Para uma filosofia da educação infantil (1)

Pode parecer uma só questão, mas a quando falamos em educação infantil, estamos diante de três dimensões de uma realidade complexa: inicialmente é a própria questão da educação que entra na discussão, visto ser este um conceito amplo e polissêmico; em segundo lugar está a problemática em relação ao infantil e suas implicações e, por fim, como questão central, a educação infantil, como ora se apresenta em nossa legislação ao lado de indagações sobre ser esse o melhor caminho para o cuidado com nossas crianças.

O conceito educação é controverso, pois pode referir-se a realidades distintas. Existem aqueles que afirmam ser a educação uma realidade vinculada aos valores que os pais transmitem aos filhos os quais formam o caráter da pessoa. Outros afirmam que podemos falar em educação em sentido amplo, envolvendo todo processo de formação incluindo aí o ambiente escolar. Também se fala, em sentido mais específico, referindo-se ao sistema escolar como um sistema educacional.

Evidentemente não há consenso. Caso houvesse não existiriam compreensões diversas. Então, quando se pretende falar a respeito de educação o primeiro passo é esclarecer como se está entendendo o conceito. O que se quer dizer quando se fala em educação?

Não vamos nos alongar na discussão a respeito de um conceito de educação. Vamos partir de um lugar comum, afirmando que a educação é um processo que se inicia quando os pais direcionam os primeiros passos da criança. E isso ocorre desde os primeiros meses de vida. Ao estabelecer os horários para mamar, para dormir; ao acariciar a criança ou quando lhe ensinam a melhor forma de se relacionar com os outros, os pais a estão educando; da mesma forma que as eventuais broncas e palmadas em represália às peraltices fazem parte de um processo educacional que os pais oferecem aos filhos.

Dessa forma podemos dizer que toda vez em que dizem o que pode e o que não pode, os pais estão educando a criança; da mesma forma que a educam ao dizer quando pode e quando não pode fazer algo. Também entra nesse processo o estabelecimento de prioridades e a definição de certo e errado. Todos esses, e inúmeros outros, passos fazem parte do processo educativos e cabem, de forma intransferível, aos pais. Mas os pais também educam seus filhos quando não lhes indicam os rumos do certo/errado ou pode/não pode.

Deixar de orientar em relação aos valores estabelecidos pela sociedade é uma forma de orientar para outros valores. Mesmo que essa orientação não seja explicita. Deixar de educar numa direção é oferecer um processo educativo em outra direção!

É verdade que a sociedade cria as normas, mas são as família quem as transmitem às crianças. A criança que aprende em casa a distinguir o certo e do errado; que desde cedo aprende quando pode e quando não pode fazer algo; que realiza aquilo que é estabelecido como permitido e evita o que lhe é vedado, com certeza será uma criança, um jovem e um adulto com melhores condições de inserção na sociedade, pois a sociedade somente subsiste porque se fundamenta e sobrevive executando aos padrões estabelecidos.

Com isso estamos dizendo que a educação, processo vinculado à formação do caráter, tem a ver com os padrões éticos que a sociedade estabelece. Educação e comportamentos morais, portanto, são duas faces de uma só moeda.

Com base nisso observemos o ambiente escolar. Analisando esse ambiente percebemos que a grande maioria dos problemas de indisciplina ocorrem envolvendo estudantes oriundos de famílias onde ocorrem problemas de desajuste (o desajuste em questão independe da classe social ou padrão econômico). Quando os pais deixam de transmitir aos filhos os valores socialmente aceitos a criança agirá a partir de valores diversos daqueles que são esperados na sociedade e no ambiente escolar. Uma criança que não apendeu os valores de respeito e desconhece limites não se encaixa nos valores e limites necessários à vida escolar. Consequentemente essa criança será um estudante indisciplinado.

(Pode-se tomar como exemplo disso uma criança que sempre consegue o que quer a partir de birras e choros etc. Essa criança crescerá – está sendo educada – acreditando que todos devem se curvar à sua vontade....)

Uma criança nessas condições, do modo geral, é vista como “mal educada” ou “sem educação”. Na realidade ela é “mal educada” ou “sem educação” em relação aos valores admitidos naquela sociedade. Entretanto ela foi bem educada pelos seus familiares para produzir comportamentos diversos daqueles que são comuns a todos os integrantes da sociedade em questão. A deformação do caráter em relação aos valores socialmente aceitos é uma formação do caráter com valores opostos o divergentes daqueles padronizados pela sociedade em questão. Isso porque toda pessoa sempre age a partir de valores. Os valores que norteiam os comportamentos dessa pessoa são expressão da educação absorvida por ela.

Com isso não se está querendo negar as inovações ou que a criança deva se comportar como um cordeirinho caminhando para o matadouro. É necessário e salutar o dinamismo infantil. O que não se adéqua ao processo de ensino aprendizagem é a algazarra, o desrespeito, o descompasso entre a proposta de estudo e o descompromisso com a aprendizagem.

Se, por um lado, é necessário que se estimule a vivacidade da criança, por outro lado é necessário que ela conheça o limite entre o seu dinamismo e o momento de ouvir com atenção uma explicação do professor, por exemplo. Caso a criança, estudante (ou mesmo um adulto) não se adéqua a esse padrão, precisa ser conduzida a ele. No caso em que se admite que os valores e comportamentos esperados realmente são válidos para aquela sociedade ou grupo social – a escola e o ambiente escolar, neste caso – aquele que cotidianamente se recusa a assumir esses comportamentos precisa ser responsabilizado pelos seus atos ou sofrer as consequências dele.

Cabe lembrar que essa atitude de saber ouvir para executar com dinamicidade não se aprende na escola, mas depende dos pressupostos colocados pela família. A escola pode e deve trabalhar a partir dessa condição: a capacidade e abertura do aprendiz em relação àquilo que a escola está se propondo a lhe ensinar. Caso não haja essa predisposição, não existe a condição básica para o início da aprendizagem. E se a criança não vai a escola para receber o que esta instituição tem para oferecer, não precisa ir a escola.

E se alguém quer aquilo que a escola tem a oferecer tem que ser a partir dos critérios da escola e não da vontade pessoal de cada criança ou de cada um de seus pais. Para que a escola possa executar seu papel a criança/estudante precisa chegar a ela com capacidade de receber e disponibilidade em acatar o que se lhe oferece. E essa capacidade tem a ver com o caráter formado pela família, pois não há tempo nem espaço na escola para formar o caráter, preparar a disposição para aprender e transmitir os ensinamentos sistematizados relacionados às diversas áreas do conhecimento.

Por tudo isso é que a escola vem depois da família no processo de formação das novas gerações. Inclusive a legislação assim preceitua, ao dizer que a educação é dever fundamental da família cabendo à escola um papel apenas complementar, visto que seu papel é o ensino.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO