Vinícius C. Brant:

 

O bloqueio dos canais institucionais de representação popular como

os partidos políticos, as câmaras legislativas, os sindicatos e associa-

ções de massas estimulou o uso dos laços de solidariedade na sobrevi-

vência diária da população, relações de vizinhança, parentesco, com-

padrio ou amizade permitiam a proteção em boa parte o desenvolvi-

mento desses laços diretos entre pessoas que confiavam umas nas ou-

tras, que deu origem a vários movimentos de base” 66.

 

Ademais, esse período (década de 1980), fora seguido por diversos proble-mas de ordem política com repressão a qualquer manifestação popular. Após o golpe militar de 1964, entretanto, os movimentos sociais nascem exatamente como um meio de se buscar alternativas em busca de melhorias. Era, portanto, um momento de grandes mudanças e consciência da própria classe popular de que seria possível conseguir melhorias para suas vidas através de movimentos reivindicatórios.

 

2.3 A Participação da SAB e da Comunidade Católica do Bairro

 

Foi fundamental a participação da SAB para a comunidade do bairro PRCI como base de intermediação entre as reivindicações da população e os órgãos públicos. Através da SAB foram realizadas as reuniões com os moradores a fim de tratar assuntos concernentes aos interesses do bairro. A SAB é uma espécie de núcleo político que fortalece a democracia, porque os líderes teoricamente assumem o cargo através de votação da própria população do bairro, geralmente os grupos adversários locais são organizados em chapas, é feita a distribuição de panfletos, faixas e anúncios em carros de som para se divulgar os no-mes dos candidatos ao cargo de presidente da SAB, onde os candidatos mais votados na maio-ria das vezes, trabalham em prol do bairro e de certa forma alcançam alguma força política junto aos órgãos públicos e acabam presidindo a SAB, organizando diversos trabalhos para um fim comum, que são benefícios para o bairro.

 

Assim como a comunidade católica através dos seus líderes locais tem esse papel fundamental de não apenas catequizar, mas, também estimular as pessoas a lutarem em

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66 Idem, Ibidem, p. 13.

busca de benefícios públicos através de movimentos populares, a SAB torna-se uma forma laica 67 de reunir as pessoas com um pensamento comum que a busca por benefícios para o bairro. Mas, é necessário se fazer uma análise mais minuciosa da SAB no seu contexto histórico na formação do bairro, porque a SAB do bairro PRCI foi de suma importância para a mobilização da população do PRCI, porque era o local onde se discutia acerca dos principais problemas enfrentados pelos moradores.

 

Por outro lado, podem ocorrer mudanças na característica de uma SAB que mobiliza a população para um bem comum, para uma SAB “pelega” 68 que depois se alia com políticos e grande parte dos interesses locais passa a “girar” em torno da promoção de políticos. Alguns líderes de SAB também mudam de propósito quando adquirem certa importância no meio político, mas, nem por isso se pode generalizar e afirmar que todas as SAB trabalham com o propósito de beneficiar políticos.

 

Ao contrário da opinião dos entrevistados do livro A Vez e a Voz do Popular de Ana Maria Doimo 69, algumas SABs tiveram sim, um papel fundamental para os movi-mentos sociais, como foi o caso da SAB do PRCI, é óbvio que devemos contextualizar com o momento de atuação da mesma e não podemos generalizar e afirmar que todas as SABs são “pelegas”, porque fatos históricos não podem comprometer e generalizar a todos. Vejamos primeiramente às opiniões dos entrevistados de Ana Maria Doimo:

 

O movimento popular nasce das necessidades da população e consiste

em atitudes que aos poucos vão mudando a sociedade” 70.

 

As SABs não se envolvem com a população e aceitam passivamente o

que o poder público determina; o movimento popular chama a popula-

ção, discute, propõem alterações e mesmo que consiga o que a SAB

consiga, faz a população se sentir dona do que conquistou” 71.

