Vivemos numa sociedade de imagens, onde o som perdeu seu valor. O mundo encontra suas respostas e certezas apenas no que enxerga. Mas nem sempre foi assim, houve um tempo em que à transposição de experiências passadas através da oralidade de pais para filhos, não era apenas uma forma de respeito com os mais velhos, mas principalmente uma forma receber informações importantes para a sobrevivência. Entenda-se então oralidade como a transmissão daquilo que a escrita não é capaz de repassar e então podemos colocar em primeiro plano as emoções. O discurso oral tem o poder de prender o ouvinte no momento em que revela, através da fala (entonação e silencio), os sentimentos vividos por quem conta um fato, uma situação.


"O narrador é um mestre do ofício que conhece seu mister: ele tem o dom do conselho. A ele foi dado abranger uma vida inteira. Seu talento de narrar lhe vem da experiência; sua lição, ele extraiu da própria dor; sua dignidade é a de contá-la até o fim, sem medo. Uma atmosfera sagrada circunda o narrador." (BOSI 1994, p. 91)


Muitas vezes mesmo que a pessoa que narre não seja a mesma que viveu os fatos, ainda assim os sentimentos do peso da narrativa original permanecem, talvez, como uma forma de respeito, ou mesmo de medo das conseqüências de se alterar a história. Todavia mesmo que o narrador dessa história não perceba, as influências íntimas de cada um altera a história. Não que seja algo pensado, mas a simples mudança de narrador e o espaço/tempo alteram gestos, entonação e voz e com isso a história também muda.


"Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, "tal como foi", e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelo materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.[...] esse convívio de lembrança e crítica altera profundamente a qualidade da segunda leitura. A qual, só por essa razão, já não "revive", mas "re-faz" a experiência da primeira." (BOSI 1994, p. 55, 57)


Podemos dizer, então, que há um exercício de memória que garante a preservação dos fatos e também a conservação de uma cultura, E assim foi por muito tempo. As histórias passadas de pai pra filho e de filhos a netos. Com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias, o homem aprimorou a maneira de guardar estas informações e de manipular o som, dando a este o poder de criar na mente de seus ouvintes as imagens, sem, entretanto garantir que haja uma verdadeira assimilação de conteúdo.


"O receptor da comunicação de massa é um ser desmemoriado. Recebe um excesso de informações que saturam sua fome de conhecer, incham sem nutrir, pois não há lenta mastigação e assimilação. A comunicação em mosaico reúne contrastes, episódios díspares sem síntese, é a - histórica, por isso é que seu espectador perde o sentido da história." (BOSI 1994, p. 87)


Em relação aos meios de comunicação, o que mais se aproxima desta "passagem de informação" por ter como forte o som, a oralidade, é o rádio. Segundo Bosco Brasil: "Som é matéria", portanto, a sensação que se tem ao ouvir uma peça é, antes de tudo, física, é uma vibração epidérmica, é uma sensação real que vai além dos simulacros de uma mera representação fictícia" .

O radio provoca uma aceleração da informação que também se estende a outros meios. Reduz o mundo a uma aldeia (...). Mas, ao mesmo tempo em que reduz o mundo a dimensões de uma aldeia, o radio não efetua a homogeneização dos quarteirões da aldeia. Bem ao contrario. (MCLUHAN, 1971, p 344)


Trata-se de um meio cego, mas que pode estimular a imaginação, de modo que logo ao ouvir a voz do locutor o ouvinte tente visualizar o que ouve, criando na mente a figura do dono da voz. [...] ao contrario da televisão, em que as imagens são limitadas ao tamanho da tela, as imagens do rádio são do tamanho que você quiser. (MCLEISH, 2001, p. 15).

Pena que estamos deixando de escutar tornando-nos assim uma espécie de surdo, surdo que mesmo podendo escutar prefere apenas ver. Segundo Baitello:


Vivemos, profundamente, até a última das nossas fibras, dentro de um mundo da visualidade. Que evidentemente não começou agora, mas que foi se desenvolvendo e foi se sofisticando de tal maneira que todos nós podemos suspeitar que estamos nos tornando surdos. O valor do som é tão menor que o da imagem no nosso mundo e no nosso tempo, que este fato pode ser lido em inúmeros momentos da nossa vida e do nosso cotidiano (BAITELLO, 1997, p. 4) .


Se por um lado este posicionamento extremamente visual nos ajuda a compreender com mais facilidade o mundo que esta à nossa volta, por outro, auxilia na perda de uma sensibilidade auditiva que em breve, nos fará falta. Por isso é importante atentar para o que diz Baitello sobre a importância de saber ouvir:


Civilização da visualidade não significa somente "ver imagens" opticamente, mas também ver imagens onde elas não estão, projetar imagens onde elas não estão visualmente presentes, atribuir valores imagéticos e, sobretudo conferir ao imaginário o status de realidade primordial e preponderante (BAITELLO 1997 p. 7).


Somado a isso, o docudrama também funciona como meio de reflexão, e essa é uma preocupação que pouco se vê nas programações radiofônicas atuais. A adaptação aqui proposta vem de um fato que propicia tais reflexões dando à peça radiofônica um caráter educativo. Como afirma Mcleish em seu livro Produção em Rádio, "O rádio funciona bem no mundo das idéias. Como um meio de promover a educação ele se destaca com conceitos e também com fatos (...) serve para veicular qualquer assunto que possa ser discutido (...)".