Pacta Sunt Servanda

 

 

Julianna Mendonça Neves *

 

 

Sumário: Introdução; 1 Mora; 1.1 Mora Solvendi; 1.2 Mora Accepiendi; 1.3 Mora de Ambos; 2 Efeitos da Mora; 3 Cessação e Purgação da Mora; 4 Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

Nosso paper abordará questões importantes sobre a mora, como os seus efeitos jurídicos, suas espécies, sua cessação e purgação, incluindo também questões de inadimplemento relativo e inadimplemento absoluto. O assunto terá como base de estudo o Código Civil de 2002 e o pensamento de renomados doutrinadores do Direito Civil Brasileiro.

                               

PALAVRAS-CHAVE

Obrigações. Inadimplemento. Mora. Cessação. Purgatório.

 

 

INTRODUÇÃO

A obrigação caracteriza-se pelo vínculo de vontade entre credor e devedor, nada mais é do que “uma relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objetivo consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio.”[1]

O devedor assume o compromisso de executar a obrigação, existe o chamado pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser cumpridos e caso não o faça sofrerá conseqüências jurídicas, já que uma “obrigação descumprida ou mal cumprida, ou cumprida com atraso, desempenha o papel de uma célula doente no organismo social; célula essa que pode contaminar vários órgãos do organismo.” [2] Desta forma, caberá ao direito conter tais células, para assim cumprir sua função de pacificação social com justiça garantindo o cumprimento das obrigações. O inadimplemento, ou seja, o não cumprimento da obrigação poderá ser relativo ou absoluto, o inadimplemento relativo caracteriza-se como mora, que será o assunto abordado em nosso estudo.

O tema será tratado da seguinte maneira: inicialmente abordaremos o conceito de mora para título de esclarecimento, especificando em seguida as espécies e seus efeitos jurídicos utilizando jurisprudência como meio de explicação. Desta forma, finalizaremos o trabalho analisando a cessação e o purgatório da mora, empregando o conhecimento de renomados doutrinadores do Direito Civil para alcançar o objetivo de total esclarecimento sobre o assunto.

1 MORA

O inadimplemento da obrigação poderá ser relativo ou absoluto. A mora se caracteriza como inadimplemento relativo e, o artigo 394 do Código Civil de 2002 considera “em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não o quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.” [3] Podemos ainda inferir com Pablo Stolze que “esse retardamento culposo no cumprimento de uma obrigação ainda realizável caracteriza a mora [...]” [4] Desta forma a mora é um atraso culposo na execução da obrigação e poderá ser classificada em mora solvendi ou debitoris ou mora do devedor, mora accepiendi ou mora do credor e mora de ambos os contratantes.

A título de esclarecimento a distinção entre mora e inadimplemento absoluto se torna necessária. A mora, como já foi dito, é considerada inadimplemento relativo e, ao contrário do inadimplemento absoluto, a obrigação ainda poderá ser cumprida. O critério de utilidade fará distinção entre as duas, assim, um fato será considerado mora se o objeto da obrigação ainda for útil ao credor, caso não o seja considerar-se-á inadimplemento absoluto.

Uma característica importante da mora está disposta no artigo 396 do Código Civil de 2002, que faz ressalva a exclusão da mora em relação a fatos inimputáveis, ou seja, para que um fato possa ser considerado mora, este deverá estar relacionado a uma conduta humana que cause a demora da execução da obrigação, excluindo os casos inimputáveis, como força maior ou caso fortuito. Sobre tal assunto WASHINGTON MONTEIRO COMENTA QUE  PG 196

A análise do antigo Código e do novo em conjunto, permite a percepção de uma sutil mudança realizada pelo legislador em certos artigos demasiado importantes. O Código Civil de 1916 dispunha em seu artigo 955 que se encontrará “em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não o quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma convencionados.”[5], ocorreu uma pequena mudança no texto no momento em que a palavra lei, foi adicionada ao artigo corresponde sobre o assunto no novo Código Civil de 2002. O legislador realizou uma aprimoração ao relatar que o credor também está em mora quando se recusa a receber pagamento no tempo, lugar ou forma que a lei ou convenção estabelecer, “isso porque tanto a lei como a convenção – categoria abrangente do contrato – podem estabelecer os critérios ou requisitos para que o devedor pague validamente, não podendo o credor afastar-se deles, sob pena de incorrer em mora.” [6], a mudança foi sutil, porém importante.

1.1  MORA SOLVENDI

Mora solvendi ou debitoris ou mora do devedor constitui uma das espécies mais freqüentes de mora e “ocorre quando o devedor retarda culposamente o cumprimento da obrigação.” [7] Renomados doutrinadores do Direito Civil brasileiro chamam a atenção para os aspectos subjetivos e objetivos da mora do devedor. O aspecto objetivo advém da inexecução da obrigação no tempo, lugar e forma estabelecidos por lei ou convenção e o aspecto subjetivo é a inexecução culposa da obrigação por parte do devedor.