 

“As SABs são mais formais, pelegas, cooptadas pelo poder público e

não se mobilizam; o movimento popular promove o embate direto com

o governo” 72.

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67 Tudo aquilo que não está na esfera religiosa.

68 Expressão que designa pessoa ou uma instituição que se acomoda facilmente sem resistência.

69 DOIMO, Ana Maria. A Vez e Voz do Popular: Movimentos Sociais e a Participação Política no Brasil pós-70. RJ: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995, p. 181.

70 Idem, ibidem.

71 Idem, ibidem.

72 Idem, ibidem.

“As SABs são muito pelegas e não há possibilidade de se trabalhar

com elas” 73.

 

Agora vejamos como a SAB foi importante para o bairro PRCI, através da análise das opiniões dos entrevistados do bairro PRCI, que participaram dos movimentos sociais em busca de melhoramentos para o bairro.

 

“Fizemos várias manifestações, junto com a Igreja Católica, junto com

a Associação dos Moradores, a gente considerava na época a popula-

ção mais próxima da gente” 74.

 

“o povo do Cocaia era muito unido, o povo participava, por isso que

conseguiu os benefícios. A Associação Amigos de Bairro tinha o apoio

da população, a prova disso é o Jd. Lucélia, Jd. Eliana que são bairros

mais velhos que o Cocaia e que não tiveram o apoio da população e

progrediram pouco” 75.

 

“Reunimos quatro famílias para formar uma comunidade católica, e

formação da Sociedade Amigos de Bairro, para fazer pedidos de recur-

sos na prefeitura” 76.

 

Nesse processo e contexto histórico, que foi a formação, urbanização e busca por recursos de infra-estrutura para o bairro PRCI, tanto a Igreja Católica quanto a SAB, foram imprescindíveis, a população que freqüentava a Igreja praticamente era a mesma que se mobilizava junto a SAB, a Igreja Católica no aspecto religioso e no estímulo a cidadania e a SAB nas decisões e nos conselhos que se reuniam, cooperaram mutuamente para o desenvol-vimento do PRCI. No processo dos movimentos sociais no PRCI, a participação da Igreja Católica foi importante e fundamental, a comunidade católica serviu também como base de encontros para discutir os problemas em que os moradores estavam enfrentando.

 

É de se considerar que muitas pessoas que auxiliavam as lideranças dessas bases não eram pessoas de formação eclesiástica acadêmica, mas, sim, moradores do próprio bairro como destacou o Sr. Jamiro, “(...) assim começou os movimentos no bairro pela Igreja Católica, reunindo moradores, juntamente com o Pd. Carlos e Nelson seminarista, a minha família e a família do Sr. Francisco, começamos o movimento por benefícios no bairro”.

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73 Idem, ibidem.

74 Entrevista na íntegra em anexo de nº. 01, realizada em 25 de Março de 2006.

75 Entrevista na íntegra em anexo de nº. 04, realizada em 25 de Março de 2006.

76 Entrevista na íntegra em anexo de nº. 07, realizada em 02 de Abril de 2006.

Quando analisamos o trabalho, a origem e o desenvolvimento da CEBs 77 (Comunidades Eclesiais de Base), percebemos que as pessoas que freqüentavam a comunida-de católica para tratar dos assuntos concernentes aos problemas do bairro não foram somente por questões de caráter religioso, mas, sim questões sociais e políticas, que se tornou de suma importância como base de auxílio a muitas comunidades, como o PRCI.

 

“Nos últimos anos, o controle direto pelo aparelho repressivo do Esta-

do de todos os espaços de articulação da sociedade civil, exceto a Igre-

ja, permitiu que, à sombra desta, se desenvolvesse em muitas regiões do

país um intenso trabalho pastoral, eminente popular, capaz de desper-

tar nos fiéis a dimensão social e política da fé cristã (...) propiciar um

conhecimento mais crítico e aprofundado da realidade social tornou-se

condição da evangelização” 78.

