Desde que Antoine Louiz Claude Destutt De Tracy criou o termo ideologia para se referir ao estudo das ideias, ele veio adquirindo novos significados até se consolidar, momentaneamente, nas definições marxista e fascista conhecidas atualmente.

         Marx conferiu ao termo uma conotação negativa em razão do momento histórico no qual estava inserido o que não deixou de ser uma atitude eficiente para aquela época, pois possibilitou a verbalização dos sentimentos e anseios coletivos então vigentes e com isso produziu a motivação necessária à ação voltada para um propósito comum. Sem a concepção que divide a sociedade entre “nós e eles” ou entre “os enganadores e os enganados”, o sentimento de resignação da maioria não se converteria em ressentimento, raiva e ódio capazes de desencadear a ação necessária a uma revolução social. Portanto, Marx foi mais um psicólogo de massas do que um filósofo.

         Entretanto, se para ele o termo ideologia só tinha uma conotação negativa por ser entendido como uma proposta secular para se manter a dominância, em contrapartida, admitindo-se ou não, o pretenso esclarecimento dos proletários resultou na criação da ideologia dos dominados. Talvez essa tenha sido a melhor alternativa naquele período o que não significa que a mesma possa se dar nos tempos atuais.

       Com relação à ideologia fascista, vemos que ela usa os mesmos métodos de persuasão da ideologia marxista porque também tem a proposta de converter o sentimento passivo de resignação e frustração da população em sentimento ativo de raiva, ressentimento, ódio e orgulho. Contudo difere, significativamente, por ser uma ideologia que não se baseia na fomentação da ideia de “divisão de classes” como o marxismo mas, sim, na fomentação da ideia de “povo excluído e prejudicado pelos acordos internacionais estabelecidos pelos vencedores da primeira guerra mundial”. Como consequência, o fascismo não é contrário à propriedade privada mesmo que advogue, tal qual o marxismo, a forte presença do Estado. Além disso grande parte das ideias presentes no fascismo provêm da ideologia darwinista mais conhecida como darwinismo social a qual também serviu de suporte à continuidade das ações imperialistas – praticadas há séculos – porque supostamente apresentava um fundamento científico. Assim, o ato de invadir, pilhar, conquistar, estuprar, destruir culturas, subjugar povos e raças, tão corriqueiro na história, passou a ser visto de uma forma mais aceitável por ser entendido como uma consequência inevitável da lei “cientificamente comprovada” da seleção natural que impõe a sobrevivência “dos mais aptos e fortes” e o perecimento e capitulação “dos menos aptos e fracos”. Mussolini ao invadir a Abissínia, atual Etiópia, não pretendia outra coisa a não ser se apossar do quinhão de negros, classificados como uma raça inferior, que o povo italiano teria direito por se considerar parte da “elite de raças e povos superiores e mais aptos”. Quer se admita ou não, a ideologia darwinista esteve e está presente na base de todas as ideologias fascistas seja na Itália, Alemanha, Espanha de Franco, etc.

         Marx ao perceber que a estratégia de embasamento “científico” estava surtindo efeito para o imperialismo, entendeu que também havia a necessidade de dar um embasamento “científico” ao socialismo que até então era considerado utópico. No entanto, não recorreu à ideologia darwinista por ser incompatível com os seus ideais de igualdade social. Em sua correspondência com Engels ambos fazem duras críticas ao darwinismo das quais se destaca a conclusão de que Darwin interpretou a natureza conforme a sociedade de sua época e depois restituiu esta interpretação à sociedade o que convinha aos interesses imperialistas não compartilhados por eles.

          Ao que tudo indica, muitos dos princípios ideológicos que inspiraram o anarquismo, o socialismo e o marxismo já estavam presentes nas doutrinas cristãs primitivas. Vemos, por exemplo, no Novo Testamento em Mateus 19.21: “Disse-lhe Jesus – se queres ser perfeito vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu, depois vem e segue-me”. A seguir encontramos também em Mateus 19.23,29: “Então disse Jesus a seus discípulos – Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus”. “E todo aquele que tiver deixado casas ou irmãos ou pai ou mãe ou mulher, ou filhos ou campos por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna”. Em Atos 2.44,45 é descrito o modo de viver dos convertidos e que hoje seria considerado como o de uma pequena comunidade comunista: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum”. “Vendiam as suas propriedades e bens distribuindo o produto entre todos à medida que alguém tinha necessidade”. Clemente de Alexandria que foi um dos primeiros padres do cristianismo também defendeu a divisão das riquezas entre os homens com a condição de que fosse feita por vontade própria.

         Voltando ao aspecto “científico” do socialismo de Marx, verificamos que ele parte de uma análise dos acontecimentos históricos para chegar à conclusão de que toda história da sociedade, até aquele momento, se resumia na luta de classes tendo por um lado os opressores e do outro os oprimidos ou então – quando se trata de questões laborais – por um lado os exploradores e do outro os explorados.

         Segundo Marx, para manter essa configuração dualista os opressores que também são os detentores do poder e da infraestrutura econômica estabelecem e institucionalizam as ideias jurídicas, políticas, artísticas, morais, filosóficas, religiosas, etc. que irão influenciar e convencer os oprimidos a aceitar a sua condição social sem revolta ou resistência. Portanto tais ideias ou superestrutura conforme ele denominou seriam instrumentos de alienação e o trabalho o instrumento mais efetivo de todos porque mantem o operário num estado de transe e de necessidade constante devido à baixa remuneração.  Para sustentar  esse  argumento ele criou a teoria da mais-valia que é o produto do trabalho do operário não pago pelo capitalista mais conhecido como lucro. Na concepção de Marx se um operário trabalha oito horas, isso significa que em quatro horas ele foi capaz de criar os produtos suficientes para pagar o seu salário. Assim, nas quatro horas restantes ele cria os produtos que o capitalista não paga e é o que ele chama de mais-valia. A mais-valia, entretanto, não é consumida pelo capitalista e sim reinvestida para que ele possa melhorar a produtividade e continuar no negócio. Porém, essa melhora da produtividade, geralmente, é alcançada através da substituição dos operários por máquinas o que aumenta a mais-valia e o acúmulo de capital fazendo com que a riqueza também fique concentrada nas mãos de um menor número de capitalistas que sobrevivem à concorrência. Desta forma cresceria a miséria o que tornaria inevitável a revolução do proletariado.

         Marx não dá esclarecimentos sobre como a ditadura do proletariado, cuja finalidade é a de concentrar todos os meios de produção e propriedades nas mãos do Estado, dará origem à sociedade comunista sem classes sociais, sem divisão do trabalho, sem alienação e acima de tudo sem Estado. Também não esclarece como é que as pessoas – cientes, através da experiência interativa, da sua condição inata de desigualdade física, emocional, intelectual, motivacional, etc. – serão convencidas, sem o uso da força e da violência, a se manterem em um estado de igualdade ilusória. O que Marx não entendeu ou talvez tenha entendido tardiamente já que fala pouco sobre o comunismo, é que a desigualdade entre os homens existiu, existe e existirá sempre por ser uma regra natural. O erro está na enormidade que é dada à desigualdade no estado social a qual está muito acima dos determinismos naturais de desigualdade presentes na nossa espécie. Em vez de propor um estado de igualdade que vai contra a nossa natureza, ele deveria ter proposto um estado de desigualdade social com base nos parâmetros de desigualdade natural presentes em nossa espécie. [...]