OS VALORES E INTERESSES SOCIAIS REFORÇAM A IDENTIDADE DOCENTE

 

                                                                                        ANA DE SOUSA CELESTINO SILVA SANTOS

                                                                                         IVANILDA ALVES DE SOUZA GOMES

 

Os desafios dos/as professores/as são muitos. Deles/as se espera que tenham os subsídios necessários à prática docente, objeto de sua ação-reflexão-ação. Nesse contexto, os/as professores/as se vêem impelidos/as a lidar com diversidade de informações e demandas da profissão, do aprender ao ensinar, ou seja, produzir conhecimento. Espera que a atividade dos/as professores/as intervenham na realidade social dos/as alunos/as, pois, conforme Schmidt, Ribas e Carvalho (1998, p. 13):

A prática pedagógica está marcada por uma opção consciente, pelo desejo de renovação, de transformação e de mudanças, pela busca e implementação de novos valores que venham a dar uma nova direção à prática social. [...] caracteriza-se como fonte de conhecimento e geradora de novos conhecimentos. Nessa perspectiva, o novo encontra aqui o nicho ideal para vicejar e expandir-se.

 

O trabalho pedagógico implica uma relação teórico-prática, posto que teoria e a prática, nesse processo, são indissociáveis. Na prática poderão ocorrer dificuldades metodológicas decorrentes de limites pessoais quando da ação docente. Conforme admite Rosa (2003), as atividades destes profissionais são, em parte, definidas pela realidade política, social, cultural e psicológica. Por isso, espera que o/a professor/a esteja lincado/a ao contexto em que vive.

Dos/as professores/as contemporâneos/as é cobrado um novo perfil, como destaca Alonso (2003, p. 6),

 

Torna-se um profissional efetivo, em contraposição ao tarefeiro ou funcionário burocrático; esse profissional terá que ser visto como alguém que não está pronto, acabado, mas em constante formação; um profissional independente com autonomia para decidir sobre o seu trabalho e suas necessidades; alguém que está sempre em busca de novas respostas, novos encaminhamentos para seu trabalho e não simplesmente um cumpridor de tarefas e executor mecânico de ordens superiores e, finalmente, alguém que tem seus olhos para o futuro e não para o passado.

 

Esse perfil exigido dos/as professores/as implica a construção de novas relações no âmbito da escola, da sala de aula, com seus pares e o alunado. Elucida Alonso (2003) que essa postura requerida, ultrapassa o trabalho técnico-pedagógico, exige dos/as professores/as ações bem planejadas e organizadas, com objetivos claros e assumidos pela a comunidade escolar. Para a estudiosa, os/as professores/as reflexivos/as preocupam-se mais com o/a aluno/a do que com o conhecimento a ser construído, o que não deixa, também, de denotar o compromisso social docente. Na atualidade é possível, por exemplo, nos depararmos com professores/as que atuam como “psicólogos/as” em sala de aula, outras vezes, como pais, “tios/as”, uma espécie de profissional capaz de observar as dificuldades e seus agentes causadores e, a partir daí, exercer sua profissão.

As formações continuadas/especializações, como a psicopedagogia, podem auxiliar o trabalho dos/as professores/as. Alguns professores e professoras não têm outra opção senão “agir como psicólogos/as”, ainda que não tenham formação específica para fazê-lo. Tudo depende da realidade em que eles/as atuam e das circunstâncias estranhas ao ambiente de sala de aula ou inusitadas para a comunidade em geral. Sabemos que o professor não pode em sua prática docente desempenhar múltiplas funções.

Recorremos à BNCC (2017) quando trata competências gerais e confere aos docentes o papel de auxiliarem os alunos a desenvolver: autoconhecimento e autocuidado (cuidar da saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros,...); empatia e cooperação (exercitar a resolução de conflitos e a cooperação,...); responsabilidade e cidadania (agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,...).

Existem desafios nos quais os/as professores/as se sentem “perdidos/as”, como é o caso, no tempo em que vivemos, da COVID-19 que transformou as instituições e suas tradições. Os estudos acerca desses desafios são ainda escassos. Porém, alguns poucos artigos conseguem discutí-lo. Assim, as mudanças são visíveis e a necessidade de adaptação aos diferentes formatos e metodologias de ensino surgem e se desenvolvem no imediato do cotidiano, como revela o artigo da Plataforma Eleva, publicado em 30 de julho de 2020:

 

Alguns deles [os/as professores/as] precisaram lidar com as mudanças bruscas e se adaptar ao ensino a distância, outros ficaram impedidos de dar aulas devido à falta de infraestrutura nas escolas em que trabalham. Entretanto, continuar o processo de ensino-aprendizagem sem aulas presenciais é difícil para todos eles, mesmo no caso daqueles que já tinham certa familiaridade com esse modelo. Afinal, em vez de utilizar recursos on-line como complemento das atividades em sala de aula, eles precisam concentrar todos os seus esforços neles. Além disso, também há o fator emocional. Os professores que são apaixonados pela carreira que escolheram e amam trocar conhecimento com seus alunos estão sofrendo com a distância deles. (inserção da autora).