 

É preciso ressaltar que não foi um trabalho da Instituição Católica e nem por iniciativa do Vaticano que promoveram diretamente este trabalho de base comunitária (de caráter político e social) preocupada com as questões políticas, econômicas e sociais ligada às necessidades dos povos mais carentes e oprimidos, mas, sim, alguns setores da própria Igreja, como o movimento da Teologia da Libertação 79 que ganhou um campo de ação na América Latina, e também aqui no Brasil, atuando em bairros periféricos por melhorias para a vida da classe mais carente, tendo como pano de fundo o exemplo do evangelho, de ajudar os mais pobres, e que se resulta nesses trabalhos de base como destaca o documento de Medelín 80.

 

“A reunião de Medelín, na Colômbia, canonizaria essas tendências.

Os documentos do II Encontro do Episcopado Latino Americano (CE-

LAM), reunindo naquela cidade em 1968, documentos emitidos em ca-

ráter oficial, definem duas linhas básicas de ação que se transformaria

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77 Segundo Frei Beto, as CEBs são pequenos grupos organizados em torno da paróquia (urbana) ou da capela (rural), por iniciativa de leigos, padres ou bispos, de natureza religiosa e caráter pastoral. Nas paróquias de periferia, as comunidades podem estar distribuídas em pequenos grupos ou formar um único “grupão” a que se dá o nome de comunidade eclesial de base. São comunidades, porque reúnem pessoas que têm a mesma fé, pertencem à mesma Igreja e moram na mesma região, sendo motivadas pela fé, vivendo em comum-união em torno de seus problemas de sobrevivência, de moradia, de lutas por melhores condições de vida e de anseios e esperanças libertadoras. São eclesiais, porque congregadas na Igreja, como núcleos básicos de comunidade de fé. São de base, porque integradas por pessoas que trabalham com as próprias mãos (classes populares): donas-de-casa, operários, subempregados, aposentados, jovens e empregados dos setores de serviços, na periferia urbana; na zona rural, assalariados agrícolas, posseiros, pequenos proprietários, arrendatários, peões e seus familiares.

78 BETO, Frei. O que é Comunidade Eclesial de Base. SP: Ed. Brasiliense, 1985. p. 87.

79 Segundo Francisco Catão, a Teologia da Libertação é a resposta a problemática pastoral da Igreja, especialmente colocada no contexto latino-americano, em que a luta pela libertação constitui uma exigência fundamental do Evangelho e uma antecipação do Reino de Deus e tem como tese fundamental a libertação dos oprimidos e consequentemente a salvação de Deus, uma libertação no sentido político, social, econômico e cultural.

80 Transcrição do documento sobre a reunião de Medelín na Colômbia do II Encontro do Episcopado Latino Americano (CELAM) em anexo.

no estandarte legitimador e referencial de novos grupos de cristãos: a

opção pelos pobres e as comunidades de base” 81.

 

Esse trabalho da Igreja Católica voltada para os oprimidos é a “utopia profética da Igreja-serviço junto ao povo de Deus”, que procura resgatar os princípios do Evangelho de Jesus, com isso, a Igreja está em sua essência realizando o que é prioridade, estender-se aos mais necessitados, como aponta Ana Maria Doimo:

 

“Na parábola do Grão de Mostarda, pela qual Jesus queria dar espe-

rança e confiança para o povo oprimido... mostrando que os fracos são

como esta semente pequenina. Mas elesserão a grande árvore (Região

Episcopal de São Miguel; 1982). Bem disse a sábia voz do MOM de

Campinas: muitas vezes, as articulações e raciocínios mais complexos

são elaborados com o auxílio de parábolas e citações bíblicas” 82.

