Paideia de Werner Jaeger 

Por: Marcelo Vagner Bruggemann  

A obra de Werner Jaeger, “Paideia, a formação do homem grego”, em sua 6ª edição de 2013, nos leva até a velha Grécia, já por volta do séc. XII a.C., chegando em Platão e Aristóteles  quando a dupla emergiu racionalmente a existência política e social do homem, a partir do século IV a.C. Posteriormente, essa cultura chegou aos confins geográficos do mundo oriental graças a expansão macedônica liderada por Alexandre o Grande, onde do lado ocidental, os romanos também absorveram a cultura grega, que por sua vez, fez todo mundo helenizado, tornar-se pavimento para o cristianismo.

Para o ocidente, a paideia se converteu em um dos legados imortais da mentalidade grega. Obviamente a palavra em si, “paideia”, não tem nos dias de hoje uma tradução ou um significado literal, tal nome remete a um conceito de entendimento global de “formação integral do ser humano”, como o próprio Jaeger assim diz:

Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem grego.

Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de emprega-los todos de uma vez. (JAEGER, 2013)  

Refletindo em Jaeger (p.36), entende-se que o único caminho para a compreensão do conceito de “paideia”, é o debruçamento sobre a configuração da sociedade grega e como os gregos entendiam a cultura e a educação nessa sociedade. E a partir daí, como eles realizavam a educação dos seus cidadãos na forma como entendiam o ser humano. Ou seja, alguém que precisava se adaptar a sua estrutura biológica para alastrar-se às mais elevadas esferas espirituais, cujo fim, é a formação integral do homem para servir a cidade, tornando-se um exemplo de cidadão ético, moral, justo e virtuoso na pólis. 

Platão e Aristóteles entendem a pólis, como o lugar onde “se encontra aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura” (p.107), nesse sentido, a cidade e o cidadão são inseparáveis, sendo a cidade virtuosa o lugar do ser humano honrado que compreende a educação como um meio para a consolidação de valores sólidos como estruturas de uma polis justa:

É esta a significação do novo Estado na formação do homem. Platão afirma, com razão que cada forma do Estado implica a formação de um tipo de homem definido, e tanto ele como Aristóteles exigem que educação de um Estado perfeito imprima em todos a marca do seu espírito (p.142). 

Chegando até aqui, pode-se ampliar a educação grega, para os sofistas, conhecidos como os tiranos do logos, mas, na “Paideia” de Jaeger, receberam grande destaque, sendo considerados inclusive como “os fundadores da ciência da educação” (p.348), não é por menos que até nos dias de hoje esse debate sofístico é ainda pauta do “ser ou não ser” da pedagogia como uma “ciência ou arte”. De todo modo, foram os sofistas que ofereceram aos indivíduos a retórica, como ferramenta de ação em um mundo complexo, mutável e carregado de conflitos, onde cada cidadão pode, por meio de decisões tomadas individualmente, apontar o caminho da verdadeira educação.

A partir da reflexão política de Aristóteles, nos leva ao questionamento: qual é o papel humano diante da sociedade? A resposta se encontra na vivência para a ação na pólis como aponta Sócrates, tratado dogmaticamente por Platão, como “o educador” (p.511), ou seja, todo o esforço humano deve ser direcionado para a alma como templo da razão, da inteligência. Cuidar da alma, significa concretamente “um cuidado através do conhecimento do valor e da verdade” (p.521). Por este caminho, se pode chegar a uma venturosa “harmonia entre a existência moral do homem e a ordem natural do universo” (p. 535).

A respeito do conhecimento da verdade e da moral expressada por Sócrates, seu principal discípulo, teve todo cuidado artesanal de registrá-las em forma de diálogo na República. É nesta grande obra de Platão, que se encontra os mais elevados exemplos das virtudes dos velhos gregos, um verdadeiro tratado pedagógico em que o próprio Jean-Jacques Rousseau declarou “a República não era uma teoria de Estado, como pensavam que só julgavam os livros pelos títulos, mas sim o mais famoso estudo jamais escrito sobre educação” (p.759).

A República é o centro da obra de Jaeger. Nela, o autor lembra a justiça como um audacioso projeto de reforma da sociedade idealizado por Platão, o qual concebe o Estado perfeito pela imagem aumentada do homem. Formar o Estado para Platão, significa formar o verdadeiro homem, isso porque, esse homem “traz na sua alma o verdadeiro Estado e age e vive em vista dele” (p.982). A paideia grega é um projeto tão ambicioso que o próprio cristianismo, só encontra sentido por meio do ideal de transformação do indivíduo para reformar a sociedade.

Nesse sentido, Platão entende que as três virtudes do corpo – saúde, beleza e força – são as bases para a medicina, contribuindo diretamente para a harmonização com as quatro virtudes da alma – piedade, valentia, moderação e justiça, como tal, essa harmonia constitui a “essência da saúde e de toda perfeição física em geral” (p.1071).  Portanto, a Medicina como Paideia se resume em atitudes educadoras que ultrapassam em muito, os limites do tratamento da doença em si, incluindo as práticas esportivas, musicais, danças e teatros no cotidiano como práticas educativas, tendo no médico apenas um conhecedor da natureza e das ervas medicinais, o qual era chamado apenas para recompor a saúde do doente, eliminando a causa da dor para sarar o homem, afastando o que o fazia sofrer.

A rigor, a harmonia que Jaeger insiste em sua Paideia, remete a união entre a filosofia com a experiência humana e sua concepção com o lugar do indivíduo na polis, no caso grego, a sociedade. A Paideia dos velhos gregos se resume na   educação para a formação do homem integral, livre, e apto para o exercício pleno da cidadania. O objetivo de tal educação, consiste em determinar as coisas que constituem a razão do ser e viver. É o horizonte a ser alcançado pela capacidade intelectual somado a liberdade moral e a apreciação estética com o controle das emoções evitando tudo que é nocivo à alma.