Vou falar sobre a estratégica da inimizade. Estava assistindo o noticiário, e deparei-me com as brigas no Senado Federal e na Câmera dos Deputados. Se bem compreendi, há neles um valor em ter inimigos: dito brevemente, em proceder e extrair vantagens com o partido oposto. Em política, quis-se sempre a aniquilação dos inimigos. Antigamente, mandava-os à forca; mas, na modernidade, agora há uma vantagem em que os inimigos subsistam. No âmbito político, a inimizade se tornou mais do que uma estratégia: quase todos os partidos se dão conta de que, para a sua própria autoconservação, lhes interessa que o partido oposto não perca forças. O exemplo disso são as discórdias de fachadas do PT com os partidos minoritários.

Especialmente, por exemplo, no Senado Federal, tem-se uma maior necessidade de inimigos que de amigos: só na antítese sobrevivem Renan Calheiros (PMDB) e Randolfe Rodrigues (Psol), só na antítese sobrevivem a direita e a esquerda. Aqui, os políticos têm compreendido o seu valor. Eles sobrevivem pelo preço de serem ricos em contradições; só se permanece no poder na condição de que a alma não se relaxe, não deseje a honra, mas o jogo...

A aspiração à honra, à aspiração cristã, não lhes causa inveja alguma. Ao contrário: só se sentem bem com a moral ruminante e a sebosidade da consciência culpada.

Renuncia-se à vida quando se renuncia à honra... No entanto, para este século, desde logo, a honra não é mais do que um mal-entendido. A honra tornou-se sinônimo de um arremedo de moralidade, ou de religiosidade descompromissada, como se o homem íntegro não tivesse qualquer utilidade.

As discórdias de fachadas dos partidos refletem a permanência da mentira, a primeira sombra que traz a escuridão, qualquer espécie de escuridão. Um sinal de que o ar está podre. Este ar podre se chama pragmatismo, e ele fede. É a agitação do maquinador, para o qual todas as coisas têm um sabor e que está à espera. É a conjuntura que se segue a uma intensa satisfação da paixão dominante, o sentimento de bem estar próprio de uma saciedade rara. A debilidade psicopática da vontade, dos apetites e dos vícios mais primitivos. A esperteza, persuadida pela ganância, a ataviar-se com adornos parlamentares. O advento de uma certeza, mesmo de uma certeza terrível, após uma tensão e tortura prolongadas devidas à incerteza. A expressão da maquinação e a maestria na oratória, a respiração ofegante, a alcançada sensação de domínio... Honra? Não. Unicamente uma espécie de exacerbação do “Eu”.

Vou reduzir o Senado Federal a um princípio. Todo o naturalismo em política, quero dizer, toda a política insana está regida por um instinto da vida: o de sobrevivência. A lei do mais forte. Uma coisa diferente no caminho significa o aniquilamento. A política natural, ou seja, quase toda a política, até agora ensinada, venerada e pregada, dirige-se, assim, precisamente contra as leis de Deus – ela condena Deus, por vezes encoberta, por vezes ruidosa e insolente. Ela é uma grande inimiga do cristianismo.

Ao criarem inimigos de fachadas, os parlamentares dizem sim aos sentimentos mais baixos e mais mesquinhos da vida e consideram Deus inimigo da vida...

O macaco de Darwin para quem o Senado Federal tem o seu ídolo é o ideal evoluído. Lembro-me que uma vez Nietzsche disse em seu livro (O Crepúsculo dos Ídolos) que “A vida acaba onde começa o reino de Deus”... Mas, é por que Nietzsche não viveu até 2013. A vida acaba onde começa o reino de Darwin.