 

Nessa perspectiva, a Teologia da Libertação teve bastante ênfase com relação às CEBs, dentro do contexto de transformação social no PRCI. Segundo Leonardo Boff 83 a Teologia da Libertação que está relacionada com a práxis. Essa práxis segundo Karl Marx, não é somente interpretar o mundo, mas, sim, transformá-lo, ou seja, não é o momento so-mente de pensar, mas, de agir, essa práxis é a teoria marxista de resolução de problemas sociais, posta em prática. A Teologia da Libertação é uma nova práxis social, ou seja, é por a teoria cristã em prática para uma conscientização social aos desvalidos, não está envolvida, somente com as questões morais, mas, principalmente com as questões sociais. Essa missão tem haver com os princípios do evangelho de estender as mãos aos pobres.

 

Sobre a importância da Igreja Católica como base política para as manifesta-ções populares no PRCI, o Sr. Francisco Costa comenta: “fizemos várias manifestações junto com a Igreja Católica, junto com a Associação dos Moradores, a gente considerava na época a população mais próxima da gente”. Nas palavras do Sr. Francisco Costa permite-nos compre-ender como base política a Igreja Católica serviu a toda a população, de modo que ali se diluía as diferenças e todos em comum estavam lutando para um mesmo fim, um mesmo objetivo, buscar melhorias, recursos vitais, para a população do bairro PRCI.

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81 CAMARGO, Procópio F. de; SOUZA, Beatriz M. de; PIERUCCI, Antônio F. de Oliveira. Comunidades Eclesiais de Base. In: SINGER, Paul; BRANT, Vinícius C. (Orgs.) São Paulo: O Povo em Movimento. SP: Vozes, 1983, p. 66.

82 DOIMO, idem, p. 139.

83 Ex-frade da Igreja Católica, grande opositor dos papas João Paulo II e Bento XVI, foi punido com silêncio obsequioso pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, após defender a Teologia da Libertação com idéias contrária à doutrina católica, quando então, era prefeito o cardeal Joseph Ratzinger (atual papa).

Ao fazermos uma análise com base na obra de Ana Maria Doimo citada ante-riormente sobre a chamada “Igreja Popular” 84, é possível se compreender em que contexto histórico os movimentos populares aconteceram e como as comunidades eclesiais de base aju- daram a promover as manifestações populares.

 

“No plano das organizações por local de moradia, o papel da Igreja foi

central e direto. As comunidades de base da periferia da cidade estive-

ram sem dúvida entre as mais importantes matrizes da organização po-

pular. Como instituições propriamente eclesiais, elas puderam valer-se

não apenas da defesa de sua liberdade de atuação por parte da hierar-

quia – de resto propiciada também a outros movimentos, inclusive não-

confessionais – mas, também da estrutura da Igreja, tanto em aspectos

organizados como materiais” 85.

 

Situando a comunidade católica no período em que fizemos a análise do trabalho da comunidade católica no bairro PRCI, e que esse período se deu quando no contexto das grandes manifestações sociais onde estavam envolvidas as idéias da Teologia da Libertação atuando em vários setores aqui em São Paulo, inclusive como base nas comunidades auxiliando, articulando movimentos com a população em busca de melhorias para a classe carente. Assim é que aconteceu também no bairro PRCI, a comunidade católica com idéias libertarias em busca da justiça e da igualdade social colaborou efetivamente para as manifestações sociais no PRCI.

 

2.4 Os Primeiros Benefícios Públicos adquiridos pela População do PRCI

 

A Persistência da população na luta frente aos órgãos públicos culminou em conquistas de benefícios adquiridos para o bairro. Depois de muitos embates e movimentos em frente ao Palácio do Governo, nas subprefeituras e após muitas tentativas, chegou, portanto, o momento das conquistas. É óbvio que foi muito desgastante para os moradores do PRCI, pois, quantas vezes estes não foram atendidos, parecia mesmo que o “eco” de suas vozes não chegava aos ouvidos das autoridades que governavam na época, parecia que ninguém se sensibilizava em favor dos moradores daquele lugar, mas, a “provocação”, o contínuo movimento da população favoreceu as maiores conquistas que um bairro em situação tão precária poderia ter. O termo provocação diz respeito à insistência de uma popu-

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84 Segundo Ana Maria Doimo, essa expressão refere-se a participação mais direta da Igreja Católica, nas Comunidades Eclesiais de Base, através de ações sociais como cursos de alfabetização e outras práticas.

