PARA FALAR DE DIREITO DO CONSUMIDOR. É PERMITIDO VERBALIZAR ALGO?

...aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional fortalece a Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Quem não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mas será recuperado. (Konrad Hesse (citando Walter Burckhardt). Die Normative Kraft Der Verfassung)

Nesse momento, em que o consumo prossegue de forma desenfreada, "nunca antes na história desse país", consumir representou tanto, tanto no pessoal como no social.
Entretanto, sem querer adentrar nos prós e contras do consumo; seja quanto ao seu papel no aquecimento da economia, seja sobre o seu lugar na retomada do processo inflacionário; seja por colocar em xeque a capacidade de produção de indústria nacional, seja como reposta ao problema da geração de emprego; assuntos, todos, muito debatidos nos foros jornalísticos; ao revés, um silêncio impertinente quando ao tema Direito do Consumidor, percebe-se.
Postura essa, que afora os círculos próprios dos pesquisadores, exceção a ausência de comentários; quanto ao público em geral, injustificável, à vista do potencial destrutivo que se insere no ato de consumir.
A meu ver, pela razão exposta, um assunto que deveria ser mencionado mais vezes em nossas paragens, portanto. Aliás, experiência própria de quem já teve o desprazer de pagar por um serviço mal feito. De escutar desaforos por exigir um orçamento descriminado. De perder seu horário de almoço em filas de banco.
Além disso, parece que aqui ainda impera a falsa suposição de que falar de direito do consumidor é execrar os fornecedores, dedo em riste, exigindo-lhes todos os deveres e eximindo o consumidor de qualquer obrigação. Ao revés, trata-se do exercício da política da verdade, lealdade e bom-senso.
O fato é que aqui, segundo o que entendemos, ocorre o que por todo o tempo de minha pouca experiência consumerista (de época de minha vida em que trabalhei no Procon Municipal de Botucatu), sempre percebi um menosprezo às regras do Código de Defesa do Consumidor, pelas mais variadas estirpes sociais, a partir da má-fé (poucos), ignorância (muitos) ou pura má vontade (nós todos).
Era difícil, e confesso, até mesmo para mim (minha suposta sapiência na dogmática consumerista; não por vaidade, mas por dever de ofício, humildemente justifico ao amigo leitor), compreender a fundamentalidade de uma vitrine apresentar preços nos produtos postos à venda. Instigava-me perquirir a razão de fundo, a se justificar a não cobrança de multa por perda de uma comanda, por exemplo.
Dessa forma, vamos caminhar juntos.
Primeiro, para falar de Direito do Consumidor, é preciso entender que estamos tratando de igualdade buscando justiça.
Tentando explicar: dentro dos critérios de igualdade do filósofo Chaïm Perelman, a partir da justiça Aristotélica, trata-se de dar um tratamento jurídico a cada um, de acordo com suas necessidades (considerando as suas desigualdades).
Ou seja, não se pode tratar os diferentes de forma igual. Aliás, o imperativo da justiça social, está previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal.
Ocorre que vivemos em uma chamada Sociedade de Massa, que respira através do consumo desenfreado, a partir da "coisificação" do homem, por meio de demandas artificialmente criadas e voluptuosamente impostas.
Portanto, por razões de ordem social, econômica, antropológica; concluiu-se que o consumidor era a parte mais fraca da relação de consumo. Assim, por exemplo, um contrato de compra e venda de umas cuecas. Eu não entendo nada de cueca. Só sei usá-las. No entanto, um cerolão de algodão é melhor, em termos de conforto, que uma cueca de um tecido mesclado qualquer, e ainda cavada!
Acredito que quando vou até uma loja, devo ser esclarecido sobre todos esses detalhes, absolutamente. Do preço até se as costuras apertam as nádegas. E como eu não tenho apuro técnico suficiente para saber a veracidade das informações, eu simplesmente acredito! Por que haveria de duvidar? E mais, eu compro. Eu preciso de cuecas. Não sei fazê-las! E mesmo que soubesse, não tenho as máquinas, o tecido..., para tanto. Entendeu? Somos todos reféns do mercado. Todos somos, sob certo paradigma, consumidores.
Portanto, o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor é ponto fundamental da doutrina consumerista. Aliás, tal imperativo também tem previsão constitucional, quando se estabelece a proteção ao consumidor como direito fundamental, bem como, princípio da ordem econômica, lá nos artigos 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal.
De outra banda, e isso é tão importante quanto o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, o artigo 170 da Constituição Federal, já que o mencionamos, determina que a atividade econômica será exercida de forma livre; no entanto, calcada nos valores sociais. Assim, apesar de adotarmos o modo de produção capitalista, baseado na economia de mercado, o Estado intervém, através da implementação dos balizamentos constitucionais, ou seja, a Intervenção por Direção, na classificação de Eros Roberto Grau (A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988, p. 157, 1988). Portanto, o Estado exerce influência na economia por meio de mecanismos normativos de pressão; como por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor.
Tal forma de proceder deriva do fato de adotarmos uma Constituição Econômica (CF de 1988), conceito originado a partir da Constituição Mexicana de 1917, que aqui, foi inaugurado pela Constituição de 1934.
As Constituições Econômicas, só para aprofundarmos um pouco mais esse ponto, derivavam, inicialmente, dos Estados Sociais; que hoje, a partir das vicissitudes das crises mundiais, transmudaram-se nos Estados Desenvolvimentistas. Para pontuar os objetivos dessa Pessoa Jurídica, André Ramos Tavares (Direito Constitucional Econômico, pp. 67/68) sintetiza esses conceitos. Assim:

O que se pretende, no momento atual, é promover o desenvolvimento, não apenas econômico-financeiro (que é imprescindível), mas também o desenvolvimento humano e, para ele, concorre o desenvolvimento das liberdades fundamentais, como sustenta Amartya Sen. (...) O desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço econômico pouco significará, ou fará sentido para poucos.

Portanto, o que se quer, a partir dos princípios constitucionais e dos parâmetros normativos expostos no Código de Proteção e Defesa do Consumidor é alcançar um desenvolvimento econômico, sem abrir mão de um tratamento digno ao consumidor, por meio, por exemplo, da transparência e boa-fé nas relações de consumo.
Finalmente, só para não dizer que não falei das flores, com relação aos preços nas vitrines (da multa por perda de comanda falo um outro dia). A partir dessas rápidas pontuações, sabemos que o Direito do Consumidor deriva da dignidade da Pessoa Humana. Conceito extremante amplo, que, no presente enfoque, é constituído por uma dimensão relacionada à autodeterminação (Pérez Luño), que pode ser explicada como a livre projeção da razão humana. Ou seja, o exercício da liberdade caminha de braços dados com a dignidade, que se expressa pelo meu direito à informação.
Simples assim: Não colocar preço nas vitrines viola o meu direito à informação, impingindo-me tratamento indigno, já que a transparência contratual, objetivamente, não existe, impossibilitando, por consequência, a minha autodeterminação (no exercício do ato de comprar), fundamental para a minha sobrevivência, já que não sou detentor de nenhum meio de produção, portanto, refém do mercado.

ALEXANDRE GAZETTA SIMÕES