 Existem pressupostos para que ocorra a mora do devedor, portanto, torna-se necessário localizar alguns requisitos: a existência de dívida líquida e certa, o vencimento da dívida e culpa do devedor. Entende-se por dívida líquida e certa, que são as prestações com conteúdo certo, obrigação com coisa determinada, pois devedor algum poderá cometer mora em situação de dívida incerta, ilíquida ou indeterminada. A exigibilidade da dívida é requisito imprescindível, pois “se a obrigação venceu, tornou-se exigível, e, por conseguinte, o retardamento culposo no seu cumprimento poderá caracterizar a mora.” [8], tal fato pressupõe ainda, como aponta Cáio Mário “a liquidez e a certeza” [9] da obrigação. A culpa do devedor é outro requisito fundamental para que se configure a mora e sobre o assunto, podemos ainda inferir com o renomado doutrinador Silvio de Salvo Venosa, que a culpa do mesmo é requisito objetivo e “Assim, não responde o devedor pelo ônus da mora se não concorreu para ela” [10]

Nos casos em que o objeto da parcela se impossibilita por motivo de caso fortuito ou força maior e excluem a imputabilidade do devedor, deve ser analisado o tempo do fato ocorrido, pois o devedor deverá responder pela impossibilidade da prestação se o caso fortuito ou de força maior ocorrer durante a mora, tal fato encontra-se positivado no artigo 399 do Código Civil “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.” [11]

A mora do devedor manifestar-se-á de duas maneiras distintas, a mora ex re e mora ex persona. A mora ex re advém de fato previsto em lei, ou seja, quando a obrigação for líquida, positiva e com data fixada para a sua execução. Sobre o assunto o artigo 397 do novo Código Civil entende que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.” [12], desta forma conclui-se que nos casos de mora ex re a mora é automática, pois a sua inexecução já implica em mora do devedor.

Nas situações que envolvem mora ex persona é essencial a notificação judicial ou extrajudicialmente do devedor, para que possa configurar mora, pois a obrigação não foi estipulada em termos certos para seu adimplemento, tal situação está prevista no parágrafo único do artigo citado “Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.”[13]

Como exemplo, podemos citar o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. Neste, a apelação cível da empresa Dibbens Leasing S/A contra o devedor foi favorável, pois ocorreu a notificação extrajudicial pelo apelante permitindo assim a ação de reintegração de posse. Desta forma, vemos que este exemplo configura a mora ex-persona, pois ela ocorre somente via interpelação judicial ou extrajudicial. Além disso, o apelante na lide promoveu a notificação extrajudicial ao devedor, mas esse ao não se pronunciar, fizera com que o Tribunal reconhecesse a mora do mesmo e acabsse decidindo a favor do credor.

1.2  MORA ACCEPIENDI

A mora poderá ainda ser classificada em mora accepiendi ou mora do credor, entretanto tal espécie de mora é menos comum e caracteriza-se como um atraso no recebimento do pagamento. O artigo 394 do Código Civil considera a mora como uma recusa ao recebimento da prestação no tempo, lugar e forma que a lei ou convenção estabelecer, desta forma conclui-se que “incide o credor em mora se se recusa a receber o pagamento no tempo e lugar indicados no título constitutivo da obrigação, exigindo-o por forma diferente ou pretendendo que a obrigação se execute de modo diverso.”[14] Uma maneira interessante para esclarecer o assunto é a discussão acerca de recurso especial conhecido e provido pelo Superior Tribunal de Justiça. O locatário não poderá exigir do locador que pague valor diverso do que foi estabelecido em contrato e se recusando a receber o aluguel do imóvel caracterizará sua mora accepiendi.

Assim como a mora do devedor, a mora do credor também exige certos pressupostos para que possa se configurar. É necessária dívida líquida e positiva, oferta real da prestação, comprovação do estado de solvência do devedor, a recusa injustificada, expressa ou tácita do credor em receber o pagamento no tempo, lugar e modalidade convencionada por lei ou entre as partes. Vale ressaltar que quando o credor encontrar-se impedido temporariamente de receber o pagamento, por causa plenamente justificável, não se constituirá em mora, já que esta só poderá ocorrer tendo como base os requisitos citados.

A oferta do devedor é essencial, pois traduz de imediato a sua vontade “[..] de satisfazer a obrigação, não bastando simples afirmativa do devedor de que se acha pronto a adimpli-la (oblatio rite facta)”[15], quanto a dívida líquida e positiva não poderá o credor estar em mora se o conteúdo do pagamento é desconhecido pelo devedor, tal fato conecta-se com a necessidade de oferta, pois se o conteúdo do pagamento ainda não foi estipulado, o devedor não terá como ofertar a prestação e  executar a obrigação e, o credor por sua vez  não terá como recusá-la. Nesta situação é válido imaginar os pressupostos da mora do credor como unidades interligadas e caso uma conexão se rompa, o todo perderá o sentido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA

 

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MALUF, Carlos Alberto Dabus; MONTEIRO,Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.

VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Civil e Procesual Civil. Recurso Especial. Locação. REsp no 229.764/RJ, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Brasília,

DF, 24 de Maio de 2000. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%28%28%22FERNANDO+GON%C7ALVES%22%29.min.%29+E+%28%22Sexta+Turma%22%29.org.&processo=229764&b=ACOR#. Acessado em: 28 Abr 2010.

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Maranhão. Apelação cível no 4.664/2010 (0899472010). Apelante: Dibens Leasing S/A- Arrendamento Mercantil. Apelada: Francisco Leandro Leite Braga. Relator: Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira. São Luís, 30 de março de 2010. Disponível em: http://www.tj.ma.gov.br/site/cons/jurisp/consulta.php. Acessado em: 28 Abr 2010.



* Acadêmica do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[1] MALUF, Carlos Alberto Dabus; MONTEIRO,Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v.4. pg 8.

[2]VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010. pg 335

[3] Codigo Civil 2002 Artigo 394

[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: obrigações. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Pg 311

[5] BRASIL. Código civil. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. artigo 955

[6] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Op. cit. Pg 312

[7] Id. Ibid. pg 312

[8] Id. Ibid. pg 313

[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. 21 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.pg 343

[10] VENOSA, Silvio de Salvo. Curso de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2010. pg 342.

[11]CC  artigo 399

[12] CC artigo 397

[13] CC Artigo 397

[14]MALUF, Carlos Alberto Dabus; MONTEIRO,Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 4. Pg 355

[15] Id. Ibid. pg 361