Muito se escreverá sobre o grande arquiteto brasileiro, cujo sobrenome alemão de sua avó materna acabou sendo a sua marca registrada. O nome português Soares ficou esquecido para sempre. Foi a força da matriarca ou a força de um nome germânico? Quando era criança imaginava que o Oscar de Hollywood era uma homenagem a ele, o famoso arquiteto, mas soube depois que o Oscar não significava absolutamente nada, nem no nome e tampouco como prêmio, que é um conchavo da indústria cinematográfica norte-americana para promovê-la no mundo.

Quando criança ouvia falar muito sobre Brasília, cujo traçado urbano foi criado por Lúcio Costa e os edifícios por Niemeyer. A revista Manchete mostrava as fotografias das obras ainda inacabadas do palácio da Alvorada em meio ao descampado do Planalto Central. Um palácio é coisa de monarquia, pensava eu. Teremos então um rei? Perguntei ao meu pai, inocentemente. Trabalhadores carregando materiais ou labutando no acabamento dava a impressão de um totem perdido nos confins da América. Finalmente Brasília ficou pronta ou quase. As fotografias da inauguração da cidade mais moderna do mundo, com o congresso nacional simbolizando o poder popular sobressaindo sobre o poder executivo, numa visão ideológica do arquiteto. Infelizmente, a força do poder popular ficou somente na simbologia arquitetônica. Brasília se tornou símbolo do isolamento político e institucional. O povo, representado pelos trabalhadores acampados no planalto, organizou imensas favelas no seu entorno. Durante a ditadura Brasília ficava no imaginário popular como o centro do poder arbitrário, onde os generais manipulavam as informações como o fazia o Grande Irmão de George Orwell em “1984”. Depois, passou a ser vista como o centro das negociatas, da corrupção e dos privilégios.

Quando adolescente fui pela primeira vez a Belo Horizonte, acompanhando um amigo em visita a irmã em um convento próximo à Igreja de Pampulha. Foi nesta viagem que conheci a famosa igreja, cujas formas, foram “roubadas” pelo poeta arquiteto do relevo das Minas Gerais. Acostumado a ver as igrejas no seu estilo tradicional com duas torres, janelas e portas em arcos e adornos barrocos, fiquei inicialmente chocado, mas um amigo ensinou-me a olhar com outros olhos aquelas formas contemporâneas e arrojadas.

Niemeyer era um comunista de carteirinha, mas parece que era apenas isso. O chamado "partidão" nunca se comprometeu com mudanças revolucionárias no plano político e econômico. Depois da fracassada tentativa de tomar o poder sob a liderança de Luiz Carlos Prestes em 1935, se integrou ao sistema, fazendo composições políticas ora a esquerda moderada, ora a direita. Foi assim que o Prestes apoiou Getúlio Vargas em 1950 para presidente, o mesmo que mandou a sua mulher grávida para a câmara de gás na Alemanha nazista. Durante a ditadura militar o partidão ficou em cima do muro e nunca fez uma oposição de verdade aos militares. Alguns militantes até acreditavam que poderiam estimular uma vertente nacionalista do exército a mudar os rumos da ditadura. Foi somente em 1975, numa tentativa de golpe do General Ednardo D´Ávila Mello contra o General Geisel, que o velho partidão foi atacado mortalmente e sem uma justificativa séria, com a prisão e morte do jornalista Wlademir Herzog.

Por via das dúvidas Niemeyer foi para a França, pois seria um risco algum militar da extrema direita resolver prendê-lo e torturá-lo. O escritor Jorge Amado, outro militante do PCB, foi para a Bahia e passou a se dedicar exclusivamente à literatura. Como a arte de Niemeyer tinha como seu principal cliente o Estado, seu ganha-pão ficou prejudicado, pois nenhum governador ou prefeito teria coragem de contratá-lo para algum projeto arquitetônico sem correr o risco de ser acusado de subversivo.

 Niemeyer escrevia também os seus versos, provavelmente antes de traçar as suas curvas sinuosas para ajudá-lo na inspiração. Cercava-se de romancistas, artistas plásticos, críticos de arte e poetas, como Ferreira Gullar, também um ex-militante do PCB, com quem desenvolveu uma sólida amizade. Sérgio Buarque de Hollanda e sua mulher também eram frequentadores de sua casa e consta que ganharam até um projeto de uma casa que nunca foi construída para um terreno em São Paulo.

Ao completar cem anos de idade pensava-se que o arquiteto já estaria aposentado. Qual o quê! Ainda frequentava o seu escritório para dar palpites sobre projetos, fazer os seus traços ou simplesmente para observar o mar e desenhar com os dedos no ar, como fazia quando criança. Viver mais de cem anos e com lucidez é um privilégio para poucos. Não faltam nessas horas os conselhos geriátricos de que as pessoas em atividade, fazendo o que gostam, conseguem driblar os males da passagem do tempo. Niemeyer era um realista, via a vida como um sopro e não festejava a velhice. Viver era uma imposição, uma necessidade, nada mais do que isso. Quando lhe perguntaram o que achava de fazer cem anos, respondeu laconicamente: "É uma merda". Não sei se falou sério, mas talvez, como seu corpo já não dava conta de sua mente ainda inquieta e criativa, desabafou.