85 BRANT, idem, p. 14-15.

lação que não queria nada mais do que justiça e igualdade como cidadãos dignos de usufruírem benefícios públicos que lhes são de direito.

 

No depoimento do Sr. Costa, ele comenta sobre uma das primeiras conquis-tas de benefícios públicos já em meados de 1985, ou seja, cinco anos aproximadamente após a vendagem dos terrenos. “Quando Jânio Quadros chegou ao bairro, percebendo que não tinha iluminação pública, “puxávamos gambiarras” os famosos “gatos”, lá de cima, para se ter luz em casa, e Jânio Quadros vendo o estado que estava o bairro, toma medidas para asfaltamento das ruas e construção de posto de saúde pro bairro”.

 

Uma das primeiras conquistas de benefícios públicos para o bairro, foi uma linha de ônibus e também a luz elétrica, como aponta o Sr. Jamiro, “a primeira conquista foi uma linha de ônibus, que vinha do Jd. Eliana nos “horários de pico”, o segundo benefício foi a luz elétrica quando entrou a “posteação” nas casas”.

 

Para o Sr. Cláudio Cânon, a regularização da SAB em 21 de Abril de 1983, favoreceu a deu amparo à população que lutando conseguiu o benefício de iluminação pública em alguns pontos do bairro quando o prefeito era o Sr. Mário Covas 86, e sobre o esforço da população para alcançar esses melhoramentos no bairro, o Sr. Cláudio Cânon comenta: “(...) o primeiro benefício foi a regularização da rua (cascalhamento da rua), o segundo benefício foi a iluminação pública com a visita do prefeito Mario Covas, foi uma grande vitória da população”.

 

Para cada morador uma conquista de um determinado benefício público sempre estará mais marcante na sua memória e cada morador destacou o que lhe parecia ser mais prioritário naquele momento, que atendesse as suas necessidades, mas, é importante destacar a luta desses moradores para mais tarde poderem usufruir de muitos benefícios que foram conquistados através das mobilizações efetuadas por eles.

 

O processo de melhoramento do bairro PRCI foi muito lento, quando visto sob uma perspectiva das necessidades prioritárias para a vida, como exemplo a demora da chegada da água encanada para o bairro. Por muitos anos a população do PRCI teve que con-

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86 O político Mário Covas foi prefeito do município de São Paulo de 1981 a 1984.

viver com o problema de água, carregando água em baldes, latas, que buscavam em minas ou em poços de vizinhos, onde havia certa “abundância” de água, porque em alguns lugares os poços eram muito profundos, como destacou o Sr. Francisco de Paula, “em 1982 foi feito o pedido da água, que só chegou em 1985, à luz deu menos trabalho, primeiro só nas casas (...) o bairro foi crescendo até chegar o asfalto”.

 

Nos depoimentos dos moradores, podemos perceber que foram pessoas que estavam dispostas na busca por soluções para os problemas do bairro e deixar para os habitan-tes vindouros não somente a memória no processo de urbanização e melhorias e geral para o

bairro, mas, também, uma lição de vida de que surgindo problemas posteriores no bairro, a união da população torna-se representativa na busca por soluções para o problema.

 

No processo dos movimentos sociais no PRCI, houve a necessidade de se buscar alternativas para que se pudesse conscientizar a população para se mobilizar. É sabido que se não houver comunicação não há como se conscientizar. As condições financeiras daquela população eram desfavoráveis e, portanto, sem condições de utilizarem uma comunicação rápida e eficaz.