 

Outros desafios: distância dos/as alunos/as e o acompanhamento das suas aprendizagens, dificuldades de se adaptar a uma nova realidade tão rapidamente e mudanças repentinas de práticas pedagógicas, comprometem não somente o trabalho pedagógico docente, como a própria existência do/da professor/a e a construção de uma identidade.

Ao discorrer sobre o ofício de mestre, Arroyo (2013) afirma que o ritmo das mudanças  dos/das  docentes não acompanha o dos alunos, principalmente no que se refere ao uso de tecnologias. Ainda que isso seja verdade, o trabalho docente é indispensável e o mesmo acontece quanto à sua autoridade em sala de aula.

Quanto à sua identidade profissional, nela incorporam-se saberes históricosociais, uma história que os/as identifica enquanto trabalhadores da educação, que ao longo do tempo avançam em formação (conhecimentos, metodologias, tecnologias, conteúdos), buscam reconhecimento social, trazem uma herança histórica, social e cultural. Um/a professor/a está sempre em formação, que ao invés de práticas didáticas, desenvolve  experiências formativas-educadoras, rompendo com a cultura conteudista, preocuando-se mais com o processo de aprendizagem do que com seu produto.

Na construção de sua identidade profissional, os/as docentes, segundo Arroyo (2013), promovem o ensino por meio do diálogo, rompendo com o ditatismo, buscando formas de fazer da sala de aula (em consequência, da escola), um espaço motivador no qual o alunado goste e queira estar. O autor, fala até que se trata de buscar a humanização do ensino, algo que deve assumido pelas universidades que formam os/as professores/as.

Os valores e interesses sociais reforçam a identidade docente, com docentes sensíveis à diversidade cultural, abertos à questões voltadas à cidadania (a humanização do ensino). Nesse contexto, os PCNs e demais docmentos que rezem a educação brasileiras devem ser de total conhecimento dos/das docentes – oque, para Arroyo (2013), é um grande avanço, posto que, na opinião do autor, é ainda um desafio na construção identitária do/da professor/a.

Arroyo (2013) afirma que o/a professor/a carece ainda de uma cultura político-profissional – não a relacionada às greves, mas, pelo compromometimento com a educação enquanto direito público e universal, pelas escolhas pedagógicas, pelo reconhecimento daquilo que é e o que não é de sua responsabilidade. Segundo o estudioso, o exercício da docência  requer sujeitos maduros, capazes de ações pedagógicas inovadoras e coletivas, sempre em construção.

Ao participar como conferencista da discussão sobre a Identidade Docente em Tempos de Crise, Arroyo (2021) fez diversas afirmações sobre a necessidade da construção de novas identidades docentes, enfatizando que isso decorre das mais diversas transformações das realidades. Quem é o professor de hoje? Ele é obrigado a dar conta de tudo mesmo? Respondendo esses questionamentos, o conferencista faz diversas considerações e afirmações, a começar pelas identidades docentes que deveriam basear-se na identidade do povo.

E, a crise docente decorre da fragmentação das licenciaturas, por essas formarem apenas para conteúdos específicos de determinadas disciplinas: Matemática ensina somente Matemática, Geografia ensina sobre os espaços – porém, sem discutir as realidades desses. Com isso os/as docentes tem uma formação que traz em seu bojo a concepção de conhecimento recortada, onde cada um/a estuda determinado conteúdo, sem o estudo para a prática da interdisciplinaridade ou da transdisciplinaridade. Forma-se o/a Licenciado/a em apenas um conteúdo.

