*Eduardo Fabbri

Se alguém ainda mantinha certa desconfiança, a escolha de Sérgio Moro como ministro da justiça não deixa mais dúvidas: a aspiração à carreira política que o ex-juiz mantinha ficou escancarada e a perseguição ao ex-presidente Lula, por representar o maior obstáculo para que ele atingisse seus objetivos, desmascarada.

Agora podemos enxergar com nitidez o jogo traçado por Moro no tabuleiro de xadrez que disputava como o PT: primeiro movia as peças em direção ao PSDB, depois, vendo que o aliado havia sido aniquilado, não viu outra saída, a não ser aliar-se ao minúsculo PSL. Assim, agindo em conluio com Bolsonaro, num escândalo sem precedentes, costurou o acordo para ocupar o cargo de ministro, mesmo ainda durante a campanha eleitoral. Prova disso, foi a divulgação, destemida e suspeita, de trechos da gravação da delação de Palocci, caso já arquivado pela justiça a poucos dias do pleito.

Bem diferente da mídia nacional, que correu para bajular o presidente eleito e o futuro ministro, a escolha do juiz escandalizou a imprensa internacional, que logo lançou as manchetes mais contundentes diante da tamanha falta de vergonha dos dois protagonistas da farsa política. O britânico The Times foi o mais contundente: “Jair Bolsonaro promises senior job to judge who jailed his rival”, que traduzido do inglês, noticiou para o mundo, sem meias palavras: “Bolsonaro promete alto cargo para juiz que prendeu seu rival”.

Mesmo antes de dizer sim a Bolsonaro, os vazamentos nos jornais, por diversos interlocutores do próprio judiciário, deixavam cada mais claros os instrumentos de manipulação das sentenças e a diferença entre as delações forçadas e as provas concretas. Órgãos respeitados do mundo inteiro, colunistas ilustres, juristas renomados europeus e norte-americanos, mostravam e demonstravam os limites estreitos da opinião pessoal do juiz e dos fatos concretos apresentados no processo que condenou Lula, desmascarando o jogo de cena dos tribunais de exceção da Lava Jato. Não é à toa que a frase “não temos provas, mas temos convicções”, proferidas despudoradamente pelos procuradores da Lava-Jato, tornou-se famosa e tão emblemática.

Porém agora, com a nomeação de Moro tudo se esclareceu, como se uma foto tivesse sido revelada com nitidez em alta definição, principalmente para a ONU, que certamente não deixará de dar seu parecer favorável ao ex-presidente. Diante dos novos fatos, as declarações de Moro, ao tentar disfarçar e convencer a opinião pública internacional de que agiu com imparcialidade, alegando que sua decisão fora amparada pelos juízes de segunda instância, tornam-no ainda mais ridículo, chegando a ser até infantil; pois é do conhecimento de todos que os juízes que corroboraram tal decisão são seus amigos pessoais, com os quais sempre manteve estreitos laços e afinidades desde a faculdade.

Nesta mesma coletiva de imprensa, Moro afirmou que Lula teria sido condenado por cometer crimes e não por perseguição politica. Porém, não esclareceu até hoje à opinião pública nacional e internacional o que significam os tais ‘atos de ofício indeterminados’, sem comprovar, na prática e com provas cabais, qual teria sido o ato ilegal que ele supostamente cometeu.  No entanto, seus inúmeros atos ilegais praticados contra o ex-presidente continuam ecoando pelo mundo, inclusive na ONU: condução coercitiva, grampo no escritório de advocacia e gravação ilegal e por tempo indeterminado de seus advogados, divulgação ilegal de conversas de familiares de Lula, de conversa com a então presidenta da República Dilma Rousseff, interferência ilegal para que autoridade policial não cumprisse Habeas Corpus determinado por juiz de instância superior, mais recentemente.

Citando Luís Nassif - “em um país em que os absurdos são renovados diariamente, embora esperada, a sentença de Sérgio Moro é indecente, humilhante. Sua declaração inoportuna, de que não sentiu ‘satisfação pessoal’ tem a mesma sinceridade de Jack, o Estripador, chorando em cima das vísceras da sua última vítima”, acrescento algo ainda mais grotesco e ridículo: a declaração de Bolsonaro que, com forte dose de ódio e desejo de vingança disse, em discurso por telefone celular, para os manifestantes reunidos na avenida Paulista: “Senhor Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia”.

A respeitada agência Reuters também demonstrou sua perplexidade e estampou em manchete: “Brazil's Bolsonaro names judge who jailed his rival as justice minister” (Presidente eleito do Brasil nomeia juiz que colocou seu rival na cadeia como ministro da justiça). Moro oversaw the “Operation Car Wash” probe that sent former President Luiz Inacio Lula da Silva to prison, blocking him from running against Bolsonaro (Moro supervisionou a “Operação Lava Jato” que mandou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a prisão, impedindo-o de concorrer contra Bolsonaro). A agência também ressalta que Moro contrariou suas declarações anteriores de que não tinha ambições políticas ao aceitar o cargo de ministro de um candidato de extrema-direita.

Foram todas estas “qualificações” e notório saber jurídico que levaram Bolsonaro a escolhê-lo ministro da “Justiça”. Só assim ele poderá tentar cumprir sua promessa de ‘varrer do país’ a oposição ou mandar prender quem não se submeta a ele.

*Eduardo Fabbri é jornalista e professor de língua portuguesa e literatura

É autor do livro “Zardólia, O Oitavo Continente”