 

Como conseguir mobilizar a população? Como convocá-los para as reuniões ordinárias e extraordinárias em tempos difíceis? quando os recursos parecem extinguir-se, eis que surgem alternativas e, foi isso que fizeram os moradores do bairro PRCI, que tomados pela inquietação não mediam esforços para conscientizar os moradores do bairro. Uma das formas de comunicação na época era o chamado “boca a boca”, as pessoas batiam nas portas umas das outras e iam formando grupos e na hora marcada lá estavam eles para discutir os problemas e se organizarem para fazerem as manifestações, às vezes se marcava reuniões na comunidade católica e outras vezes na SAB.

 

Para essa mobilização outro recurso utilizado para a comunicação era a panfletagem, os que militavam com mais freqüência saiam às ruas, de casa em casa distribuindo os panfletos que marcavam o horário dos encontros para se discutir os problemas e também quando havia algum “show” de manifestação com a presença de algum político que estaria presente para assistir e acompanhar as necessidades daquela população.

 

Com o passar dos anos e com o aumento da população, já se conseguia alguns carros de som de sindicatos, ou algum carro com auto-falantes para comunicar os moradores sobre as assembléias, convocando-os a participarem e assim com a unidade da população buscar melhorias para o bairro, como destaca Luiz E. Wanderley:

 

“No mundo globalizado onde os meios de comunicação são sofistica-

dos e se apresentam como condicionantes da vida dos povos contempo-

râneos(...)  o poder das comunicações está concentrado na mão de pou-

cos, o que tem trazido resultados perversos para uma efetiva democra-

tização” 87.

 

Nas manifestações populares ocorridas do PRCI havia músicas, faixas com as reivindicações, apresentação de grupo de samba, de dança. Enfim, até no momento em que se buscam melhorias, a cultura do povo está também enraizada de forma que ela também faz parte da vida dos que estão engajados nas lutas reivindicando melhorias para a população local. Nesse aspecto cultural nas manifestações populares ocorridas no bairro PRCI, podemos destacar a participação do Sr. João Colméia, conhecido popularmente como “Tio Jones” 88. O Sr. João Colméia convidava alguns grupos de samba para se apresentarem nas manifestações populares e também em outras festividades do bairro PRCI na década de 1980, que propicia-vam uma participação maior da população local e não havia simplesmente uma “baderna” como geralmente afirma a imprensa.

 

Para confirmar os nomes das pessoas que participaram do movimentos popu-lares no PRCI tendo como base a Igreja Católica, conferimos no documento da SAB, onde registra que: “no ano de 1984, surge o loteamento do recanto do Cocaia, neste mesmo ano é fundada a comunidade católica (fundadores Jovandira, Jô, Sr. Jamiro, Sr. Francisco, D. Eunice, D. Maria das Virgens e outros)”. Ainda sim, o Sr. Jamiro em seu depoimento menciona alguns nomes que não foram registrados no documento da SAB:

 

“A comunidade católica começou pela minha família e pela família do

Sr. Francisco, e a partir daí entraram outras pessoas, aqueles que eu

não falar aqui, vão ficar na memória, Francisco, Salomé, o Paulo da

 

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87 WANDERLEY, Luiz E. In: PERUZZO, Cicília M. Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares. 2.ª Ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, p. 11.

88 O Sr. João Colméia (in memorian) era o organizador da parte cultural das manifestações populares no bairro PRCI na década de 1980.

 

feira, e o Paulo que morava de frente a Jovandira, o José da Lourdes, a

própria Lourdes, a Maria das Virgens, o seu Ezequiel, a Maria do seu

Ezequiel”.

 

É por essa razão, das contradições desse sistema capitalista é que os moradores do PRCI tiveram que buscar alternativas, por não possuírem grandes recursos como os aparelhos de comunicação que está na mão de poucos. Nota-se que as manifestações populares que ocorreram no bairro PRCI, foram resultados históricos de muitas manifestações nesse período (década de 1980) de caráter reivindicatório que ampliaram o uso do direito de cidadania, da luta em prol da vida e justiça social.