Arroyo (2021) afirma que é preciso questionar e reconhecer que tipo de docente está em crise. A resposta desse estudioso a isso é que, as formações ainda são fechadas, como em quintais – cada curso constrói um conhecimento específico, contrariando o que acontece hoje: o conhecimento avança como um inteiro e não fragmentado. É preciso saber como se produz conhecimento. Acerca dessa necessidade, Arroyo (2021) explica que:

 

Toda experiência social constrói conhecimento. A globalização produz conhecimento globalizado. Hoje se avança em crítica: em todas as áreas se deve globalizar o conhecimento e não cabe aos professores recorta-la. Na realidade, o conhecimento é recortado nas licenciaturas. Os professores não estão sintonizados com os embates acerca de construir conhecimentos – pois, seria necessário romper com os currículos tradicionais... Reestruturar os cursos – as licenciaturas. É preciso repensar essa reestruturação, pois oque temos hoje é insuficiente para formar professores.

 

Para deixar ainda mais clara a necessidade dessa reestruturação da formação de professores, Arroyo (2021) afirma que há questões que chegam à escola e que não se aprende na universidade: pobreza, violência, diversidades e outros temas. É preciso estudar as diversas realidades, as grandes questões globalizadas que não fazem parte da docência, da formação de docentes.  É preciso produzir conhecimento de forma globalizada. É possível formar preciso formar docentes que consigam compreender essa gama de temas. E isso só é possível com a abertura dos formadores à reestruturação das licenciaturas (difícil, mas, necessária!).

Uma fala muito forte de Arroyo (2021) nessa conferencia foi: “Nenhuma teoria do conhecimento diz que, em cada tempo humano o sujeito aprende, e não por ano, por série.”. Oque significa dizer que os conteúdos estão fragmentados por série, ano, desde a formação, por tempo. Ao praticar o que aprendeu na licenciatura, a identidade docente construída lá torna os trabalhos docentes precários, segundo o estudioso. “As grandes crises da docência vêm do fato que os alunos são outros. As realidades são outras. Quando os educandos são outros. Que conhecimentos estamos precisando? É preciso ter claro quem são os alunos e que conhecimentos precisam.”, argumenta Arroyo (2021). Com isso, instalada a crise, é preciso reconhecer que nem tudo está perdido, pois, os docentes que estão chegando são outros, em virtude da conscientização de que precisam estar mais próximos das realidades de seus alunos.

“É preciso ser educador olhando as origens – são outras docências, outras formações, outras identidades – sem esquecer as identidades de origem. Minha identidade de educador está ligada às identidades anteriores, arraigadas em diferentes culturas e valores éticos e morais.” – com esse discurso, Arroyo (2021) afirma a necessidade de se construir outras identidades docentes, por meio de pesquisa e estudos que busquem sempre saber, dentre outras questões: o que está acontecendo, quem são os novos educadores, que estão em formação, qual sua identidade de origem. Segundo Arroyo (2021):

 

Todas as realidades levam para uma nova postura identitária, novos currículos, novas formações docentes educadoras – e isso deve incorrer pelas mãos dos próprios docentes. A nova identidade docente que vem das lutas docentes: somos trabalhadores na educação, decidimos e organizamos o trabalho docente. Se estamos em crise de docência: estamos em crise de formadores. É preciso de outras formações com novas identidades docentes.

 

De fato, se a prática docente tiver como base apenas o currículo atual, então, permaneceremos com uma diversidade de crises: no espaço escola, na construção das identidades. É preciso diálogo, conscientização sobre adequar-se às realidades dos alunos, de trabalhar os conteúdos de forma mais completa no espaço escola visando sua aplicabilidade fora seus muros. Se os alunos não são mais os mesmos, os/as professores/as também não o podem ser, o que requer deles/as uma postura crítica, com a visão mais ampla sobre o que está acontecendo, o que os leva às crises e como resolvê-la.

 

 

Referências

 

 

 

ALONSO, Myrtes (org.). O Trabalho Docente: teoria& prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.

 

 

ARROYO, Miguel González. Pedagogia: Identidade Docente em Tempos de Crise - Reinvenção de Novas Possibilidades. Universidade Católica do Brasil, 2021. Disponível em: .

 

ARROYO, Miguel González. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. 15. ed. Petrópolis - RJ: Vozes, 2013.

 

 

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

 

 

 

ROSA, Dalva Eterna Gonçalves. Investigação-ação colaborativa sobre práticas docentes na formação continuada de formadores. Tese de Doutorado. Unimep - Piracicaba, 2003.

 

 

 

SCHMIDT, Leide Mara; RIBAS, Mariná Holzmann; CARVALHO, Marlene Araújo de. A prática pedagógica como fonte de conhecimento. Revista Olhar de Professor. Ponta Grossa, v.1, n. 1, p. 9-23, outubro, 1998.